Bienal do Whitney Museum apresenta faceta política

Preparada durante um ano e meio, evento reflete os tempos conturbados do cenário norte-americano

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Por Lúcia Guimarães
Atualização:
Obra 'Pacific Red II', deLarry Bell, um dos destaques da Bienal de Whitney Foto: Matthew Carasella

O que acontece quando a mais esperada bienal da América do Norte é concebida sob a expectativa da primeira mulher presidente e é inaugurada na era de Donald Trump? Um curto circuito artístico-existencial não é a resposta. O Whitney Museum of American Art inaugurou, na sexta-feira, uma das mais políticas mostras coletivas de arte da memória recente nos Estados Unidos. Um sinal do poder e da transcendência da arte é a possibilidade de expressão a qualquer tempo sem estar acorrentada ao calendário.

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Mas, suponho, os que, como esta repórter, murmuram interjeições ao longo das galerias que ocupam dois andares do museu Whitney estarão perdoados. Que a apreciação atemporal das obras de 63 artistas expostos este ano fique para mais adiante. É impossível, para o visitante contemporâneo, descolar as obras do momento americano. A jovem dupla de curadores, Mia Locks e Christopher Lew, em conversa com o Estado, diz que a Bienal foi montada em cerca de um ano e meio, e fala a preocupações que estão nas manchetes. “Desigualdade econômica, violência racial, engajamento coletivo e o poder do artista de resistir,” lembra Christopher Lew.

Apesar da profusão de mídias, os curadores admitem que deram prioridade a ideias, sem privilegiar experimentação tecnológica. E, num momento em que um dos clichês favoritos é atacar a alienação das elites das costas leste e oeste, vários artistas incluídos na Bienal propuseram engajamento com a cidade. Em Salón-Sala-Salón, o porto-riquenho Chemi Rosado-Seijos instalou arte numa escola pública de Nova York e os alunos da mesma turma vão frequentar uma galeria da Bienal uma vez por semana.

O novo presidente americano tem uma discreta presença explícita na Bienal, mas pode ser detectado no graffiti sobre racismo em Nova Orleans, fotografado por An-Mi Lê, ou na instalação Figure Ground: Beyond the White Field (2017), de Rafa Esparza, no andar térreo do Whitney, que reúne imagens de mexicanos, os vilões da demagogia populista, a Tijolos, uma obra que Esparza criou em colaboração com artistas gays.

Mas esta não é uma Bienal de dogmas ou mensagens didáticas. No primeiro salão, encontramos, numa instalação em larga escala, o trabalho do coletivo Occupy Museums, criado em 2011, quando um parque do sul de Manhattan foi, por dois meses, o acampamento do Occupy Wall Street. A obra, Debtfair, detalha o endividamento de artistas diante de um mercado de arte dominado por fortunas corporativas.

Até na pintura e, sim, há mais pintura do que se espera numa bienal contemporânea, a celebrada artista Dana Shutz oferece indignação: No óleo Open Casket (Caixão Aberto), o rosto do adolescente Emmett Till, um mártir do movimento de direitos civis, linchado em 1955, é composto num súbito relevo de tinta que salta da tela.

Há reflexões sobre autoritarismo em várias mídias. Uma série da californiana Frances Stark, Censorship Now (Censura Já), em gesso, óleo e acrílico, foi inspirada no livro homônimo do músico pós-punk Ian F. Svenonius e explora a ideia de que restrições à livre expressão provocam artistas a assumir seu papel social.

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“Ironia, vá embora,” disse Adam Weinberg, o diretor do museu Whitney, na manhã da prévia da Bienal para a imprensa, a primeira do novo prédio projetado por Renzo Piano e inaugurado em 2014. Cinismo e paródia, ingredientes da cultura popular contemporânea, cedem lugar a um senso de urgência. Sim, apesar da exploração de identidade individual que marcou a era Obama e está presente nas galerias, esta Bienal ocupa com eloquência o conturbado presente da sociedade americana.

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