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Biografia lança luz sobre o intelectual palestino Edward Said

Said viveu entre o Oriente e o Ocidente, e tentou decifrar a relação entre os dois opostos

Por Dwight Garner
Atualização:

O subtítulo do novo livro de Timothy Brennan, Places of Mind: A Life of Edward Said, tem algo de equivocado. A Life implica uma tentativa honesta de retratar alguém - como uma punhalada de modo a marcar uma presença sangrenta na página. Em outras palavras, uma biografia apropriada.

O intelectual palestino Edward Said Foto: Baremboim-Said Foundation

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Em seu prefácio, Brennan se refere ao livro como uma “biografia intelectual”, que é uma coisa sutilmente diferente. Neste caso o resultado é um livro seco, desalentador, que lemos como uma dissertação de um doutorado. Trata-se de uma análise nada inspiradora de programas e textos acadêmicos. O que as letras grandes oferecem, as letras pequenas tiram”,

Não parece justo culpar um autor por não escrever um livro que não pretendia escrever. Mas uma sensação de oportunidade perdida subsiste em Places of Mind. Said (1935-2003) era um ser humano vívido e especialmente complicado, um dos homens mais interessantes e engajados do seu tempo.

Nascido em Jerusalém e educado nos Estados Unidos em escolas da Ivy League, ele foi um polímata elegante entre nossos últimos verdadeiros intelectuais. O livro que o colocou no mapa, Orientalismo (1978) é uma obra fundamental de estudos pós-coloniais.

Veteranos dos anos 1980 e 1990 lembrarão que Said era um ser onipresente. Um porta-voz urbano da causa palestina, ele apareceu em Nightline, Charlie Rose, na BBC, e em todos os lugares onde encontrou espaço.

Said ensinou literatura na universidade de Colúmbia. Suas aulas eram contundentes e eram muitos os alunos que chegavam a ele após a aula para tocá-lo. Ele escreveu para a elite e publicações para a massa. Foi um pianista talentoso que às vezes tocava em público e escreveu críticas de música para The Nation.

Foi presidente da Modern Language Association e teve um papel vital na tradução e publicação nos Estados Unidos de obras do escritor egípcio Naguib Mahfouz, antes de conquistar o Nobel de literatura em 1988.

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O fluxo da personalidade de Said ajudou a torná-lo o que foi. Um homem sedutor, fascinante, que se vestia impecavelmente. “Consegue imaginar um homem ocupado demais para ir ao seu alfaiate?”, disse certa vez.

Mímico talentoso, a impressão era de que havia memorizado toda a série de Monty Python. “Quando ria, era como se entregasse incondicionalmente a algum prazer inconfessável”, disse Christopher Hitchens, referindo-se a ele.

Brennan não evita totalmente os detalhes da vida de Said. Ele é completo, na verdade, quando aborda a infância dele. Mas nos dois terços finais do livro ele se torna mais mesquinho; são reflexões tardias, forçadas.

Brennan é professor de Humanidades na universidade de Minnesota e com frequência escreve sobre literatura comparada e teoria cultural. Seu livro mais recente antes deste foi Borrowed Light: Vico, Hegel and the Colonies (2014).

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Grande parte de Places of Mind é gasta situando Said num firmamento de pensadores que inclui Marx, Freud, Jacques Derrida, Michel Foucault e Noam Chomsky. Esse posicionamento é importante, mas esse invólucro filosófico e psicossociológico encharca o livro.

Brennan parece escrever para outros nos seus campos de expertise e não para um leitor comum ávido e curioso. Uma frase típica é esta: “há poucas dúvidas, porém, de que a visão espacial da música que ele tinha foi influenciada negativamente pelo método Schenkerian”. Este livro não tem apenas nós cegos, mas também zonas mortas.

Ele é tosco em outros aspectos. Sua cronologia é uma confusão. Eventos que parecem importantes - como um “ataque intelectual” que Said sofreu no Skidmore College, são sugeridos, mas não analisados. O autor é um medíocre decifrador da obra de Said.

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A família de Said mudou para o Cairo em 1947 depois de as Nações Unidas dividir Jerusalém em metade judia e metade árabe. A família era cristã. Ele foi batizado na Igreja da Inglaterra. Frequentou escolas de elite. Entre seus colegas estavam o ator Omar Shariff e o futuro rei Hussein da Jordânia, informações que Brennan não colocou no livro.

Em Harvard, Said tentou escrever um romance. Produziu um conto, mas a The New Yorker o rejeitou em 1965 e nos 25 anos seguintes ele não escreveu nada de ficção.

Na universidade de Colúmbia, onde começou a lecionar em 1963, foi o melhor professor que muitos tiveram. Era adepto da educação liberal. Pobres daqueles que estavam mal preparados. Não acreditava em politização em sala de aula. Dava cursos de literatura; era fascinado especialmente por Joseph Conrad. O exílio era algo que fazia parte integrante do seu ser, mas nunca deu uma palestra sobre o Oriente Médio.

Said foi membro, de 1977 a 1991, do Conselho Nacional Palestino, um parlamento no exílio. Foi assediado porque, dentro da OLP - Organização de Libertação da Palestina - era muito próximo de Yasser Arafat,até os dois se separarem após os Acordos de Paz de Oslo.

Salman Rushdie, em seu livro de memórias, Joseph Anton (2012) fala da hipocondria de Said, escrevendo que “Se Edward tinha uma tosse ele achava que era o começo de uma bronquite grave e se sentia uma pontada tinha certeza de que estava tendo uma apendicite”.

Em 1991, ele soube que tinha uma leucemia linfoide crônica, que o mataria 12 anos depois. Mas viveu o bastante para se insurgir contra o Patriot Act, lei votada após os atentados de 11 de setembro de 2001, que qualificou como “a israelização da política dos Estados Unidos”.

Tanta coisa boa foi escrita sobre o pensamento e a vida de Edward Said - no livro de Rushdie, no de Christopher Hitchens, Hitch-22, em ensaios de amigos e colegas, como Tony Judt, Michael Wood e Tariq Ali, entre outros, que talvez minhas expectativas com relação a Places of Mind foram simplesmente demasiado altas.

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Tradução de Terezinha Martino

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