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Brotoejas digitais

Para a ação de falsários, manifestação de revoltas ou manipulação da história, não há lugar melhor do que a internet

Por Sérgio Augusto
Atualização:

Uma semana para entrar para a história da internet. Osama bin Laden, Renan Calheiros, Britney Spears e Adam Vitale que o digam. Todos ficaram sabendo do quanto a web é capaz. Osama e a Al-Qaeda foram furados por uma web designer caseira da Carolina do Sul. O indulto ao "presidente" do nosso "Senado" provocou tamanha avalanche de indignados e-mails na mídia e no próprio Congresso, a ponto de pôr em dúvida o futuro das passeatas como meio mais eficaz de pressão política. Graças à internet, o mundo inteiro pôde ver a reentrée de Britney Spears, num show da MTV em Las Vegas, e submetê-la a uma blitzkrieg de críticas, deboches e insultos, em blogs e e-mails. Adam Vitale pagou caro por seus atos de delinqüência na grande infovia. Na manhã de 11 de setembro, uma cinqüentona que se identifica como Laura Manfield e há cinco anos se compraz em vazar os vídeos da Al-Qaeda divulgou com várias horas de antecedência as últimas ameaças de Bin Laden. No dia 7, as primeiras imagens do líder terrorista tornadas públicas desde 2004 ganharam o mundo 24 horas antes do estipulado pela Al-Qaeda, por obra dos hackers do SITE Institute, ao mesmo tempo em que diversos sites jihadistas saíam do ar torpedeados por um cyberataque de guerrilheiros eletrônicos que, a exemplo de Mansfield e do SITE Institute, dedicam-se, no melhor espírito ONG, a uma obsessiva perseguição ao terrorismo islâmico. Se a internet deu maior visibilidade a Bin Laden na América, também é certo que ele e a Al-Qaeda não mais detêm o controle de quando, como e onde suas imagens e palavras serão divulgadas. Sim, existem hackers do bem. Regenerados ou não, é com eles que a polícia conta para violar o sistema de computadores de mensaleiros e mafiosos que tais. Adam Vitale, por exemplo, é um hacker do mal. Ou, mais especificamente, um spammer: um hacker especializado em espalhar spam-mails (lixo eletrônico, mensagens não solicitadas) por milhões de endereços eletrônicos. O que ele ganha com isso? Muito, mas muito mais do que a glória narcisista buscada pelos grafiteiros. Ele e seu comparsa, Todd Moeller, faturaram milhares de dólares lubibriando assinantes da American Online (AOL), dois anos atrás. Tantos engabelaram que a AOL quase se viu na contingência de alterar o seu tradicional aviso de chegada de mensagem ("You''''ve got mail!") para "You''''ve got spam-mail!". Se o vírus é a gripe e, em alguns casos, o câncer digital, o spam é a brotoeja da internet. Degenerados homeopatas, adeptos do princípio "similia similibus destructur", Vitale e Moeller se utilizaram do próprio programa da AOL destinado a bloquear spam-mails para espalhar os seus. Semelhantes inundações de falsos e-mails partiram, há menos de três meses, dos laboratórios Pfizer, entupindo 2500 caixas de correio eletrônico com propaganda de Viagra, soporíferos e drogas para aumentar o pênis. O Bank of America e a Toshiba também foram vítimas do mesmo golpe. Vitale é o mais famoso, se não o maior, spammer do mundo. Tem 26 anos, mora em Nova York, assumiu seu crime em junho e iria conhecer sua sentença na quinta-feira, mas até o final da tarde de sexta nem a Reuters, que acompanhava o caso de perto, noticiou o veredito. A pena prevista era de 11 anos, mais uma multa de US$ 250 mil. Há quem considere a pena excessiva, sendo que nós, brasileiros, em vista do que aqui tem acontecido, não temos autoridade moral para palpitar sobre tão calheiro assunto. Devemos, humildemente, nos ater a instalar em nossos computadores um poderoso programa de proteção contra spams, como o Mail Washer Pro, que há anos só me traz felicidades, e torcer para que a punição a Vitale e Moeller sirva de exemplo regenerador, inibindo ou convertendo para o bem hackers e spammers de todas as latitudes. Os leitores do New York Times deram várias sugestões de punição a Vitale: castrá-lo, a mais rigorosa; 200 anos de prisão com direito a cumprir só metade da pena por bom comportamento; encher sua caixa postal com mil e-mails, um dos quais com os dizeres "Você está solto", que, se sorteado por ele, o devolveria à liberdade. Um leitor propôs que o presidente Bush, por uma questão de justiça, indultasse Vitale, como fez com Scotty Libby, o ex-chefe de gabinete do vice Dick Cheney. Além de não caber ao presidente tamanho privilégio, a Casa Branca está metida, há 11 dias, num processo que lhe move o Arquivo de Segurança Nacional, pela destruição de mais de 5 milhões de e-mails, enviados e recebidos entre março de 2003 e outubro de 2005, justo o período que vai da invasão do Iraque ao furacão Katrina. O NSA (sigla em inglês do Arquivo) acusa o governo de haver desrespeitado a lei e apagado a história. Talvez só mesmo um hacker possa recuperar essa documentação. Desde que, é claro, os tecnolarápios não tenham incinerado os softwares e hardwares envolvidos. Segundo um funcionário da Casa Branca, as mensagens apagadas o foram casualmente. Já vimos esse filme. No Salão Oval estava um sujeito chamado Richard Nixon, e apagando, "sem querer", o trecho de uma fita que o deixava muito mal no Caso Watergate, a secretária particular da presidência, Rose Mary Woods. Embora do governo Bush todo tipo de fraude possa ser esperado, não se deve descartar a hipótese do acaso ou, mesmo, de uma pifada nos computadores da Casa Branca. Cheguei a esta cândida conjetura depois de ler uma reportagem sobre a relativa desimportância dos hackers, no New York Times de quarta passada. Perigos maiores que hackers, cyberpunks, spammers e outros maliciosos meliantes eletrônicos afetam o universo digital. Uma falha de energia em escala nacional, a corrupção dos dados de um programa ou arquivo, danos físicos em hardwares - esses imprevistos podem derrubar, como já derrubaram, serviços de embarques e desembarques em aeroportos e de telefonia eletrônica, como os da Skype. "Nossos maiores problemas, hoje em dia, nada têm a ver com ataques maliciosos, mas com coisas materiais que, afinal de contas, enguiçam. E os sistemas complexos enguiçam de maneira complexa." O alerta é do professor Steve M. Bellovin, da Universidade de Columbia. Como os chineses andam fabricando boa parte dos aparelhos eletrônicos, receio que ainda venhamos a sentir saudades de Adam Vitale e seus colegas de ofício. Ah, sim, Britney. Expôs-se mais uma vez. Com um show patético, repercutido pelo YouTube e pichado por toda a crítica e todos os blogs, exceto um: o de Chris Crocker, andrógino tiete de 19 anos, que, furioso com a pixação geral à sua deusa, deu um raro espetáculo de histeria e ridículo na internet, disponível no seguinte endereço: http://machinist.salon.com/blog/2007/09/12/chris_crocker/index.html?source=newsletter .

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