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Bush foi o pior? Depende

Na história recente ele é imbatível. Recuando, a competição endurece

Por Simon Tisdall e The Guardian
Atualização:

O jornalista de Bagdá que enviou a George Bush um "beijo de adeus do povo iraquiano" com uma sapatada contra o presidente provavelmente falou em nome de muita gente do mundo árabe, onde o líder americano é amplamente detestado. Esse incidente extraordinário reforça uma pergunta de caráter mais amplo que vem sendo feita, com o presidente chegando ao final dos seus oito anos no cargo: Bush terá sido o pior presidente da história dos Estados Unidos? Qualquer resposta objetiva vai depender muito de como se definir "o pior da história". As pesquisas de opinião feitas com eleitores americanos desde que Bush chegou à Casa Branca em 2001 são influenciadas pelo fato de que as pessoas tiveram uma experiência em tempo real com ele. Elas não tiveram uma exposição similar a, digamos, o proprietário de escravos Thomas Jefferson ou o general da Guerra Civil Ulysses Grant. Resolutos, os entrevistados numa pesquisa Rasmussen em 2007 julgaram com severidade seu atual líder. Como é habitual em pesquisas mais contemporâneas, George Washington, Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt são classificados entre os melhores presidentes que o país já teve. Apenas dois presidentes receberam opiniões desfavoráveis pela maioria dos inquiridos: para 60% deles, Richard Nixon foi um mau presidente e 66% acharam que ele foi ainda pior do que Bush. Num estudo feito pela Universidade Quinnipac em 2006, os eleitores tinham que responder à pergunta: "Quais destes 11 presidentes, desde 1945, você consideraria o pior : Harry Truman, Dwight Eisenhower, John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan, George Bush, pai, Bill Clinton e George W. Bush?" George W. Bush "venceu" incontestavelmente, escolhido por 34% dos entrevistados como o pior presidente, seguido por Richard Nixon (17%) e Clinton (16%). E o resultado foi mais favorável a Bush do que o de pesquisas mais recentes. Na pesquisa da CNN realizada no mês passado, 76% dos inquiridos consideraram Bush desfavoravelmente - o mais alto índice de rejeição desde que as pesquisas começaram, 60 anos atrás. Bush também obtém maus resultados nas pesquisas com historiadores e acadêmicos americanos (que supostamente são mais instruídos e objetivos). Mas essas pesquisas revelam também uma certa competição, dura, embora pouco clara, pelo título de "o pior da história". O pouco lembrado Franklin Pierce, presidente de 1853 a 1857, foi punido por ter expandido a escravidão no oeste do país e, em conseqüência, tornado a Guerra Civil americana mais provável. Um outro presidente, anterior à Guerra Civil, James Buchanan, também foi castigado por não conseguir evitar a secessão do sul. A passagem de Warren Hardings pela Casa Branca, de 1921 a 1923, foi marcada por notórios escândalos e renúncias. Diz-se que no seu governo os EUA regrediram para um período de isolacionismo, nativismo e recessão que culminou com a quebra de Wall Street. Ainda mais inúteis do que Bush, num sentido existencial, foram William Henry Harrison e James Garfield. Ambos morreram com menos de seis meses no cargo. Mas os dados das pesquisas não são o único, talvez nem o melhor meio de julgar o desempenho de um presidente. Presidentes, obviamente, podem ser ao mesmo tempo "bons" e "maus". Nixon é um exemplo. Ele é vilipendiado por sua relação com Watergate. Mas também é lembrado por ter posto fim à Guerra do Vietnã, iniciado relações com a China comunista e procurado uma distensão com a União Soviética. Além disso, também existem parâmetros específicos. Se o principal dever de um presidente, como comandante-chefe dos Estados Unidos, é proteger o povo americano de ataques homicidas de inimigos estrangeiros, então Bush claramente fracassou em 11 de setembro de 2001. Falhou ao não perceber a chegada da Al-Qaeda e, lamentavelmente, não conseguiu deter os terroristas. Mas, em grande parte, isso também pode ser dito no caso de um presidente muito admirado, Franklin Roosevelt, pego de surpresa pelos japoneses em Pearl Harbor, em 1941. Alguns sustentam que a principal tarefa do presidente é garantir e fortalecer o bem-estar econômico da nação e a prosperidade de um modo geral. O aperto de crédito produzido nos EUA e a crise global que se seguiu apontam Bush como o maior trapalhão incompetente de todos os tempos. Mas isso é ignorar a desastrada contribuição de Herbert Hoover, presidente de 1929 a 1933, e um dos principais autores, segundo alguns, da Grande Depressão. Quando Hoover deixou o cargo, 25% dos americanos estavam desempregados e centenas de milhares viviam em favelas nas cidades, as chamadas Hoovervilles. Os americanos não podiam nem tomar um drinque para esquecer suas mazelas, por causa da Lei Seca. Como Bush, dizem que Hoover ficou deprimido. Entrar numa sala em que ele estivesse, disse um contemporâneo, era como entrar numa garrafa de tinta preta. Bush não conseguiu vencer, nem mesmo concluir, as guerras que começou, no Afeganistão e no Iraque, além da guerra mais ampla "contra o terror". Mas isso também vale para Johnson e Kennedy. E, ao contrário do Iraque, a desventura dos dois no Vietnã quase dilacerou a América. Mesmo o santificado Abe Lincoln, quando no comando, levou adiante implacavelmente uma guerra civil que matou mais americanos (quase 700 mil) do que qualquer outra guerra, anterior ou posterior. Se o presidente dos Estados Unidos deve ser visto como uma figura de autoridade moral, incorporando os valores e as crenças do país, então o comportamento pessoal de Bush tem sido exemplar se comparado ao de muitos ex-titulares do cargo, especialmente seu predecessor imediato, Bill Clinton. Diante de tudo isso, é provável que haverá uma concordância geral, exceto por um grupo cabeça-dura de republicanos conservadores que o consideram maravilhoso, de que Bush foi um presidente bastante medíocre, possivelmente o pior de que se tem memória. Mas, quando se lembra do que outros líderes americanos fizeram, remontando aos pais fundadores da nação, é preciso cautela. O comportamento traiçoeiro desses antigos líderes, sua promoção da escravidão, o genocídio dos indígenas americanos, suas aventuras imperialistas no México, Filipinas, Cuba, China e outros lugares abriram precedentes estarrecedores. Apesar de tudo de admirável e honroso que os Estados Unidos e seus líderes realizaram, Bush é, ao mesmo tempo, herdeiro e produto da sua herança maculada. Inevitavelmente, Barack Obama também o é.

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