Cão sommelier

Olfato apurado lhe rendeu condecoração, diploma e um elogio: ‘Esse Bruno é muito gente boa’

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Por André de Oliveira
Atualização:

Experiente, concentrado, tranquilo. Quando o assunto é trabalho, esses são só alguns dos adjetivos usados para descrever as qualidades do agente Bruno. Nas missões de busca e resgate, ele é o mais gabaritado e bem disposto, não há quem supere. É um servidor e-xem-plar. Na juventude, treinava quatro dias por semana. Hoje, só aos domingos, só que em treinamentos mais rigorosos e extensos. Para ele, missão dada é missão cumprida. Pouco importa o soldo. A satisfação do sucesso basta. E quanto mais duro o trabalho, mais o Bruno gosta.

Medalha: trabalho também dignifica o cachorro? Foto: ANDRÉ BUENO/CMS

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Os olhos avermelhados, sonolentos, envoltos por negras olheiras podem dar a sensação de cansaço, fastio, desinteresse. O corpanzil meio paquidérmico, um ar macambúzio e as bochechas flácidas ajudam a constituir essa primeira impressão de alguém meio preguiçoso. Nada disso. Trabalho é com o Bruno. Sempre quieto, pronto para o dever e nada de reclamações. Um funcionário padrão. Mas se tem uma coisa que incomoda o agente Bruno é perder os treinos em que seus treinadores escondem alguém na cidade e ele tem que se virar para encontrar. Quando dá disso acontecer, é angústia na certa.

A disposição do Bruno, aos - vejamos, 8 vezes 7 - 56 anos é de espantar. Não à toa, na noite de terça-feira a Câmara dos Vereadores de São Paulo parou para homenagear os serviços prestados por esse agente modelo. Com a presença dos supervisores de sua carreira, jornalistas, parlamentares e policiais, foi um rebuliço só. O Bruno, tão acostumado à labuta cotidiana, avesso a prêmios, pareceu meio sem jeito quando entrou na edição noturna do SPTV, da TV Globo, que noticiou tudo ao vivo. Preferiu não dar entrevistas, porque seu nome é trabalho e não marketing. Então, só passou com seu jeitão tranquilo rumo ao palco e ali recebeu uma medalha e um diploma “pelo relevante trabalho em prol da cinofilia brasileira” das mãos do vereador Nelo Rodolfo (PMDB), que resumiu: “Esse Bruno é muito gente boa”.

A ideia de condecorar o Bruno não é de hoje. O vereador já tencionava chamar a atenção para a categoria do agente e de seus treinadores, mas a participação definitiva que ele teve ao desvendar o caso do sumiço do empresário americano David Benjamin Sommer, 50 anos, era o que faltava para a homenagem sair da lista de intenções. Em janeiro, Sommer foi declarado desaparecido após ter sido visto pela última vez entrando em um prostíbulo no centro de São Paulo. Como, a partir daí, não se achavam mais informações do paradeiro do homem, a Polícia Civil resolveu convocar o agente especial.

Usando sua principal habilidade, um espantoso olfato que acabou por transformá-lo em uma espécie de sommelier de cheiros humanos - não há um só homem ou mulher que ele não reconheça com uma fungada -, o Bruno foi Bruno. Cheirou, cheirou e cheirou até que não restasse mais dúvida: o sangue de Sommer havia sido derrubado naquele lugar. Até agora não se sabe se genuinamente arrependido ou se assombrado com o dom do Bruno, o fato é que Allison Gonçalves Canuto, funcionário do local, admitiu que assassinou o americano depois de flagrá-lo assediando sua namorada, que também trabalhava por lá. 

O dom do agente, apesar de único, não tem nada de sobrenatural. Há companheiros seus especializados no cheiro de armas, de entorpecentes e até mesmo de gente morta. Eles encontram de tudo. A especialidade do Bruno, no entanto, é apenas uma: buscar pessoas desaparecidas. Já saiu no encalço de criminosos, crianças extraviadas e velhinhos perdidos. Nem mesmo uma Avenida Paulista - cheia de odores e influências que podem dispersar os cheiros, como vento, chuva e sol - é páreo para ele. Até 48 horas depois de sumida a pessoa, é possível encontrar seu rastro com apenas um par de aspiradas. O melhor: perdeu alguém e quer ajuda? Basta procurar a K9, ONG na qual o Bruno é uma das estrelas.

São anos e anos colocando o narigão a serviço da sociedade e, até o momento, não se tem notícia de que Bruno tenha esperneado um dia sequer. Ele nunca fez greve, piquete e jamais deu bola para esse negócio de salário (desde o início, tem trabalhado voluntariamente por princípio). Já fez missões que lhe exigiram mais de 10 horas de buscas à base de água e, apesar dos planos de seus treinadores, não pensa em aposentadoria tão cedo. Portanto, tá pouco ligando pro fator previdenciário, pra terceirização e pro ajuste fiscal. Apesar de ser da linhagem belga bloodhound, Bruno é brasileiro. E sabe de tudo o que se aprende desde cedo por aqui: que o trabalho dignifica o homem, que Deus ajuda a quem cedo madruga, essas coisas. Bom... saber é força de expressão. Au, au!

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