PUBLICIDADE

'Católicos decidirão eleições nos EUA'

Papa defende nova maneira de ver a imigração e proibirá bispos de interferir no pleito, diz analista

Por
Atualização:

Em sua visita aos EUA, essa semana, Bento XVI trouxe algo de novo para a política americana: uma maneira diferente de encarar o problema da imigração ilegal. É um dos temas mais controversos da atual eleição e separa profundamente os dois partidos. Num país em que, não raro, o pai tem a documentação em dia, o filho é cidadão e a mãe é ilegal, o papa sugere que a prioridade deva ser uma lei que não separe famílias. Com esse argumento, até evangélicos mais conservadores são capazes de concordar. A opinião é de Michael Sean Winters, consultor ligado ao Partido Democrata e autor de Left at the Altar (Deixados no Altar), livro que analisa a relação dos dois partidos dos EUA com a Igreja Católica, que será lançado em junho. Para ele, a atenção da imprensa ainda está voltada para o pedido de desculpas de Bento XVI pelos muitos episódios de pedofilia e pela maneira desastrada como a Igreja reagiu a eles. Entre os profissionais da política, no entanto, a atenção às palavras e indicações do papa é muito mais profunda. O país pode ser protestante, mas lá vive a terceira maior comunidade católica do mundo, após as de Brasil e México. O típico eleitor católico não é fiel a nenhum dos partidos. Na última eleição, em 2004, se os católicos tivessem votado em John Kerry, como votaram em Bill Clinton, Bush teria perdido. Mas, naquele ano, a Igreja interferiu e vetou o candidato democrata. É outro sinal sutil, de acordo com Winters, um recado que poucos perceberam que Bento XVI mandou aos bispos americanos: desta vez, interferência na eleição não será tolerada. Principais pontos da conversa com o Aliás: Família e imigração "Aquilo de mais importante que Bento XVI apresentou aos EUA é um novo ângulo para encararmos o problema da imigração ilegal. Nos últimos anos, o tema vem sendo dominado por uma linha de argumentação que se concentra na segurança de fronteiras. John McCain, que era moderado na questão, teve que endurecer o discurso para agradar ao lado mais conservador do Partido Republicano. Os democratas fogem do assunto porque temem alienar um bom grupo de eleitores caso defendam mais abertura na imigração. Então o papa vem e diz que a prioridade quando se discute imigração é que não devemos separar famílias. Essa é uma idéia forte. O argumento pela preservação da família é algo que os evangélicos, que são a maioria da população nos EUA, compreendem. Bush tentou passar no Congresso uma reforma da legislação migratória e fracassou. Se tivesse argumentado que o objetivo era manter famílias unidas, seria mais palatável. Se McCain falasse de famílias há um ano, teria um forte argumento para essa eleição. Hoje, esse viés que o papa apresenta beneficia os democratas, que têm dificuldades de se posicionar perante o tema. Para um candidato como Barack Obama, que faz uma campanha por mudança, que busca uma nova maneira de encarar velhos problemas, é particularmente eficaz. A imagem do papa "Os americanos ainda não conhecem este papa. João Paulo II encantava pelo seu carisma. Bento XVI nos convida a ponderar sobre suas palavras. Houve alguns protestos por conta de um anti-catolicismo tradicional dos EUA, mas em geral havia multidões entusiasmadas para encontrá-lo. Todos prestam atenção a uma visita como essa. A imagem do papa está na capa de todos os jornais. Para muitos, ele é apenas mais uma celebridade midiática. Poderia ser Madonna, a cantora. Mas, para os católicos, ele é o sucessor de São Pedro. Muitos de meus conterrâneos não compreendem a importância do papa para nós, católicos. A nossa é uma religião com símbolos muito concretos. Nossos rituais repetem os atos de Jesus. Quando dizemos que o papa é o sucessor de Pedro, isso quer dizer que ele sucede o homem que era, concretamente, o melhor amigo de Jesus. Essa é sua importância. Eleitores-chave "O papa é contra o aborto e contra a guerra no Iraque. Seu discurso não se encaixa perfeitamente nem no dos republicanos, que defendem a guerra, nem no dos democratas, que costumam ser favoráveis ao aborto. A direita vai prestar atenção naquilo que lhe interessa do que o papa diz e a esquerda fará o mesmo. Quem é realmente importante, do ponto de vista eleitoral, são aqueles que não se alinham automaticamente nem com um lado e nem com o outro. Aqueles que não gostam da idéia de aborto mas, em caso de estupro, consideram que é adequado; os que são contra a guerra mas crêem que os EUA não devem deixar o Iraque às pressas porque o resultado será o caos. Esses eleitores decidirão quem será o presidente. Os católicos na eleição "Os católicos americanos têm, por um lado, origem italiana, irlandesa e polonesa; e, por outro, mexicana e centro-americana. Não são comprometidos. Votaram em Ronald Reagan, que era republicano, e em Bill Clinton, democrata. Nas eleições de 2000, preferiram Al Gore. Mas, no pleito seguinte, votaram em Bush. Se Kerry tivesse vencido entre os católicos, ele teria sido eleito ao invés de Bush. Eles também se concentram, geograficamente, em estados que oscilam entre um partido e outro, como a Pensilvânia, Ohio e Flórida. Ou seja: são eleitores que ambos os partidos estão disputando nos estados que costumam definir a eleição presidencial. Os católicos estão entre os poucos que decidirão o pleito. A igreja na política "Em 2004, alguns bispos conservadores negaram ao candidato democrata John Kerry, que é católico, a comunhão. A Igreja interferiu na maneira como os católicos votaram. Mas agora o papa reza uma missa em solo americano e oferece comunhão a Kerry, à presidente da Câmara Nancy Pelosi, para todos os católicos. Se Obama e Hillary escolherem um vice católico nessa eleição, nenhum bispo poderá ameaçá-los por serem a favor do aborto, por exemplo."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.