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Cena londrina de jazz é renovada por novos grupos e espaços

Escolas que oferecem cursos gratuitos e novas casas de shows reavivam o interesse dos jovens pelo jazz em Londres

Por Late Hutchinson
Atualização:

LONDRES – Num arco ferroviário transformado ao sul do Rio Tâmisa, uma pequena aglomeração se formou diante de um trio que tocava como se fosse um show de punk. Outros músicos se juntaram esperando a sua vez de se apresentar. A pianista Sarah Tandy e a saxofonista Nubya Garcia saltavam num sofá procurando uma melhor visão do show. Sheila Maurice Grey fez um solo de tirar o fôlego com seu trompete. E quando o Ezra Collective, uma banda de cinco músicos, se apresentava, o suor escorria pelas paredes de metal ondulado.

O Ezra Collective se apresenta na noite de improviso do Steam Down Foto: Andrew Testa/The New Yorkt Times

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Toda semana é a mesma coisa. De dia o local é um café, mas às quartas-feiras abriga a noite mais quente de jazz improvisado na cidade: desde março o Steam Down se tornou o centro da florescente cena de jazz da cidade, cujos músicos vêm dando nova vida ao gênero. Estrelas convidadas, como o saxofonista americano Kamasi Washington, participam das jam sessions quando estão em tournée, e DJs londrinos, âncoras de rádio e aficionados aparecem por lá.

“Nunca vi tanta energia numa apresentação ao vivo”, disse Garcia sobre a primeira vez que veio ao Steam Down. O fundador da casa, Wayne Francis, disse que a percepção do jazz pelo público é errada. “A música de jazz não tem de ser música que deixa as pessoas com aquele ar de indiferença”.

Em Londres uma nova geração contradiz a reputação do jazz como música refinada aperfeiçoada nos conservatórios, feita por músicos de meia idade para um público rico e bem situado. E surgiu um ambiente de artistas muito unidos nos seus 20 a 30 anos, fomentado por uma infraestrutura popular compreendendo shows noturnos, exibição de músicos de talento, emissoras de rádio online e selos independentes. 

A sua popularidade aumentou particularmente entre os jovens fãs de música e se reflete nos inúmeros shows programados para os festivais de música de verão em Londres, fora do domínio tradicional do jazz, como também dados dos serviços de streaming. Em julho, por exemplo, o Spotify informou à BBC que o número de ouvintes da sua lista de músicas do seu Jazz UK com menos de 30 anos de idade mais do que dobrou.

“Os jovens adoram porque não é um jazz cerebral, intelectual. Ele começou nos pubs e clubes”, afirma Dylan Jones, que toca no Ezra Collective.

A banda é um dos grupos mais animados entre os que surgiram nesse renascimento do jazz em Londres, formada por Jones no trumpete, os irmãos T.J. e Femi Koeoso no contrabaixo e bateria, o pianista Joe Armon-Jones e James Mollison no saxofone. Em uma entrevista, Femi Koleoso brincou que o fato de o Ezra Collective contar com dois músicos negros, dois brancos e um mestiço no grupo parece um grupo de garotos inventado na sala do executivo de uma gravadora.

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Mas o Ezra Collective é tudo menos um conjunto criado calculadamente. Desde que se formou, em 2012, ele angariou uma base de fãs entusiasmados sem nenhuma gravadora importante o apoiando. No próximo mês, fará seu maior show até agora, tocando para mais de mil pessoas no Koko, um local de concertos de Londres.

Em uma entrevista no apartamento de Femi Koleoso, no sul da cidade, ele e seu irmão explicaram que no início fazer uma carreira no campo do jazz era algo impensável para eles. “Eu considerava o jazz uma música de elite e que não teria acesso a ela. Era como tocar violino ou montar a cavalo.”

Os irmãos tocavam em uma banda da igreja quando ouviram falar de um programa chamado Tomorrow’s Warriors, um “clube jovem para música de jazz”. O Tomorrow’s Warriors, fundado em 1991, oferece aulas “para músicos que não podiam pagar um curso particular, com um foco especial em jovens da diáspora africana e nas meninas”, segundo o seu website.

Essa e outras organizações sem fins lucrativos similares de Londres, como o Kinetika Bloco, tem ajudado a trazer novos talentos para o jazz e fomentado nomes que surgiram, incluindo Garcia e Shabaka Hutchings, que também toca saxofone. A banda de Hutchings, Sons of Kemet, recentemente foi indicada para o Mercury Music Prize.

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Os irmãos Koleoso também encontraram os demais integrantes do Ezra Collective na Tomorrow’s Warriors. Os alunos formaram uma rede multiétnica de artistas para quem a colaboração é essencial e se revezam em uma e outra banda.

Femi conta que as pessoas comumente acham que os músicos de jazz são brancos, não negros e nem mulheres, mas em Londres essa imagem está mudando e refletindo a diversidade da cidade.

O novo jazz adiciona outros estilos populares de música black na cidade, desde os sons caribenhos e africanos como calipso, dub, afrobeat – aos sons populares na vida noturna londrina, como jungle (gênero de música eletrônica) e o Grime. 

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T.J. acredita que os músicos londrinos estão repercutindo porque há uma empatia. “Existe uma frase que diz ‘o verdadeiro conhece o verdadeiro’. Quando uma pessoa é autêntica você a respeita, porque elas pelo menos não fingem.’”

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Seu irmão disse que os garotos em Londres se sentem sub-representados quando veem um pop star. E acrescentou que “eles não sentem nenhuma afinidade com pessoas que surgiram do nada e são colocadas num pedestal”. Femi disse estar otimista de que o crescente sucesso desse novo ambiente musical irá criar uma nova imagem dos jovens, especialmente dos jovens negros. Segundo ele, as únicas histórias sobre eles vistas nos jornais estão relacionadas com crime. “É preciso deixar claro que nem todos os negros são ladrões e assaltantes. E nem todos os jovens londrinos são pessoas negativas”, afirmou. 

No Steam Down, o proprietário Wayne Francis, ao microfone, anunciou que racismo e sexismo não seriam tolerados no local, e depois pediu ao público para desligar seus celulares e se concentrar na música. E foi impossível ignorar o Ezra Collective no palco, e o frenesi dos músicos como se em uma festa na faculdade durante o cover de uma música adorada pelos britânicos chamada Sweet Like Chocolate. A vibração no local, como disse um cliente, era de uma rave. Do lado de fora, depois do show, os músicos e freqüentadores fumavam e conversavam, um contato relaxado entre a banda e seus fãs. “Há um sentido de comunidade, uma sensação de ser aceito quando você gosta desta música.” / Tradução de Terezinha Martino 

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