
04 de maio de 2019 | 16h00
A ascensão de (neo) populistas e a crise da democracia representativa têm sido temas constantes de diversos livros publicados, sobretudo, após 2016, ano que Donald Trump se elegeu presidente dos Estados Unidos. A principal virtude de O Povo contra a Democracia, nova obra do professor da Universidade Johns Hopkins Yascha Mounk, é explicar, em uma linguagem clara e direta, as raízes deste fenômeno, mesclando conceitos teóricos, pesquisas quantitativas e um olhar de repórter, ao descrever movimentos que aconteciam nas ruas.
No livro, Mounk relata, por exemplo, o que viu em uma manifestação no centro de Dresden, na Alemanha: o ódio à imigração, às minorias e à imprensa. ‘Wir sind das Volk’: ‘Nós (e não os estrangeiros) somos o povo’, gritava a multidão. O ano era 2015. “Nos meses subsequentes aos protestos, quando populistas autoritários arrebentavam os holofotes por toda a Europa e os Estados Unidos elegeram Donald Trump, minhas experiências naquela noite gelada não paravam de me voltar à mente”, escreveu ele, que é alemão, mas doutorou-se em Harvard (EUA), onde também foi professor e deu aulas que discutiam a democracia na era digital.
Depois de quase três anos da eleição de Trump, fica cada vez mais claro que a onda populista que levou o empresário à Casa Branca não foi ato isolado, como afirma o próprio autor. Esse movimento pendular foi responsável pelo malsucedido Brexit no Reino Unido e pela ascensão da extrema-direita em diversos países europeus, entre eles França, Alemanha, Espanha, Itália, Áustria, Hungria e Polônia. E tem conexão com a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, que, ainda que içado pelo antipetismo, venceu a disputa com discurso antissistema.
No entanto, da América à Europa, há diferenças importantes entre cada um desses países – e o autor não as ignora. Mas, apesar das especificidades de cada nação, é possível traçar um quadro geral que explique o ressurgimento de forças populistas? Para Mounk, sim. Ele concentra parte do livro para analisar três razões que, segundo ele, estão por de trás desse fenômeno: 1) estagnação econômica, desilusão com o futuro e incerteza (efeitos da crise de 2008); 2) surgimento das mídias sociais; 3) uma revolta contra o pluralismo étnico, o que gera discurso anti-imigração. “(...) Como o populismo é um fenômeno global, devemos procurar causas comuns à maioria dos países onde o populismo se espalhou nos últimos anos.” Segundo ele, não existe uma resposta “monocausal” – ou seja: só a crise econômica global, como muitos sustentam, não explica o recrudescimento do populismo em sua totalidade.
Analisar o impacto das redes sociais na disseminação do discurso de ódio (seja contra imigração, a imprensa ou instituições) e associá-lo, em parte, ao fenômeno do populismo é outro mérito do livro. Trata-se de lançar um olhar crítico ao potencial destrutivo que a internet tem. “Em anos recentes, foram os populistas que exploram melhor a nova tecnologia para solapar os elementos básicos da democracia liberal. Desimpedidos das coibições do antigo sistema, eles estão preparados para fazer tudo o que for necessário para serem eleitos – mentir, confundir e incitar o ódio contra demais cidadãos”, escreveu.
A tecnologia, bem observa Mounk, diminuiu o abismo entre a classe política tradicional e os outsiders e candidatos antissistema – as eleições de Trump e de Bolsonaro corroboram esta visão. Ambos enaltecem a comunicação direta com o eleitor ou cidadão, não à toa são críticos da imprensa profissional e livre e atacam as instituições, comportamento padrão de líderes populistas (de direita e de esquerda).
Ainda que aponte soluções de como países e sociedades podem se contrapor e resistir ao poder de líderes autoritários, o trabalho de Mounk leva o leitor a um cenário um tanto desolador, que é o da crise da democracia liberal (e, por liberal, o autor entende por aqueles que defendem valores como liberdade de expressão, separação de poderes e proteção de direitos individuais). O alerta que ele faz ao longo da obra é que, uma vez no poder, populistas podem abalar estruturas da democracia liberal: minando a imprensa, suprimindo direitos individuais e acabando com o pilar da separação de poderes (como, por exemplo, mudando regras para indicação ou escolha de ministro da Suprema Corte) – casos como o da Hungria, de Viktor Orban, da Turquia, de Recep Tayyip Erdogan, ou da Venezuela chavista. Caminharíamos, sugere o autor, para dois cenários: democracia iliberal (democracia sem direitos) e liberalismo antidemocrático (direitos sem democracia).
O Povo contra a Democracia foi publicado nos Estados Unidos em 2018, antes da eleição de Jair Bolsonaro e López Obrador, populista de esquerda que assumiu a presidência do México. Mounk, que escreveu um breve prefácio à edição brasileira, lançada neste mês, compara a campanha do presidente eleito do Brasil com a de Donald Trump e afirma que Bolsonaro é “o mais poderoso adversário que a democracia brasileira tem em meio século”. E manda um recado que pode ser útil ao País e a outras nações: populistas são sempre “subestimados” e não se percebe sua “astúcia” enquanto se discutem suas “bravatas”. “Não se menospreza essas pessoas”, afirma Mounk.
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