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Cinco mitos sobre a recessão

Ao contrário do que se acredita, nem o mercado acionário necessariamente despenca nem a saúde das pessoas piora durante fases ruins da economia

Por Kevin A. Hassett
Atualização:

Quando o historiador escocês Thomas Carlyle chamou a economia de "ciência imprecisa", em 1849, ele lhe deu um nome que seria consagrado pelo tempo. (Alguns dizem que Carlyle gostava de maldizer em primeiro lugar os economistas porque, como a maioria dos escoceses de então, o historiador jamais visitara um dentista.) Felizmente para os economistas, 1849 foi um ano excelente. Se Thomas Carlyle tivesse visto como os profissionais da economia se comportam durante recessões, provavelmente teria apelidado seu objeto de algo muito pior. Economistas têm os mesmos problemas profissionais que treinadores de futebol: qualquer pessoa na rua conhece o trabalho deles melhor que eles próprios. E se você ouviu as conversas na Casa Branca e no Congresso americano sobre o pacote de estímulo à economia, para não mencionar o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), Ben Bernanke, poderia ser perdoado por pensar que a recessão está logo ali virando a esquina. Mas, o principal resultado de todo esse falatório é que muitos mitos sobre recessões chegaram à cultura popular. Vamos a eles: 1. Os EUA já estão em recessão Na verdade, ninguém sabe. A responsabilidade por declarar os estágios do ciclo de negócios cabe informalmente a uma comissão de economistas, e não pode haver piores encarregados. A comissão que estuda o tal ciclo de negócios no Departamento Nacional de Pesquisas Econômicas (NBER, na sigla em inglês) usa alguns indicadores, incluindo renda pessoal, desemprego, produção e vendas industriais e volume de produção manufatureira, para determinar o grau de saúde da economia. Não é verdade que eles declarem uma recessão se o crescimento econômico for negativo por dois trimestres consecutivos. Se fosse simples assim, não precisaríamos de uma comissão. Quem quiser conhecer o estado da economia em tempo real não poderá depender do NBER. Se o NBER fizesse a previsão do tempo, eis como ele operaria: o departamento reuniria dados de precipitação de cada bairro, depois entrevistaria moradores para ter certeza de que os dados são precisos. Após muita deliberação, ele nos diria se choveu no mês passado. O mesmo acontece com as recessões: os pronunciamentos do NBER historicamente surgiram muito depois que recessões começaram - em média, sete meses depois! Quando o departamento anunciou a recessão de 1991, ela já havia terminado. Neste momento só temos dados suficientes para avaliar com precisão a economia até novembro passado. O melhor indicador de recessão em tempo real disponível, um modelo desenvolvido pela economista Marcelle Chauvet, da Universidade da Califórnia em Riverside, que detectou corretamente cada recessão do pós-guerra sem dar um único sinal falso, indica claramente que a economia não estava em recessão em novembro. As coisas decerto se deterioram de lá para cá, mas é uma questão em aberto se elas se deterioraram o suficiente. Uma recessão pode ter começado. Ou não. 2. O mercado acionário cai durante as recessões Nem tanto. Com a economia se desacelerando nas recessões, a sabedoria convencional é que os preços das ações também caiam. Ações geralmente caem antes de uma recessão, algo que pode estar acontecendo agora. Entretanto, o mercado tende a olhar para o futuro e começa a reagir favoravelmente ao esperado fim dessa recessão muito antes de ele ocorrer. O influente economista Donald Luskin, da Trend Macrolytics, recentemente processou os números e descobriu que as ações deram um retorno médio de 12,1% em recessões após a 2ª Guerra Mundial. Isso fica apenas ligeiramente abaixo do retorno médio em períodos normais. 3. Elas costumavam ser muito piores As conversas econômicas durante almoços são inevitavelmente agraciadas com pelo menos uma declaração de um "macaco velho" no assunto: "No meu tempo, caminhávamos 20 quilômetros na neve só para chegar à recessão". De fato, a natureza das recessões não mudou muito ao longo dos anos. Estudos iniciais pareciam confirmar a visão de que a economia se tornou menos volátil ao longo do tempo, com algumas estimativas sugerindo que o grau de severidade das recessões declinou aproximadamente 75% por volta do fim da 2ª Guerra. Mas um notável estudo da economista Christina D. Romer, da Universidade da Califórnia em Berkeley, demonstrou que o problema real era que os coletores de dados de antes da guerra não haviam avançado para o alto nível de coleta dos profissionais de hoje. Quando se consideraram as mudanças importantes nos métodos de coleta e as inconsistências da definição histórica do ciclo de negócios, constatou-se que as recessões antes da 1ª Guerra Mundial e a partir da 2ª Guerra foram quase que igualmente severas. Embora as três últimas recessões possam ter aparecido como quedas ligeiramente menores no crescimento econômico, não há nenhuma garantia de que a próxima - quando ela chegar - venha a ser branda. Os supersticiosos poderiam até mesmo dizer que estamos prontos para uma das grandes. As recessões provavelmente se tornaram menos freqüentes. Em termos de duração, a recessão média desde a 2ª Guerra foi de cerca de um ano. As três últimas - 1981-82, 1990-91 e 2001 - também. Um fator que nitidamente não ajudou foi a política fiscal arbitrária do governo americano, como os pacotes de estímulo econômico que estão sendo considerados pelo Congresso. Seria possível pensar que as brilhantes descobertas de economistas no pós-guerra teriam proporcionado o remédio fiscal para manter as recessões nos trilhos. Num estudo exaustivo, porém, Romer e seu marido, David, descobriram que medidas como as deduções fiscais temporárias e aumentos nos gastos públicos não conseguiram tirar a economia da recessão, ou por serem pequenas demais, ou por virem tarde demais, ou por ambos os motivos. 4. São prejudiciais à saúde David Mamet disse ter tido a inspiração para sua peça vencedora do Prêmio Pulitzer de 1984, Glengarry Glen Rose, no relato sobre um ataque cardíaco fatal sofrido por um vendedor - ataque este causado por uma recessão, "de tão perversa que foi a competição por empregos e vendas, especialmente entre pessoas idosas". A história, no entanto, é bem outra: os americanos ficam mais saudáveis quando a economia piora. O desemprego tende a crescer durante recessões, mas o economista Christopher J. Ruhm, da Universidade da Carolina do Norte em Greensboro, descobriu que um aumento temporário de 1 ponto porcentual na taxa de desemprego causa uma redução de 0,5% a 0,6% na taxa de mortalidade, ou cerca de 14 mil mortes a menos por ano. Por que a saúde se beneficia? Com mais tempo livre e menos dinheiro nas mãos, as pessoas tendem a consumir menos tabaco, se exercitar mais, preparar refeições mais saudáveis e perder peso. Além disso, ficam menos expostas a acidentes de carro e a pegar doenças transmissíveis, às vezes fatais. Entre as dez maiores causas de morte nos Estados Unidos, somente as taxas de suicídio mostram um aumento substancial, motivado pelo desemprego. Até mesmo as mortes causadas por doenças cardíacas diminuem significativamente. 5. O que existe é um ciclo de negócios regular Em dois artigos no Quaterly Journal of Economics publicados em 1920 e 1921, o economista H. L. Moore, da Universidade Colúmbia, sugeriu a hipótese de que a causa primária de ciclos econômicos era o ciclo de oito anos das fases do planeta Vênus. Esse tipo de pensamento, juntando-se à teoria do economista inglês do século 19 William Stanley Jevons de que o ciclo de dez anos das manchas solares causa flutuações econômicas, talvez responda à noção generalizada de que existe um ciclo de negócios regular. Não conte com isso. O termo "ciclo de negócios" é impreciso. Flutuações econômicas afetam todos, não apenas os empresários, e elas são, diferentemente dos ciclos celestes, tudo menos regulares. Nas nove recessões desde 1949, o tempo mais curto entre duas recessões foi de três trimestres (as recessões de 1980 e de 1981-82), enquanto o mais longo foi de pouco menos de dez anos (as recessões de 1991 e 2001). Quando a próxima recessão terminar, uma boa aposta será de que a expansão que se seguirá terá uma duração em algum ponto entre um e dez anos. Uma analogia melhor é a seguinte: pensar em nosso futuro econômico como uma viagem a bordo de um Ford Pinto 1971. O carro pode pegar fogo no próximo instante, pode haver uma jamanta na nossa pista depois da curva, ou simplesmente podemos percorrer o caminho todo até a Califórnia. *Kevin A. Hassett é economista, diretor de estudos de política econômica e bolsista sênior do American Enterprise Institute. Assessorou George Bush em suas campanhas à presidência dos EUA, assim como faz agora com o republicano John McCain

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