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Cólica ou enxaqueca?

Por Sérgio Augusto
Atualização:

Mitt Romney ou Rick Santorum? Mitt Romney ou Newt Gingrich? Uma escolha entre jiló ou maxixe, Burundi ou Eritreia, cólica ou enxaqueca, BBB ou Mulheres Ricas seria menos drástica. Mas não tem jeito: aos republicanos só resta escolher entre Mitt, Rick e Newt. Larry, Curly e Moe ao menos faziam graça e davam mais porrada um no outro. Obama talvez não merecesse ser reeleito (não cumpriu as promessas de campanha, deu mole para o sistema financeiro, estendeu a guerra no Afeganistão, titubeou e conciliou demais, etc.), mas, em vista da concorrência, dificilmente perderá o segundo mandato. Tornou-se o candidato faute de mieux, melhor nas pesquisas em todos os confrontos diretos. Lincoln deve estar se revirando na tumba com mais intensidade do que quando seu partido ungiu as candidaturas de Harding, Nixon e Bush. O Grand Old Party, que nasceu abolicionista, dobrou-se tanto ao conservadorismo e ao oportunismo ao longo do século passado que acabou virando, nos últimos tempos, um bastião de políticos levianos, intrigantes, inconsequentes, mentirosos e santarrões, lobotomizados pelo fundamentalismo libertário dos tea partiers e a histeria verbal de neomacarthistas como Rush Limbaugh. É o partido que mais fielmente representa o reacionarismo dos Estados sulistas e o que o velho Marx chamava de "idiotia rural". Mitt, Rick, Newt, Rush. Uau! É um quarteto. Depois que uma pesquisa revelou ser Rush Limbaugh a figura pública ligada à política mais odiada do país, o GOP tentou em vão sair de seu regaço. "Eu estou em outra", replicou Santorum quando perguntado se o ferrabrás radiofônico era ou não era o xamã ideológico da ala mais conservadora do partido. Dias antes Limbaugh xingara de "vagabunda" uma jovem estudante de direito que se dissera, na TV, favorável à cobertura de despesas com anticoncepcionais pelo seguro-saúde. O senador da Pensilvânia não cometeria uma grossura dessas. No fundo, porém, Rick, como a maioria de seus pares, nunca esteve em outra. É visceralmente contrário ao controle da natalidade, ao aborto, a planos de saúde que beneficiem os menos favorecidos, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao evolucionismo, ao aumento na taxação dos mais ricos e a tudo mais que, no seu estreito modo de ver as coisas, agrida a "liberdade religiosa". Rick e Newt são católicos, Mitt é mórmon; duas religiões minoritárias na América. Mas os três têm a alma mais evangélica que o evangélico Obama, a quem, aliás, já acusaram de ser um muçulmano enrustido. A religiosidade não impede que Rick, Newt e Mitt sejam a favor da pena de morte. Embora admita ter puxado fumo em seus tempos de estudante, Newt já sugeriu a pena capital até para consumidores de maconha. Certos políticos só não são hipócritas quando estão dormindo. Rick, o preferido do obscurantismo Dixie, dificilmente será o escolhido caso Newt cumpra a promessa de permanecer na disputa até a Convenção Republicana, em agosto. Se sair antes, Mitt vence antecipadamente. Fazer o ex-governador de Massachusetts penar (e eventualmente cortejar seu apoio) é o máximo que pode ambicionar a esta altura das primárias. Ganhou apenas dois Estados, perdeu o mais generoso doador de sua campanha, o magnata de Las Vegas Sheldon Adelson, que pretende investir em Mitt, e poucos acreditam na hipótese de que, visando a roubar eleitores carolas de Rick, convide seu xará, o governador texano Rick Perry, para compor a chapa. Perry é aquele latagão que desistiu de concorrer à indicação republicana depois de um vexame num debate em Michigan, quatro meses atrás. Prometeu que, se eleito presidente, fecharia três ministérios: o da Educação, o do Comércio - e não houve meios de se lembrar do terceiro. Era o de Energia, só lembrado horas depois. Aparentemente condenado a atravessar a primavera americana sofrendo reveses embaraçosos, mas não letais, impondo-se em regiões com mais peso eleitoral, Mitt talvez seja o menos preocupante dos três. Os moderados Ron Paul (ainda no páreo), Tim Pawlenty e Jon Huntsman (ambos fora), seriam escolhas mais ajuizadas, mas há menos bom senso no atual GOP do que água em Marte. Mitt é um legítimo representante daquele 1% que detém a maior parte da riqueza nacional, o candidato oficioso de Wall Street. Remanchou o que podia e não podia para revelar este dado estarrecedor: sua alíquota no imposto de renda fora de 13,9%, em cima de US$ 22 milhões declarados, ao passo que Debbie Bosanek, jovem secretária do Nebraska desencavada pelo comitê para reeleição do Obama, teve de entregar 35,8% dos seus modestos proventos ao fisco. O patrão de Debbie, Warren Buffet, o segundo homem mais rico do país, só precisou abrir mão de 17,4% de sua renda. Revelações como essa podem pegar mal junto ao eleitorado, e fortalecer a candidatura do presidente. Na manhã seguinte às primárias do Alabama e Mississipi, o New York Times publicou a carta de demissão mais explosiva do mercado financeiro dos últimos tempos. Assinada por Greg Smith, diretor de derivativos em Londres do banco de investimentos Goldman Sachs, com 12 anos de casa, tornou públicos os podres da firma, sua infrene e amoral ganância, suas práticas predatórias, seu ambiente "tóxico e destrutivo", que já eram do conhecimento do mundo financeiro, precisavam apenas de um ventilador amigo. "Ela vem fazendo essas coisas desde a Depressão, faz parte do seu DNA", comentou o ex-banqueiro William Cohan, autor de um livro sobre o Goldman Sachs. Também na manhã de quarta-feira, Mitt Romney chegou a Nova York para acertar mais US$ 2 milhões de doação para sua campanha. Seu maior mecenas eleitoral é, justamente, o Goldman Sachs. Segundo Travis Waldron e Josh Israel, do site Think Progress, o casal Romney tem investimentos em mais de 30 fundos do banco, qualquer coisa entre US$ 17,7 milhões e US$ 50,5 milhões. Os empregados do Goldman Sachs deram cerca de US$ 427 mil à campanha do republicano, quase o dobro do que ela recebeu do Citigroup. O Goldman Sachs repassou ainda US$ 670 mil para o Restore Our Future, o supercomitê de arrecadação por trás de "Mr. 1%". Os demais 99% agora precisam ocupar as urnas.

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