Com a China não vale simplismo

Paralelos históricos não explicam plenamente o país: o "então" e o "agora" não são nítidos o bastante

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Por Jeffrey N. Wasserstrom e LOS ANGELES TIMES
Atualização:

A história tem sido invocada ultimamente tanto por defensores domésticos como por críticos internacionais do regime do Partido Comunista Chinês. Mas embora ambos os grupos salientem a validade de se analisar os últimos 70 anos, eles tiram conclusões radicalmente diferentes do que vêem. Quando os defensores do regime invocam os anos 30, eles tendem a focar no Massacre de Nanquim, que faz 70 anos em dezembro. Vêem essa tragédia - a orgia de seis semanas de morte e destruição depois que a cidade caiu nas mãos dos japoneses em dezembro de 1937 - como um símbolo de quanto os chineses sofreram antes da era comunista por causa dos objetivos imperialistas do Japão e do Estado chinês fraco. A lição que tiram é a seguinte: mantenha uma China forte, mesmo que isso implique ignorar algumas liberdades individuais. Os críticos estrangeiros da China de hoje, por sua vez, adotam a Olimpíada de Berlim de 1936 como a analogia histórica favorita. Foi naquele ano, argumentam, que a comunidade internacional cometeu o grave erro - que eles insistem em que está prestes a se repetir nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 - de ajudar a legitimar uma ditadura brutal. A lição que tiram: jamais faça acordos com regimes repressivos. Eu argumentaria que esse tipo de reducionismo histórico não é muito útil, venha de que lado vier. Quando se está realmente interessado em olhar o passado - não para ajudar Pequim a dar a cartada do nacionalismo nem para reforçar apelos a um boicote às Olimpíadas de 2008, mas simplesmente para compreender a China de hoje - é importante fazê-lo de maneira não simplista. A China era governada naqueles tempos por um partido autoritário que havia repudiado alguns ideais básicos de seu primeiro grande líder - como o Partido Comunista Chinês de hoje. Naquela época, os nacionalistas haviam posto a ideologia antiimperialista do pai fundador, Sun Yat-sen, em segundo plano enquanto Chiang Kai-chek fazia do extermínio dos comunistas sua maior prioridade. O paralelo contemporâneo, claro, é o abandono pelo PCC dos ensinamentos anticapitalistas de Mao Tsé-tung. Naquela época, como agora, essa virada ideológica não significou que o regime deixasse de fazer uso simbólico de seus líderes maiores. Hoje, o retrato gigante de Mao ainda olha para a Praça Tiananmen (a Praça da Paz Celestial). Nos anos 30, autoridades do Partido Nacionalista freqüentemente se curvavam diante da imagem de Sun. Uma revolução chinesa do consumo estava em curso naquele período, e novos padrões de vida se firmaram então, como agora, em cidades costeiras como Xangai. Outro paralelo é que nos anos 30, como hoje, havia um grande descontentamento na zona rural chinesa, que com freqüência se manifestava em explosões violentas de protesto. E em ambos os períodos, a descrença no partido governante era generalizada. Nos anos 30, o regime invocava a tradição em seu esforço para atrair uma população indiferente. Especificamente, o Partido Nacionalista invocava códigos de conduta confucianos para mostrar que suas reviravoltas ideológicas não significavam a falta de uma bússola moral. Na China de hoje, Confúcio é novamente celebrado como um grande sábio cuja sabedoria antiga teve relevância para a "Nova China." Embora essas semelhanças sejam interessantes e instigantes, elas infelizmente não oferecem uma resposta simples às questões cruciais de para onde se encaminha a China e como o Ocidente deveria tratá-la. Há também muitas diferenças entre as duas épocas. O PCC de hoje, por exemplo, tem um controle muito mais firme do país do que os nacionalistas tinham. Mais ainda, o regime comunista na China de hoje comanda um crescimento econômico fantástico que Chiang não poderia nem ter sonhado quando controlava o país. É sempre tentador invocar o passado para deduzir como deveríamos agir, pensar o presente ou como nos preparar para o futuro. Mas o verdadeiro paralelo entre "então" e "agora" raramente é nítido o bastante para permitir isso. Lembram dos esforços para comparar os ataques do 11 de Setembro com Pearl Harbor, apesar de o 11/9 não ser um ato de guerra de um governo estrangeiro? A História é complicada demais, nuançada demais e contraditória demais para se fazer de qualquer analogia um guia perfeito para a ação. Os historiadores precisam estar constantemente à procura de lições que possamos usar hoje. Se tratadas com cuidado, e não como cópia perfeita, até analogias imperfeitas podem ser úteis. Isso porque, embora a história raramente se repita, ela "rima", como observou o escritor de ficção científica Bruce Sterling em 1998 - velhos padrões ressurgem com freqüência, com variações. SEGUNDA, 23 DE JULHO Filho pródigo O americano Sidney Rittenberg foi para a China com o Exército no fim da 2ª Guerra, gostou do movimento comunista e decidiu ficar. Ficou 35 anos e foi íntimo de Mao Tsé-tung. Em 1977, decepcionado com os antigos camaradas e a corrupção, voltou para os EUA.

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