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Com 'Antiquities' Cynthia Ozick continua tão vibrante na escrita como sempre

Aos 93 anos, autora retorna com nova antologia de contos inéditos

Por Diane Cole
Atualização:

"Desejo escrever sobre os sonhos judeus”, disse-me a premiada escritora e ensaísta Cynthia Ozick em uma entrevista em 1982. Quase 40 anos depois, ela ainda vem transformando sonhos imaginativos em obras de ficção e condensando suas ideias em ensaios criativos e geniais. No curso de sua carreira ela explorou uma ampla gama de assuntos relacionados às artes, literatura, religião e política, mas seu foco principal ainda se fixa nas complexidades da história e cultura judaicas.

A escritora americanaCynthia Ozick Foto: Companhia das Letras

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Com quase 93 anos de idade, Ozick continua tão vibrante como sempre. Em Antiquities, o mais recente dos seus muitos livros, ela usa seu habilidoso estilo literário para tecer uma história enigmática sobre a natureza efêmera da memória e a transitoriedade da vida. O flerte da trama com o sobrenatural vai lembrar os leitores das suas mais famosas histórias, como The Pagan Rabi, The Shawl e The Puttermesser Papers. E também de temas centrais como o perene ferrão doloroso do antissemitismo e o jogo de repulsa e atração entre o sagrado e o pecaminoso. E há sua perene fixação em Henry James, a quem ela presta tributo, neste livro, colocando seu retrato de modo destacado na parede de uma capela.

Em outras palavras, Antiquities é de uma Cynthia Ozick vintage. Mas seja você um novo leitor dela ou um antigo fã, encontrará muita coisa nesta obra que entretém e assombra.

O título tem um duplo sentido irônico, referindo-se aos personagens idosos que ela retrata e à coleção de artefatos arqueológicos quase obsessivamente guardados pelo narrador da história, Loyd Wilkinson Petrie. O ano é 1949 e Petrie, um ex-advogado, viúvo e mal-humorado, que vê esporadicamente seus filhos, se consola escrevendo um livro de memórias, datilografando suas lembranças entre cochilos na sua velha máquina de escrever Remington que é tão quebrada quanto ele.

Num aspecto, pelo menos, sua vida parece ter completado um ciclo. O outrora imponente, mas há muito tempo dilapidado, edifício Westchester onde ele vive agora é também onde ele morou na juventude, exceto que naquela época era o Temple Academy of Boys, um internato estilo britânico em que os pais o colocaram ainda criança. A escola foi fechada há alguns anos, mas mais recentemente foi transformada num lar de aposentados para os sete membros sobreviventes do conselho de administração da escola, todos eles antigos alunos.

Petrie se orgulha de ser o mais jovem e o menos enfermo deles, mas todos estão na mesma triste situação de não ter nenhum objetivo na vida e nenhum lugar aonde ir. Ozick retrata esses Old Boys que envelheceram como pessoas que mudaram pouco dos seus egos infantis, imaturos e esnobes. Petrie ainda é o estrangeiro rejeitado alvo de brincadeiras maldosas. E eles conspiram alegremente para ensebar e arruinar as teclas da querida máquina de escrever de Petrie, se comportando como os mesmos camaradas de infância do passado, arrogantes, ávidos para humilhar os outros.

Este é o pano de fundo para Petrie revelar no seu livro uma experiência escolar que o marcou para toda a vida.

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Ozick simultaneamente cria um suspense e oferece um alívio cômico com o distraído Petrie repetidamente começando a colocar suas lembranças para fora. E depois, de repente, passa para outro tópico. Nesses interlúdios em que se expressa, ele deixa escapar como se preocupava profundamente com sua íntima companheira e ex-secretária Miss Margaret Simmer. E reflete sobre sua mãe emocionalmente distante e a abrupta e jamais explicada decisão do seu pai de abandonar a família e se juntar com seu primo distante, o egiptólogo Sir William Matthew Flinders Petrie (um arqueólogo britânico real, que nasceu em 1853 e morreu em 1942, cuja foto aparece na página de rosto do livro) numa escavação às margens do rio Nilo, na ilha chamada Elefantina. O narrador de Ozick (que é fictício, como seu pai) também conta detalhes das misteriosas relíquias egípcias que foram dadas a ele por seu pai ao morrer, incluindo figuras de fertilidade femininas e a estatueta de uma cegonha com um longo bico, animal que mais tarde soube que estava associado a antigas divindades egípcias.

E ele sempre retorna ao elusivo colega de escola que foi objeto do seu desejo aos 10 anos de idade e fonte de uma dor emocional velada que guardou durante toda a sua vida, Ben-Zion Elefantin. Numa escola mergulhada no antissemitismo, o novo aluno Elefantin, com seu cabelo vermelho, um sotaque estrangeiro curioso e um nome judaico, se torna motivo de piada dos alunos, exceto Petrie, que também é ostracizado simplesmente por se tornar amigo do garoto.

Os dois se unem nos jogos de xadrez, durante os quais Elefantin explica que, embora tenha nascido no Egito, ele não é egípcio e que apesar de as pessoas acharem que é judeu, seus ancestrais não são israelitas. Pelo contrário, ele descende de uma antiga comunidade judaica da ilha Elefantina do Egito. Para Petrie, a coincidência da família do garoto ser do mesmo lugar de onde vieram os artefatos deixados por seu pai age como uma poção mágica e o que ocorre em seguida o deixa se perguntando se ele estava tendo alucinações.

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Teria sido uma alucinação? Petrie repetidas vezes se refere a Elefantin como uma aparição, uma ilusão. Seria ele meramente um sonho inspirado pelas antiguidades deixadas por seu pai? Desde a década de 1880, escavações arqueológicas como aquelas das quais seu pai e seu primo distante participaram de fato levaram à descoberta de um templo, rolos de papiros e outras evidências provando a presença de uma comunidade judaica do século 5, que até então era desconhecida, na ilha Elefantina. Mas essa comunidade desapareceu há muito tempo, o que torna a história de Elefantin, e até sua real existência, algo fantástico. Ozick deixa para o leitor decidir se é verdadeira o encontro entre Petrie e Elefantin e sua elusiva fé antiga. Indiscutível é a destreza primorosa de Ozick ao nos oferecer mais um conto estrondoso e inquietante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

*Diane Cole é colunista do Psychotherapy Networker e autora do livro de memórias After Great Pain: A New Life Emerges.

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