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Com espaço para agir

No Paquistão, grupo de Bin Laden volta a se articular como nos tempos do Afeganistão sob o Taleban

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Nessa semana em que o 11 de Setembro completou o sexto aniversário, Osama bin Laden reapareceu. Ele não era visto desde 2004. A barba está mais curta, tingida de negro, e parece alisada. Mudou também o discurso: há menos teologia e, curiosamente, mais críticas ao capitalismo. Trata-se de um Bin Laden quase marxista, que parece tentar seduzir o público ocidental antiguerra. "Ficou um discurso barato", diz o milanês Lorenzo Vidino, especialista em relações internacionais. "Não convence ninguém." Autor de Al-Qaeda in Europe, the New Battleground of International Jihad (Al-Qaeda na Europa, o novo campo de batalha da jihad internacional). Advogado sem nunca ter exercido a profissão, ele tornou-se um respeitado especialista no grupo terrorista de Bin Laden. Com apenas 30 anos e um doutorado pela frente, Vidino é consultado pelo Congresso dos EUA e escreve para os principais jornais europeus e americanos de seu escritório na Tufts University, em Boston. Pelos seus cálculos, agora que foi deixada em paz pelo instável governo paquistanês de Pervez Musharraf, a Al-Qaeda se fortalece. Tem quase tanta liberdade para agir e mandar emissários ao exterior quanto tinha no Afeganistão do Taleban. Mas no Oriente Médio e Norte da África seus métodos violentos já não encontram tanto espaço. Na Europa, entretanto, onde em quase todas as mesquitas se ensina a vertente saudita radical do Islã, suas idéias inspiram jovens que buscam uma causa ou uma vida independente de seus pais. O encontro deles com a ideologia de Bin Laden é um dos piores pesadelos do Velho Continente. Como definir a Al-Qaeda? Ela é tanto uma organização quanto um movimento extremamente bem-sucedido. A organização viveu uma crise que começou a se resolver há poucos meses. Desde o 11 de Setembro, sofreu intensa pressão, perdeu espaço para se movimentar no Afeganistão, seus líderes tiveram de se esconder e o contato com o mundo exterior ficou muito limitado. Mas, há um ano e pouco, o governo paquistanês fechou um acordo com os chefes tribais do Waziristão, trecho noroeste do país, e tirou de lá praticamente todo o Exército. Aquele pedaço do Paquistão ficou quase tão livre para a Al-Qaeda se mover quanto era o Afeganistão do regime taleban (sobre o Waziristão, veja artigo ao lado). Isto quer dizer que os militantes podem se reorganizar com calma. Já estão enviando agentes pelo mundo para retomar a comunicação com os diversos braços da estrutura e com grupos simpatizantes. E o movimento? A Al-Qaeda enquanto movimento jamais sofreu uma crise porque ela é uma idéia, um incentivo para qualquer um lutar a jihad, a guerra santa, contra os EUA ou qualquer país do Ocidente que considere inimigo. O movimento Al-Qaeda não precisa de nenhuma ligação formal com a organização Al-Qaeda. A idéia Al-Qaeda continua se espalhando. O governo Pervez Musharraf, no Paquistão, vive aparentemente um período de instabilidade política. Isso afeta a Al-Qaeda? Embora Musharraf tenha retirado as tropas do Waziristão, abrindo espaço para a organização, é importante lembrar que ele foi o primeiro presidente paquistanês a enviar o Exército para lá e tentar pôr alguma ordem. Aquele sempre foi um lugar fora-da-lei. No momento, Musharraf está tentando amarrar um acordo com outras forças políticas, caso da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto, para se manter no poder. Mas, para a Al-Qaeda, tanto faz, ela opera em sua região independentemente de quem esteja no governo. A ISI, serviço secreto paquistanês, tem grande influência não importa quem seja o presidente, e sabe-se que ela tem laços estreitos com a Al-Qaeda e o Taleban. A Al-Qaeda é um grupo com objetivos políticos, como o IRA, na Irlanda, e a ETA, no País Basco espanhol? Esta é uma questão delicada. É importante destacar que tanto o IRA quanto a ETA praticavam o terrorismo. Entretanto, ambos os grupos apresentavam reivindicações razoáveis, possíveis, a independência de suas regiões. Mas veja a última aparição de Osama bin Laden. O que ele sugere? Que o mundo todo se converta ao Islã. Acho que não dá para chamar isso de razoável. Às vezes, em seus discursos, Bin Laden faz parecer que, por exemplo, se os EUA saírem do Iraque, tudo se resolve. É uma farsa. Ele faz isso para dividir a opinião pública no Ocidente. Está claro que o problema da Al-Qaeda não é o Afeganistão, não é o Iraque, não é nenhuma questão regional. É apenas um ódio global. Como avalia o último discurso de Bin Laden? O que acho mais interessante é que soa marxista. Sai a teologia islâmica e entra uma propaganda de esquerda, a mais barata possível. As mensagens de Bin Laden costumam ser dirigidas ao mundo islâmico, mas esta parece dirigida ao povo americano, principalmente ao movimento antiguerra. Ele fala muito dos males do capitalismo, que o capitalismo corrompe, e esse é um tipo de discurso que faz mais sentido para nós, ocidentais, que para os muçulmanos. Do ponto de vista islâmico, a sugestão não tem nenhuma lógica. O Islã nasceu numa cultura mercantilista, é extremamente capitalista. Bin Laden parece estar procurando angariar simpatia nos setores à esquerda da sociedade de uma forma muito pouco sofisticada. Osama bin Laden é um demagogo? Ele está se transformando num demagogo, sim. Mas num demagogo barato. Claro que algumas pessoas embarcarão em seu discurso, mas serão muito poucas. Nem os franceses compram essa história (risos). O 11 de Setembro fez com que o grupo perdesse o Afeganistão e trouxe a pressão dos EUA. Isso gerou desgastes internos para Bin Laden? Sim, há divergências internas. Muitos na Al-Qaeda acreditam que deveriam lutar contra os inimigos próximos, quer dizer, governos do Oriente Médio e África, e não contra inimigos distantes. Tenho a impressão de que Bin Laden errou o cálculo imaginando que, após os ataques aos EUA, muitos no mundo islâmico tomariam o rumo do Afeganistão para juntarem-se à jihad. Não aconteceu. O 11 de Setembro foi um projeto dele. Mesmo entre as pessoas mais próximas havia muitos que não tinham idéia de que ocorreria. Se houve briga interna, Bin Laden venceu? Depende do ponto de vista. Há muitos braços da organização que funcionam independentemente dele. Veja a Al-Qaeda no Iraque. Quando seu primeiro líder, Abu Musab al-Zarqawi, estava vivo, era evidente que ele não seguia as diretrizes de Bin Laden. Al-Zarqawi, por exemplo, atuava com os xiitas, com o que Bin Laden, que é sunita, é radicalmente contra. A Al-Qaeda no Iraque é realmente parte da Al-Qaeda? É muito difícil dizer. O grupo formou-se com simpatizantes que foram lutar no Iraque quando os americanos estavam chegando. Não se trata de um movimento organizado. Mas, conforme aquele grupo cresceu e adotou o nome Al-Qaeda, fez um negócio que era bom para ambos os lados. Para Bin Laden, estabeleceu sua presença no Iraque. Para o grupo, veio a marca forte e dinheiro. O que não sabemos é se há algum tipo de coordenação, se o comando central da Al-Qaeda dirige aquele grupo. O Iraque virou campo de treinamento para radicais muçulmanos? É evidente. A guerra no Iraque foi má estratégia dos EUA? Sim. Foi um grande negócio para os jihadistas. Eles não tinham para onde ir antes de os EUA invadirem o Iraque. O Afeganistão havia deixado de ser uma opção, pois o Taleban caíra. O Paquistão estava também controlado. A guerra deu ao movimento islâmico um objetivo e um local onde lutar. O Egito está conseguindo conter o braço terrorista do radicalismo muçulmano? Com alguns problemas, sim, embora o braço político do radicalismo islâmico permaneça intacto. Podemos dizer que os egípcios têm experiência em lidar com essa gente e, digamos assim, eles usam métodos que nós, no Ocidente, preferimos não usar. Não é só o Egito. Duvido que qualquer país do Oriente Médio entre em colapso por conta do terrorismo. O maior problema que vejo é o islamismo político, organizações como a Fraternidade Muçulmana, que estão chegando ao poder legitimamente. Mas, não é a vontade da maioria, um processo democrático? Sim, mas precisamos ver duas coisas. Primeiro, democracia não se resume a eleições livres. É preciso um ambiente onde todos tenham como competir em condições de igualdade e no qual a sociedade civil possa se desenvolver. Essa não é a realidade dos países muçulmanos. Segundo, precisamos ver se estes grupos estão realmente comprometidos com a democracia ou simplesmente querem usá-la para chegar ao poder. Veja o caso de Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro da Turquia. Ele declarou que "democracia é como um ônibus: pegamos quando precisamos e saltamos quando chegamos onde queríamos". Ou veja o caso do Hamas, que é o braço da Fraternidade Muçulmana na Palestina. Depois de eleitos, seus militantes forçaram a situação de tal forma que a democracia se foi. Estive lá há poucos dias e conversei com muitos palestinos. Em Gaza, eles não têm mais liberdade para fazer nada. Há cansaço com a violência no Oriente Médio e Norte da África? As pessoas estão cansadas de bombas, claro. Isso ocorre até no Iraque, onde muitas das tribos sunitas agora estão lutando contra a Al-Qaeda ao lado dos EUA. Mas não quer dizer que o Islã político esteja em baixa. Não está. O terrorismo seria um escape para jovens pouco educados e oprimidos no Oriente Médio? Jovens não oprimidos e bem educados, na Europa, também recorrem ao terrorismo.E há muitos oprimidos no mundo que não escolhem o caminho do terror. O que acontece é que existe uma ideologia do islamismo político que, em sua vertente mais radical, a salafi, permite a quem quiser recorrer à violência para atingir um objetivo específico, que é a islamização da sociedade. Essa ideologia é abraçada por um porcentual muito pequeno, mas de pessoas que vivem em sociedades de todos os tipos - da Grã Bretanha à Arábia Saudita. Esses radicais sempre vêem a sociedade na qual vivem como islamicamente impura - mesmo no caso da Arábia Saudita. O que leva um jovem muçulmano europeu à violência? Em muitos casos é porque o radicalismo islâmico virou uma contracultura bacana de forma parecida com o que era o comunismo, nos anos 70. Outro ponto é que as mesquitas européias são mais radicais que as do Oriente Médio e Norte da África. Muitos migrantes vêm de ambientes liberais em seus países e descobrem o radicalismo islâmico na Europa. Os radicais não teriam tanta liberdade para se pronunciar no mundo muçulmano quanto têm em Londres ou Paris. Há outros pontos. Alguns imigrantes não costumam dar educação religiosa a seus filhos, então eles vão aprender a cultura de seus pais nessas mesquitas. E há casos em que o radicalismo é uma rebelião contra os pais. É comum que famílias tenham uma visão muito tradicionalista que inclui casamentos arranjados, por exemplo. Alguns rapazes então vão para a mesquita e ouvem que isso não é o Islã de verdade e se rebelam, radicalizando-se. O grupo que assassinou na Holanda o cineasta Theo van Gogh era inicialmente uma gangue de rua, laica. Então, no fim da adolescência, um dos membros se fez religioso e outros o seguiram. No fim das contas, eles sempre foram isso, uma gangue. Há várias histórias, cada uma com seus detalhes, e muitos motivos que levam esses rapazes à violência. TERÇA, 11 DE SETEMBRO Elogio aos Suicidas Bin Laden divulga vídeo para marcar o 6º aniversário dos ataques terroristas de 11/9 de 2001, por ele articulados. O líder histórico da Al-Qaeda elogia os 19 suicidas, em especial Walid al-Shehri, "um homem raro ... que foi levado das preocupações deste mundo". IDEOLOGIA "A Al-Qaeda não tem objetivo político razoável. O que prega é o ódio global" IRAQUE "A guerra foi ótimo negócio para os jihadistas. Em baixa, acharam uma nova causa"

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