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Como os leilões de arte podem mudar para sempre após o distanciamento social

Novas ferramentas, nascidas da necessidade, poderão fazer parte de uma mudança permanente

Por Ted Loos
Atualização:

Não é nenhuma surpresa que os leilões de arte não são mais como eram antes de março. Mas o que é inesperado é o ritmo e o alcance da transformação provocada pela pandemia, não só em termos da maneira como as vendas são conduzidas, mas também cada faceta do processo e como a tecnologia tem permitido essas mudanças.

Leilão virtual da casa Sotheby's ocorreu simultaneamente ao redor do planeta Foto: Sotheby's

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“É uma oportunidade para transformar o setor”, afirmou Bruno Vinciguerra, diretor executivo da casa de leilões Bonhams. “Isto deveria ocorrer durante anos e só levou alguns meses”.

Os leilões on-line vêm crescendo há anos e compradores potenciais há muito tempo fazem seus lances on-line, ou por telefone, mas as vendas presenciais continuaram sendo o formato de praxe quando se trata de artigos mais valiosos. Um evento ao vivo diante de uma multidão tem um componente teatral.

“Nosso modelo de negócio é muito particular”, disse Guillaume Cerutti, diretor da casa de leilões Christie’s. “É baseado em objetos raros e é um forte componente das interações cara a cara com nossos clientes”.

Agora as grandes vendas têm um aspecto totalmente novo, graças em parte ao impacto da tecnologia. Quando ficou claro, no início do ano, que as pessoas não podiam se reunir com segurança numa sala, as casas de leilão criaram um modelo híbrido utilizando o formato streaming ao vivo para criar a sensação de se estar presente no local.

Na Sotheby’s em junho, durante um leilão de obras de arte modernas, contemporâneas e impressionistas, o leiloeiro Oliver Barker estava sozinho numa sala de controle em Londres reunindo os lances formalizados on-line e observando as telas em que membros da equipe em diferentes locais transmitiam as ofertas recebidas pelo telefone. Depois de quase cinco horas, o total arrecadado foi de pouco mais de US$ 362 milhões, com um tríptico de Francis Bacon vendido por US$ 84,6 milhões num lance feito pelo telefone e um desenho de Jean-Michel Basquiat adquirido por um cliente por US$ 15,2 milhões, no que a casa de leilões afirmou ter sido o mais bem sucedido leilão de arte na sua história.

“Foi uma agradável surpresa para nós”, disse Stefan Pepe, diretor de tecnologia e produto da Sotheby’s.“Os clientes fizeram seus lances com tranquilidade”.

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Em julho, na Christie’s, uma operação similar rendeu US$ 420 milhões. Esse leilão transmitido ao vivo - que substituiu as vendas que ocorreriam separadamente - teve um público menor do que o normal de arrematantes e observadores reunidos em pessoa em Hong Kong e Paris, locais cujos protocolos de saúde locais permitiam essas reuniões.

As vendas totais do leilão foram menores do que normalmente é arrecadado em eventos separados, mas o envolvimento das pessoas foi grande: o leilão da Christie’s teve 100 mil espectadores on-line.

No início deste mês a casa realizou um leilão também via streaming de obras do século 20, com uma mostra e comentários transmitidos ao vivo antes do evento a partir da sua sala de pregão no Rockefeller Center. As vendas totalizaram US$ 341 milhões e o número de interessados on-line chegou a 280 mil.

Christie’s e Sotheby’s não são as únicas a adotar esse modelo híbrido.

“No passado nos concentramos na sala de pregão tradicional e agora estamos focados na sala de leilão virtual”, disse Jean-Paul Engelen, vice-presidente da Phillips.

“O futuro é uma combinação dos dois”, acrescentou. “Agora nos perguntamos, ‘é necessário ter 400 pessoas numa sala quando somente uma fração delas faz uma oferta?’”

Bonhams tem se concentrado muito no desenvolvimento da tecnologia para reduzir o tempo que leva para uma oferta on-line ser registrada pelos funcionários da casa em contraste com um interessado dando seu lance ao vivo com um aceno de mão.

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E não são apenas as vendas que mudaram. Grande parte dos aperfeiçoamentos tecnológicos está concentrada no aspecto visual do processo, de modo a que as pessoas fiquem interessadas o bastante para dar um lance.

Phillips anunciou uma parceria exclusiva com Articker, uma ferramenta on-line que agrega dados de fonte aberta sobre artistas e obras de arte, incluindo artigos e exposições, e fornece aos clientes informações e contexto que podem orientar em seus lance e aquisições.

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Os pesados e brilhantes catálogos que as casas de leilão tradicionalmente fornecem ainda são distribuídos, mas são complementados por mais ofertas on-line “de certo modo mais abundantes”, disse Pepe, da Sotheby’s.

No caso dos clientes que têm um relacionamento com a Sotheby’s, ao entrarem no site da casa eles recebem sugestões personalizadas, uma fórmula que eles vem testando, disse Pepe. Um algoritmo de recomendações destaca lotes que podem interessar determinados compradores com base em sua atividade anterior.

Para lotes de grande valor, clientes potenciais sérios tradicionalmente querem ver pessoalmente a mercadoria. Agora a Christie’s vem oferecendo uma alternativa. Um comprador consegue ver na tela de um celular como um Matisse ficaria na sua sala de estar simplesmente apontando a câmera para uma parede vazia.

A Christie’s já oferecia essa ferramenta no caso de alguns lotes, mas passou a utilizá-la mais quando a pandemia se instalou. E os clientes também.

“O usuário médio vem usando-a durante nove minutos, o que é um tempo incrivelmente longo se você pensar”, afirmou Matthew Rubinger, chefe de marketing corporativo e digital da casa de leilões.

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Uma nova inovação este ano é a tecnologia do “super Zoom”, que permite a qualquer pessoa examinar uma obra nos mínimos detalhes - cada rachadura numa pintura antiga ou o brilho patinado de uma escultura de bronze. Eles podem ajustar as lentes para ir muito além do olho nu”, disse Rubinger.

Todas as casas de leilão imaginavam que seus patronos mais acostumados com a tecnologia abraçariam as mudanças nesse era de pandemia, mas elas também têm atraído compradores de primeira viagem.

“Novos clientes vêm surgindo”, disse Cerutti. Cerca de 35% de todos os adquirentes até agora neste ano são novos, e boa parte do crescimento vem das vendas on-line.

O próximo desafio é a temporada de novembro, tradicionalmente repleta de vendas em todas as categorias. Num prazo mais longo as casas de leilão terão de decidir como ficará o processo quando uma vacina contra o coronavírus começar a ser aplicada.

“Quando for possível ter os clientes reunidos numa sala, nós o faremos. É o meio a que pertencemos”, disse Cerutti.

Mas os novos avanços tecnológicos provavelmente não irão retroceder quando isso ocorrer.

“Ferramentas digitais que permitem uma pré-venda, como o super-Zoom, de realidade aumentada, e galerias on-line, permanecerão no futuro. Agora são o novo normal”, disse ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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