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Como produzir uma ópera inteiramente com distanciamento social

‘Eight Songs from Isolation’ mostra como a forma pode se adaptar à pandemia

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Por Redação
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No vazio deixado pelas restrições aos teatros, a ópera buscou uma vida às sombras, em outro lugar. A English National Opera conseguiu fazer uma versão simplória de La Bohème num drive-in no norte de Londres, mas a maioria das companhias recorreu ao streaming de espetáculos antigos – e a uma tentativa meio estranha no Zoom. Eight Songs from Isolation [Oito canções do isolamento, em tradução livre], uma obra de 45 minutos criada por oito compositores, adota uma nova abordagem: esqueça o palco, lance mão da mídia de hoje e ponha o drama onde é importante – na música.

Cena da ópera 'Eight Songs from Isolation' Foto: The Academy of St Martin in the Fields Chamber Orchrstra

A ideia de uma ópera “socialmente distante” ocorreu ao maestro britânico Oliver Zeffman quando ficou claro que dois elementos fundamentais dos concertos – a interação entre os artistas e entre estes e o público – estariam fora de alcance. Ele contratou oito compositores de todo o mundo – de nomes consagrados como o americano Nico Muhly a talentos em ascensão como a britânica Freya Waley-Cohen – para escrever canções que respondessem ao conceito de isolamento. Usando iPhones, os cantores filmaram a si mesmos apresentando os resultados dentro ou ao redor de suas casas, guiados pelo diretor Billy Boyd Cape e acompanhados remotamente por músicos da Academy of St Martin in the Fields, em Londres. Juntos, eles mostram como a ópera digital pode preservar um pouco do encantamento que faz do palco algo tão poderoso. A trama linear tradicional é abandonada em favor de oito segmentos. Às vezes deprimidas, divertidas ou perturbadas, as canções percorrem toda a gama de vidas interrompidas pelo lockdown. Alguns dos libretos são extraídos de poemas; outros se inspiram na realidade. O compositor russo Ilya Demutsky inesperadamente adapta o discurso proferido por um sequestrador durante um recente assalto a banco em Moscou. O uso de um sheng (um instrumento de sopro chinês) e da pipa (instrumento de corda chinês) fazem da composição de Du Yun a menos convencional. A letra reflete sobre a explosão de flores numa cidade: “re-despertar / a primavera começa a gorgolejar da janela”. A melodia fica mais comovente quando você descobre que se trata de uma reportagem de jornal escrita pelo coautor do libreto, Yang Nan, que ficou trancado em Wuhan no início deste ano. Agora disponível no Apple Music, Eight Songs from Isolation prova que as colaborações remotas podem ter sucesso quando os músicos clássicos abandonam aquelas convenções que pertencem ao proscênio. No século 18, Mozart viu o potencial da música e da orquestração para dramatizar os apuros mais absurdos da vida. Hoje, com quase todos os teatros fechados, isso é mais difícil. A decisão de Zeffman de abandonar a teatralidade do palco para se concentrar nas histórias e na música perde um pouco do glamour da ópera. Mas traz uma bela resposta musical a estes tempos, nas telas dos ouvintes e em suas casas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU © 2020 The Economist Newspaper Limited. Direitos reservados. Publicado sob licença. O texto original em inglês está em www.economist.com

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