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Concursos literários dão visibilidade a pautas identitárias

“A representatividade é uma marca na retomada da literatura. Essa literatura que converse amplamente ao invés de limitar”, diz Pedro Rhuas, vencedor do concurso Clipop

Por Sarah Américo
Atualização:

A literatura nacional ainda é focada no eixo Rio-São Paulo e tem como obras principais uma literatura branca e heterosexual. A pouca diversidade de histórias e espaço para escritores de outras regiões e de temáticas diferentes, motivam a criação de concursos literários que são uma oportunidade de dar voz aqueles que são marginalizados e mostrar que o Brasil não está focado apenas nas duas metrópoles. 

Projeto 'Uma Odisseia Sertãopunk' dá voz a escritores do Nordeste do Brasil Foto: Corvus Editora

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“Pelo fato do mercado literário brasileiro ser focado no Rio e São Paulo, muitas vezes, autores nordestinos acabam não tendo espaço próprio para publicar suas histórias ou acabam não tendo tanto apoio editorial porque não temos um mercado tão bem desenvolvido dentro do nordeste”, conta o escritor Alan de Sá, um dos idealizadores do projeto Uma Odisseia Sertãopunk que quer elevar a voz de autores nordestinos. Pedro Rhuas, vencedor do concurso Clipop, projeto da Editora Seguinte, selo jovem do grupo Companhia das Letras, fala que a existência desses concursos demonstra que existe uma carência de representatividade urgente. “Os concursos literários que buscam pluralidade são uma das maneiras para que vozes oprimidas entrem em um contexto de protagonismo. Eles são essenciais porque viabilizam vozes como a minha”. Rhuas, lançou no começo de julho o livro “Enquanto eu não te encontro”, uma obra de ficção voltada para o público jovem, com uma temática LGBTQIA + que se passa no nordeste brasileiro. O publicitário Wendell Paz é o responsável pelo projeto Orgulho na Valentina, uma campanha lançada no Dia do Orgulho LGBTQIA+ para atrair escritores de obras que tenham essa temática como foco. O motivo para essa proposta está associado a um problema que enfrentou desde a infância “eu não me sentia representado nas artes, livros e filmes”. Ele só passou a ver que não era o único diferente quando ouviu falar de uma obra cinematográfica que o representava. “Tem dois anos que estou na Editora Valentina, e eles tem histórias que representam e acolhem muitas pessoas, mas não temos nenhum livro que fale da temática LGBT, por isso sugeri a campanha que foi bem aceita”. O Publisher da editora, Rafael Goldkorn, conta que eles sempre tiveram interesse em trabalhar com esse tema, porém, não encontravam obras que suprissem com a necessidade do que buscavam. “Queremos um livro transformador, que desperte sentimentos e faça os leitores se questionarem. Espero uma ficção que mexa para sempre com as pessoas”.

Representatividade na literatura

Rauer Rodrigues, professor de literatura e responsável pelo concurso Micros-Áfricas, uma antologia de microcontos escritos em língua portuguesa cujos autores sejam africanos de nascimento ou residam no continente, explica que os concursos são uma medida para conhecermos autores novos, revelar talentos e uma forma de representatividade das comunidades e de questão identitárias, pois, como ousa dizer, “é a nossa diversidade que nos garante na grandeza que temos como humanos e que nos faz avançar e permite construir as boas coisas que a humanidade construiu até hoje”. Para ele, quando as pessoas encontram algo que as tocam verdadeiramente, porque representa a vida delas,  veem um poder transformar na literatura. É exatamente isso que a escritora Gabriele Diniz, também responsável pelo Uma Odisseia Sertãopunk pensa. “Não podemos ficar restritos a uma única visão. É importante entender que existe diversidade”. Paz, também compartilha desse olhar. "Livros identitários são uma porta de entrada para atrair mais pessoas para a leitura”. “Quando o leitor tem uma obra em que ele se enxerga e que tem expressões que somente ele usaria, ele se sente emponderado”, declara Rhuas. Apesar desses concursos, a presença de escritores de regiões diferentes e de pautas fora das tradicionais ainda são raras. Para Gabriele, “os leitores estão pedindo para diversificar os catálogos”. E, o primeiro passo para tornar a representatividade mais forte é “identificar que é um problema. Muitas vezes as pessoas só leem coisas do eixo RJ-SP e não notam que isso é um problema”. Paz, fala que “mais do que apoiar as causas, as empresas precisam ter um papel mais proativo. Elas precisam parar de falar que apoiam a diversidade e mostrar ações que comprovam isso”.

Autores independentes

Com a falta de apoio por parte de editoras, os escritores estão apostando nas publicações no ambiente digital e se tornando autores independentes. Gabriele, fala que existem pessoas construindo conteúdo em massa, o que falta é dar espaços para eles. “Dentro das plataformas digitais vamos achar uma grande quantidade de pessoas que estão começando a escrever, querem escrever ou já escrevem” declara Sá. Rhuas, que também publicou seu livro em uma plataforma, declara que “a produção independente no Brasil tem revolucionado muito e é o que tem feito as editoras questionarem um pouco a atuação delas. Porque ele está trazendo histórias que o tradicional não estava”. Para ele, esse tipo de produção possibilitou uma maior democratização nesse acesso às vozes e "à medida que o meio independente se fortalece, garantimos uma maior quantidade de vozes”.

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