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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Coração das trevas

Mais bombástico cretino da América, Trump tem ideias que calam fundo nos setores mais ressentidos e complexados da classe média branca

Atualização:
  Foto: Matt York | AP

De que chegou a hora de levar a sério a candidatura do magnata Donald Trump à presidência dos EUA, ninguém mais duvida. Em seu lado da liça sucessória, continua o favorito desde quando nela ainda havia 17 disputantes. Para desespero das primeiras barbadas (Jeb Bush, Marco Rubio, Ted Cruz), do fugaz azarão Ben Carson, do establishment do Partido Republicano e dos bilionários conservadores que o financiam em troca de favores.

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A princípio descartado como uma “distração”, como um bufão uma vez mais empenhado em se autopromover, tirar um sarro da elite política e na hora h cair fora, Trump virou um pesadelo partidário (capaz de desmoralizar a legenda e levá-la a outra derrota na disputa pela Casa Branca), um constrangimento nacional e um espanto mundial. Os editores do The Hunffington Post se precipitaram ao deslocar todo o noticiário relativo à campanha do empresário para a seção de “variedades”.

Autofinanciada, sua campanha dispensa as doações e os grilhões da plutocracia americana. Com uma fortuna pessoal avaliada em US$ 10 bilhões, pode-se dar o luxo de posar de independente, de impermeável aos interesses do grande capital e às politicagens de Washington. A rigor, do Partido Republicano precisa apenas da legenda, sua infraestrutura e sua visibilidade. Poderia concorrer por um terceiro partido, criado do próprio bolso, como fez o ricaço texano Ross Perot no final do século passado, mas, esperto, enfiou-se sob a lona do grande circo republicano – e tomou conta do picadeiro. É o Master Idiot da América, seu id e seu mais bombástico cretino.

Perot era um populista mocorongo, zero de empatia; Trump é um populista exuberante, urbanoide, espaçoso (1,91cm de altura), espalhafatoso, narcisista, uma celebridade televisiva comprometida unicamente com sua vaidade e seu ego descomunal. Vende como ninguém a Teologia da Prosperidade e a volta a uma América que, segundo ele e os demais republicanos, deixou de ser grande depois que Obama assumiu o Salão Oval.

Aquela fúlvida cabeleira? Faz parte da fantasia. Seus concorrentes partidários são palhaços de terno e gravata, que instilam e exploram o medo e a insegurança do eleitorado sem lhe oferecer um “comic relief”. Todos compartilham o mesmo ideário conservador, as mesmas ideias sinistras sobre economia e política do topetudo magnata, mas suas cambalhotas retóricas foram fragorosamente ofuscadas pelo mercurial exibicionismo do outsider e seu incontrolável destampatório verbal.

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Xenófobo nativista, islamofóbico e racista, Trump promete erguer um muro ao longo da fronteira com o México para conter a imigração (“com um portão bonito”, detalhou, cinicamente, esta semana), fechar mesquitas, impedir que muçulmanos entrem em território americano e fichar os seguidores de Alá residentes no país numa grande base de dados para melhor vigiá-los. Também repele a questão climática, é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, o aumento do salário mínimo e tenciona cortar programas sociais de proteção a pobres, idosos e deficientes físicos. É a síntese hiperbólica do que o reacionarismo republicano tem de pior.

Como nada tem a perder (“Se não for eleito, volto a ser Donald Trump, só que mais famoso ainda”, bravateou meses atrás), atira a esmo sem medir consequências. Às incoerências dá de ombros e segue em frente, com a maior cara de pau. Apesar de criticar com racional veemência a guerra no Iraque (“um desperdício de vidas e dinheiro”), já anunciou que uma de suas primeiras providências como presidente será bombardear a Síria.

Numa escalada ininterrupta de vitupérios, xingou os mexicanos de estupradores, ridicularizou John Kerry por ter fraturado a perna quando andava de bicicleta em Teerã, desqualificou o heroísmo de John McCain por ele ter sido feito prisioneiro na guerra da Coreia, atribuiu a dureza das perguntas que Megyn Kelly lhe fazia numa entrevista à Fox News às cólicas menstruais da jornalista. Suas invectivas, no entanto, calaram fundo nos setores mais descrentes, frustrados, ressentidos e complexados da classe média branca, presas fáceis da demagogia e do patriotismo histérico.

“Ele é o MiraLAX da América”, saiu-se com essa uma indócil trumpete que o repórter Drew Magary, da revista GQ, encontrou num comício em Iowa. MiraLAX é um laxativo muito popular na América. Não chega a ser uma metáfora original.

Políticos e analistas se desdobram para entender o fenômeno Trump e avaliar seu verdadeiro potencial. O comentarista conservador George Will defende a tese de que Trump não passa de um democrata infiltrado para desmoralizar o Partido Republicano. Jeb Bush foi mais específico: “Ele trabalha para Hillary”. Teorias conspiratórias como essas só perdem para as acusações de “fascista” que até entre os republicanos têm vicejado ultimamente. E entre os liberais mais ainda. Na página de editoriais do New York Times de segunda-feira passada, Roger Cohen comparou a América à República de Weimar, que, como é sabido, chegou ao fim com a ascensão ao poder de um misto de clown e bully racista, fanático e com delírios de grandeza.

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Rachel Maddow, a liberal comentarista da MSNBC, desconfia que os excessos de Trump fazem parte de uma estratégia de autossabotagem: “Ele não pretende chegar à presidência, apenas tumultuar o processo e se autopromover”. Trump, o camicase eleitoral. Azar dos republicanos. Ou não. E se ele for ungido na Convenção do GOP em julho, e afinal eleito no fim do ano?

Como seria a América com um fascista no poder? Na década de 1930, no romance especulativo It Can’t Happen Here, Sinclair Lewis imaginou os EUA governados por um Hitler ianque, chamado Berzelius Windrip. Que o romance continue apenas especulativo, não profético.