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De Flavio Cafiero, ‘Diga Que Não Me Conhece’ venceu na categoria romance da APCA

Em entrevista ao Estadão, autor fala sobre sua relação com a cidade de São Paulo, pano de fundo do livro

Por Carlos Eduardo Entini
Atualização:

Até que ponto o fim de um relacionamento, e o consequente turbilhão emocional que chega logo em seguida, é caso de saúde mental? Essa é uma das questões do terceiro romance de Flavio Cafiero, Diga Que Não Me Conhece, que ganhou o prêmio de romance entre os melhores de 2021 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). O escritor nascido no Rio de Janeiro, e radicado em São Paulo há 26 anos, largou tudo para se dedicar à literatura em 2013, estreou com O Frio Aqui Fora, livro finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura. Em entrevista ao Estadão, ele explica que São Paulo esteve sempre presente em seus livros. “Em diversos momentos meus personagens saem andando pela cidade e são, de alguma forma, machucados por ela, mas também a própria cidade, que é dura, oferece recursos de cura e saídas possíveis que são infinitas.”

A escolha da região central foi proposital para a criação das personagens. “O centro tem uma diversidade muito grande de pessoas”, explica Cafiero. O autor doou ao livro sua vivência, por dois anos, em um prédio na região dos Campos Elísios. Tato, o protagonista, após o rompimento com o namorado, muda para um novo apartamento a convite de uma amiga de infância. A intenção era se desvencilhar das dores do relacionamento, embora ela não cesse, até ele se questionar se está doente. Cafiero reflete essa sensação de sofrimento que não abandona o personagem: “A quantidade de doenças não para de crescer, bem como sintomas decorrentes dessa criação de doenças psiquiátricas vão aumentando, quer dizer, a gente vai se identificando com a doença cada vez mais”. A sensação de doença não surge apenas de dentro para fora, mas no caminho inverso, quando os outros entendem que certos comportamentos surgidos do sofrimento são qualificados genericamente como psicopatia ou sociopatia. É dessa forma que o comportamento antissocial de Tato é julgado pelos amigos. Segundo Cafiero, “em nossos próprios comportamentos nas redes sociais, comecei a ouvir pessoas cada vez mais chamando umas às outras de psicopatas”. Foi um prato feito, diz ele. “Comecei a tecer essas relações e coloquei no livro.” A onipresença das redes sociais é outro tema abordado no livro, que ajuda a incrementar o sentimento de estar doente. A esfera digital, que nos foi prometida quando surgiu como uma forma de agregar, é retratada tal qual ela se transformou: em uma rede de egos e ódios. “Elas (as redes sociais) cresceram muito em cima do aumento das nossas individualidades e alimentaram as nossas individualidades, mas ajudaram a gente a chegar num tom de individualismo. Acho que estamos nos transformando em pessoas totalmente individualistas, e, dentro do individualismo, acho que a empatia está bastante comprometida”, analisa.  Mesmo escapando para se desvencilhar do sofrimento, Tato não consegue esquecer da figura de seu ex-namorado, sempre presente e brilhando nas redes sociais. Sem saber, Tato é sugado por essas imagens como vítima de uma trama montada nas redes para atingi-lo.

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