Desunião europeia

Maior dano é a fissura entre Grécia e parceiros, diz analista grego. ‘Um não no plebiscito será a desculpa para deixar o país naufragar’

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Por Nikos Konstandaras
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O mar, visto da janela do meu escritório, está calmo. Alguns barcos à vela deslizam pelas águas prateadas do Golfo Sarónico. Uma imagem de paz, mas cenário de incontáveis batalhas. Nessas águas, em Salamina, uma aliança formada pelos três Estados livres gregos sob a liderança de Atenas derrotou a marinha persa em 480 a.C., propiciando à democracia espaço para se desenvolver. Em 1941 as forças alemãs irromperam no país e um grupo de pilotos aliados tentou deter as ondas de aviões inimigos, com muitos pilotos mergulhando para a morte nessa baía num certo dia de abril.

Hoje, quando meu país se precipita para um outro tipo de batalha – um referendo que determinará seu lugar no mundo e marcará sua história –, vivencio “a eterna tristeza” que o poeta Matthew Arnold imaginou que Sófocles sentia ao ouvir o “turvo fluxo e refluxo da miséria humana” parado diante dessa praia.

Aderentes: os 'nai' estão dizendo 'sim' aos termos ditados por Bruxelas Foto: REUTERS/Christian Hartmann

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Nosso país está em paz, mas os riscos são tão grandes como se estivéssemos em guerra, uma guerra travada não com navios militares, armas e aviões, mas com palavras e dinheiro. Sua infantaria, num certo sentido, é formada pelas filas de desempregados e aposentados que se aglomeram na frente dos bancos; carros enfileirados nos postos de gasolina constituem uma cavalaria avariada; os generais são os ministros das finanças que trocam propostas entre si com a agressividade daqueles que não sofrerão as consequências. Todos envolvidos numa campanha de cinco anos em que a Grécia lutou para cumprir as condições impostas pelo maior pacote de ajuda da história, um total de ¤ 240 milhões, bancado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, em troca de um programa de austeridade e reformas. O governo responsabiliza os credores pelas dificuldades por que passa o país, afirmando que transformaram a Grécia numa “colônia endividada”.

Como o BCE se recusou a elevar o limite dos fundos de emergência na semana passada, nossos bancos rapidamente perderam a liquidez. Em questão de dias uma sociedade sofisticada começou a se revelar – idosos lutavam para retirar suas pensões, comércio e indústria ficaram inoperantes, websites não conseguiram renovar seus nomes de domínio junto a provedores estrangeiros, proprietários de smartphones não puderam baixar seus aplicativos porque seus cartões de crédito foram bloqueados.

Muito próxima da falência, a Grécia se encontra numa situação pior do que antes do pacote de ajuda. No referendo de domingo nós, eleitores, diremos se desejamos continuar negociando um acordo com nossos parceiros ou arriscamos o futuro com um orgulhoso “não” a novos ditames. 

Muita coisa mais está em risco além da única moeda estável que o país teve numa história pontuada por bancarrotas. Educaremos nossos filhos e envelheceremos numa sociedade unida? Continuaremos a fazer parte de um novo desenvolvimento da Europa? A própria ideia da Europa, cujo nome é inspirado num mito grego, da Europa, como união irá se desfazer, um país após o outro? Nossos filhos ainda conseguirão estudar no estrangeiro? Ou mergulharemos num isolamento que prejudicará a próxima geração tanto quanto nossos aposentados sofrem agora?

Esforços para restaurar a normalidade fracassaram devido a medidas políticas inconsistentes, problemas fundamentais de um governo ineficaz e a lamentável falta de liderança na Grécia e entre os responsáveis políticos na Europa e no FMI.

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O colapso dos partidos que administraram mal a Grécia durante décadas criou um vácuo que a coalizão da esquerda radical Syriza preencheu com promessas: continuaremos a obter fundos de ajuda, descartaremos a austeridade, revogaremos as reformas e ainda manteremos o país dentro da zona do euro.

Os cinco meses de disputa acrimoniosa com nossos parceiros e credores não lograram isso. Internamente o governo abandonou muitas reformas, fez muito pouco para combater a evasão fiscal e a corrupção e repetiu a política de compadrio do passado com nomeações de caráter flagrantemente político no setor público. Sem nenhuma opção à frente que não a insolvência, o primeiro-ministro Alexis Tsipras lançou os dados e anunciou o referendo, insistindo para os cidadãos votarem “não”.

Esses cidadãos (e contribuintes em outros países) pagaram um preço por um programa de ajuda que fracassou. Agora os gregos devem enfrentar mais privações, permanecendo na zona do euro ou sendo forçados a sair. Mas o pior é o isolamento resultante da falta de comunicação entre Atenas e seus parceiros. Ambos os lados se mediram numa queda de braço e nenhum deles estava blefando. Os europeus, liderados pela Alemanha, se mostraram firmes na imposição da austeridade; e os gregos, determinados a levar sua imprudência até o fim. A demanda grega por um alívio da dívida e as declarações de orgulho recuperado foram consideradas petulantes pelos credores. Em vez de trabalharem por soluções, ambos procuraram desculpas pelo fracasso.

O maior dano, até agora, é a fissura aberta entre a Grécia e nossos parceiros. Esquecemos que teríamos de estar unidos nessa questão, que Grécia e União Europeia deveriam ser indivisíveis, que os problemas enfrentados por um país deverão ser enfrentados pelos outros, que cada país só pode sobreviver fazendo parte da União. Um “sim” no referendo obrigará Grécia e Europa a resolverem o atual impasse; um “não” será a desculpa para deixar a Grécia naufragar.

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Dentro do país as divisões dos anos recentes aumentaram com a incerteza dos últimos meses e a real aflição dos últimos dias. Se o “sim” for majoritário, isso nos permitirá trabalhar para tornar a Grécia uma economia viável e ao mesmo tempo parte integral da União Europeia; um “não” nos dividirá ainda mais, com as dificuldades econômica e as tensões sociais aumentando.

Durante toda a sua história, os gregos lutaram com o maior afinco quando tudo parecia perdido. Vencemos muitas guerras, superamos tantos golpes e ocupações estrangeiras para alcançar a estabilidade que agora – em tempo de paz – está ameaçada.

Diante de tudo o que está em jogo, veremos em breve se os gregos de hoje são dignos dos seus ancestrais. 

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/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

NIKOS KOSTANDARAS É EDITOR ADMINISTRATIVO E COLUNISTA DO JORNAL KATHIMERINI. ESCREVEU ESTE ARTIGO PARA O THE NEW YORK TIMES 

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