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Duas lentes, um mesmo conflito

Pelo olhar de fotógrafos e cinegrafistas, guerras distintas são apresentadas a Israel e ao mundo árabe!

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Por Redação
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Ao vivo Ashraf Khalil e Batsheve Sobelman Los Angeles Times JERUSALÉM Não há nenhuma imagem visceral de guerra. Detalhes sobre soldados feridos são tratados com delicadeza. Cenas de sangue como as da carnificina do bombardeio, na terça-feira, de uma escola das Nações Unidas na Faixa de Gaza aparecem fragmentadas, e no contexto da análise sobre como o mundo vai reagir. No entanto, a cobertura do sul de Israel, onde foguetes lançados pelos militantes do Hamas mataram três civis israelenses e feriram dezenas de pessoas desde o início do conflito, em 27 de dezembro, é ininterrupta. Quando o ataque israelense entrou em seu 12º dia, na quarta, realidades divergentes entre o Estado judeu e o mundo árabe ficaram expostas na cobertura da mídia israelense. O Canal 10 israelense exibe o conflito ao vivo das cidades de Ashkelon, Sderot e Beersheva, ao sul, atingidas pelos foguetes. Quando alguns caíram em Beersheva, na noite de quarta - os primeiros a atingirem a cidade em vários dias -, o correspondente de uma rede de TV empenhou-se em estar lá. Depois que os projéteis caíram, sem causar danos, as câmeras voltaram-se para o local, mostrando uma pequena cratera e os bombeiros recuperando destroços da arma. Voltando a mostrar Sderot, o correspondente passou então a falar das preocupações dos moradores de que o governo iria concordar com um cessar-fogo muito em breve, sem destruir definitivamente a capacidade do Hamas de disparar foguetes. A população de Sderot, disse ele, "gostaria que (o Exército) continuasse e liquidasse com essa história de uma vez por todas". A opinião pública israelense apoia esmagadoramente a campanha de Gaza, e há uma crença generalizada de que o Hamas provocou esse banho de sangue para seu próprio povo. A cobertura da mídia de Israel reflete amplamente esse sentimento. "É algo que precisávamos fazer havia muito tempo. Não vai ser agradável, mas é necessário", disse Gabi Taub, professor de comunicações na Hebrew University. Um editorial publicado quarta no jornal de direita Jerusalem Post, resume: "Como devem se sentir os israelenses quando nossa artilharia atinge o edifício de uma escola das Nações Unidas, matando dezenas de pessoas? A resposta é: profundamente abalados, angustiados, tristes com essa catastrófica perda de vidas", diz o texto. "Mas não podemos nos culpar. O que nos deixa irados é que o Hamas nos forçou à guerra." Uma charge na edição de quarta-feira do jornal Maariv mostrava tanques israelenses em marcha, animados por três chefes de torcida - cada uma delas usando o logotipo de um dos três canais de notícias de Israel. Mas existem vozes divergentes também, especialmente no jornal de esquerda Haaretz, no qual os colunistas Gideon Levy e Amira Hass regularmente condenam o ataque a Gaza e a recusa de Israel em negociar. Num editorial intitulado "Felizes meus pais por não estarem vivos para ver isto", Amira Hass comparou a opinião pública israelense à "multidão urrando no Coliseu". Na TV , a guerra que está sendo vista pelos israelenses é algo estéril, pelo menos comparada às imagens sangrentas exibidas diariamente pelos canais árabes de satélite. De modo semelhante a seus pares americanos, os canais israelenses evitam mostrar sangue. Inversamente, a cobertura israelense se concentra nos soldados e suas famílias - o que provoca emoção num país onde o serviço militar é obrigatório e milhares de reservistas estão combatendo. Há momentos felizes também. Como as imagens exibidas num jornal televisivo de um comandante informando um dos soldados que sua mulher tinha acabado de dar à luz. Em seguida, o jornal cortou a cena para uma entrevista com a mãe da criança e uma faixa onde se lia "Mazel Tov" (congratulações). *** Foto-choque Jeffrey Fleishman e Raed Rafei Los Angeles Times CAIRO O rosto respingado de sangue, olhos fechados, boca semiaberta, parece que a criança está dormindo. Na realidade, está morta. A única coisa que se pode ver dela é a cabeça pendente entre as cinzas e os destroços. Em baixo a legenda: "Um dia de massacre em Gaza". Ela não tem nome, mas seu rosto, numa foto em preto e branco, exposta como uma bandeira do horror na primeira página do jornal saudita Al-Hayat, é inesquecível. Na Faixa de Gaza, Israel manobra com tanques sofisticados, mísseis e aviões. Mas a mídia árabe possui um poderoso arsenal de imagens, vídeos e declarações em off que retratam os palestinos como vítimas corajosas contra o agressor sedento de sangue. A guerra se trava no campo de batalha, mas as paixões são inflamadas pelas imagens. Basta assistir à rede Al-Jazira por satélite ou dar uma olhada nas revistas e nos sites islâmicos e a mensagem singular está clara: os muçulmanos estão unidos no sofrimento dos palestinos; nenhuma gota de sangue, nenhum grito desesperado de uma mãe, nenhuma metralhadora agitada para o alto, nem ruínas em chamas, nenhum par de sandálias colocado ao lado de um corpo sem vida deixam de ser gravados. É o cinema-verdade dos desvalidos, em que se alternam mártires, heróis e crianças atirando pedras contra o invasor. Inúmeras vezes apela-se para o romantismo e as palavras de ordem com expressões de desafio e resistência. Um editorial publicado na quarta-feira no jornal sírio Al-Watan falava às crianças de Gaza: "Ensinem-nos a ser homens porque aqui os homens tornaram-se massa. Ensinem-nos como podem pedras na mãos de crianças transformar-se em lindos diamantes... Ensinem-nos a arte de defender a terra". A Al-Jazira e outros veículos da imprensa árabe foram ficando mais objetivos em suas reportagens nos últimos anos, mas quando se trata de um conflito palestino-israelense, muitas vezes a uma cobertura equilibrada se sobrepõem as emoções e os relatos de funerais que se desenrolam em meio aos estrondos das explosões. As caricaturas dos jornais mostram o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, com nariz adunco e olhos pequenos, e a chanceler Tzipi Livni como uma espécie de nazista grotesca sobre um pedestal. E muitas vezes, aparecendo furtivamente como um Oz assustador, o rosto do Tio Sam, retratado como manipulador de fantoches e protetor do Estado judeu. Enquanto transmitia recentemente uma coletiva em que Livni discutia com uma delegação européia o direito de Israel a se defender dos foguetes do Hamas, a Al-Jazira dividiu a tela para mostrar crianças palestinas em camas de hospital - um subtexto nada sutil. A emissora usa expressões como "crimes de guerra" e "holocausto contra do povo palestino". Não são só israelenses e americanos que estão na berlinda. Os líderes árabes, principalmente os considerados títeres dos EUA, como o presidente egípcio Hosni Mubarak, foram fritados desde o início da ofensiva israelense, no dia 27 de dezembro. Mubarak foi duramente criticado por manter fechada a fronteira do Egito com a Faixa de Gaza. As imagens de jovens ensanguentados envolvidos em cobertas nos braços de irmãos ou de pais correndo com eles para um hospital seriam consideradas excessivas para a sensibilidade da audiência das emissoras ocidentais. Mas no mundo árabe, com governos impotentes para deter a incursão de Israel em Gaza, a arma é a imagem sem censura. Com o editorial do Al-Watan de quarta-feira sobre as crianças de Gaza há três fotos: um médico segurando uma menina morta com a boca semiaberta; um homem que corre segurando no colo uma criança com o pescoço coberto de sangue; e um homem sentado em desespero ao lado de uma pilha de crianças mortas enroladas na bandeira verde do Islã.

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