E depois vem o resto do mundo

A economia e as relações com China, Rússia e Oriente Médio são prioridades de Barack Obama para 2009

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Por Paul Kennedy
Atualização:

Já ficou perfeitamente claro, ao menos para este observador, que a equipe de Obama, por mais esperta, experiente e maravilhosa que seja, não pode concretizar todas as esperanças nela depositadas por americanos jubilosos, mas angustiados, e por multidões igualmente angustiadas, mas esperançosas no exterior. Este próximo presidente, no começo ousado e inspirador em seus discursos, depois cauteloso, reflexivo e avisado em suas reconsiderações, tem o temperamento para ser um grande líder. Ao mesmo tempo, porém, ele enfrentará uma lista extraordinária de problemas e desafios no momento em que os Estados Unidos e o mundo caminham para 2009. Barack Obama precisa saber também que terá de priorizar: ele não poderá ser todas as coisas para todas as pessoas, não poderá concretizar todas as esperanças, não poderá enfrentar todos os males da Terra. Se não tiver um foco, estará perdido. Duas áreas pedem uma atenção imediata e constante da administração Obama. Ele terá de dedicar uma boa parte de suas energias para resgatar e recuperar a economia americana e as redes comerciais e financeiras globais a ela interligadas; sem essa recuperação, estaremos todos com um problema grave. Mas Washington não pode se concentrar somente em assuntos econômicos, porque terá de dar uma grande atenção também à política global, isto é, às relações com uma China suscetível e em ascensão, com uma Rússia suscetível e cada vez mais debilitada (acreditem ou não), com o barril de pólvora do Sul da Ásia, os pavorosos campos minados árabes. Nosso novo presidente terá de avançar para o futuro com Adam Smith e John Maynard Keynes numa mão, e Carl von Clausewitz e sir Halford Mackinder na outra. Mas se um plano de recuperação socioeconômica nacional, mais economia global e geopolítica de grande potência global estão no centro das políticas de primeiro mandato de Obama, quais questões teriam de ser relegadas para segundo plano e empurradas para a periferia? A quais assuntos uma nova administração americana bem intencionada, enormemente otimista e altamente popular não poderá dedicar muita atenção ou recursos, embora tenha de reconhecer sua importância? A lista é longa e o espaço curto, por isso nos limitaremos às quatro áreas de política que, por relevantes que sejam para seus protagonistas, provavelmente não ficarão no topo da agenda da administração Obama. Todas são importantes, esta é minha impressão, mas duvido que qualquer uma delas receba atenção significativa. Como seria bom se eu estivesse enganado! Primeiro, América Latina. Sempre me espantei com a pouca atenção que os Estados Unidos dedicam ao resto do Hemisfério Ocidental, particularmente a nosso vizinho do sul, o México, mas também a nações importantes como Brasil e Argentina. Minhas visitas a esses três países nos últimos anos sugerem que existe um anseio generalizado em todo subcontinente por uma relação respeitosa, equilibrada, com seu primo ianque. Mas será que Washington dará muita atenção, além de uma ou duas visitas presidenciais simbólicas? Duvido. Nós não damos à América Latina a atenção que ela merece e seria admirável se Obama pudesse romper essa maneira de pensar. Segundo, África. Isso soa ridículo, eu sei. Toda a retórica da campanha do novo presidente sugere que o destino do continente onde ele tem raízes familiares está perto de seu coração e mente. Pode ser. Mas precisamente o que a nova administração pode fazer para auxiliar a África é um grande enigma. A melhor ajuda e mais imediata seria promover um forte aumento dos preços mundiais das commodities - café, amendoim, borracha, petróleo, madeiras nobres, fosfato - que reverteria o declínio de suas exportações, proporcionaria moedas fortes e salvaria empregos. Mas a depressão mundial corrente torna isso improvável - e os Estados Unidos preferem preços baixos para as commodities porque importam muitos desses produtos. Também seria maravilhoso se a administração Obama pudesse milagrosamente trazer paz e segurança para regiões conflagradas que, em pura extensão, são provavelmente duas vezes maiores que a Europa. Nenhuma outra potência externa poderia fazê-lo. Um comprometimento por dez anos de 250 mil soldados americanos, com toda retaguarda logística, poderia consegui-lo. Qual a possibilidade disso? Seria mais fácil um porco voar. Num período de dois ou três anos, até onde declinará a importância da África Central para a nova administração? Não estou sendo cínico, apenas realista. Se houver uma futura grande crise envolvendo Ucrânia ou Taiwan, quando é que o próximo subsecretário de Estado para a África conseguirá falar com o presidente, se é que vai conseguir? Terceiro, a reforma dos sistemas da Organização das Nações Unidas e de Bretton Woods. Bem, boa sorte. Todos podem ver que as estruturas internacionais econômicas, financeiras, políticas e de segurança de 1944 e 1945 estão defasadas neste século; na verdade, elas provavelmente já estavam defasadas em 1980. Um sistema de segurança global em que somente 5 de 192 nações têm privilégios especiais de participação permanente e de veto (o Conselho de Segurança da ONU) e 3 desses 5 estão vivendo um relativo declínio secular prolongado - Grã-Bretanha, França e, convenhamos, a Rússia farsesca de Putin - é um absurdo. Como os Cinco Permanentes não abrirão mão de seus poderes, ao menos poderiam permitir que Índia e Brasil entrassem no seu clube. Mas isso provavelmente não terá destaque na lista de urgências da nova equipe administrativa de Washington. Tampouco poderá haver alguma mudança significativa no equilíbrio de poder no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI), espertamente instalados na Rua 14 NW no centro de Washington; os EUA gostam da situação atual gerada por Bretton Wood. Evidentemente, Obama encorajará o Banco Mundial a ajudar os 60 países mais pobres do mundo, e instigará o FMI para ser gentil com a Islândia. Mas esse não será um item de peso. Quanto a outras reformas da ONU - melhor cooperação para manutenção da paz, melhoria de técnicas de desenvolvimento -, sim, ótimo, mas não precisamos nos preocupar com isso. Quarto, Europa, a União Européia (UE), relações transatlânticas em geral. Essa conclusão pode provocar reações em Berlim, Roma, Londres e Paris (o que não provoca reações em Paris?), mas suspeito que o êxtase pan-europeu provocado por Obama - lembram-se dos 200 mil fãs no Portão de Brandemburgo? - não levarão a uma identificação recíproca da Europa como a estrela-guia da futura estratégia e política externa americana. A Europa está bem como está. Ela não é um problema, como China, Rússia, Oriente Médio, Irã. Ela é cada vez menos importante como ajuda nos campos estratégico e militar. Ela é definitivamente importante em termos de coordenação econômica, mas esta é feita melhor de Nova York que do Distrito de Colúmbia. Em poucas palavras, o apreço extraordinário que a Europa tem por Obama provavelmente não será correspondido por sua própria estima pela Europa, embora possivelmente ouviremos, nos próximos anos, muitos belos discursos sobre a relação sólida e duradoura. Mas o novo presidente terá preocupações muito mais importantes. Portanto, os especialistas estão certos: salvar a economia americana e preservar a ordem geopolítica terão de ser as prioridades gêmeas da nova administração Obama. O resto, mesmo campos importantes como África, América Latina, Europa e ONU, vem um pouco atrás. Aqueles maravilhosos e cínicos diplomatas franceses do passado reconheceriam isso. Como era mesmo aquela expressão deles? Gouverner c´est choisir: governar é escolher. Sempre foi assim. *Paul Kennedy é professor de história na Universidade de Yale e autor, entre outros, de Ascensão e Queda das Grandes Potências (Campus). Atualmente, está escrevendo uma história da 2.ª Guerra Mundial

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