É possível calar essas vozes?

Países com regimes autoritários tentam, em vão, bloquear a internet, enquanto aprendem a usá-la a seu favor

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Por John Palfrey , Bruce Etling e Robert Faris
Atualização:

Rezar para hoje às 4 da tarde a Praça Toopkhane se transformar num mar de verde, na maior manifestação dos últimos 30 anos, Mousavi ESTARÁ PRESENTE (#)eleição iraniana

 

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A mensagem, postada no Twitter na manhã de quinta-feira, é uma das inúmeras que surgiram com a Revolução Iraniana Versão 2009, em que o namoro entre os jovens da elite deste país e as mais recentes tecnologias da internet transformou o impasse de outro modo apavorante que se vê nas ruas de Teerã numa história prazerosa.

 

De fato, a revolução está sendo comentada em blogs, no Twitter, no Facebook - e não apenas em Teerã. O blogueiro Andrew Sullivan contribuiu para despertar todo este estardalhaço cibernético com sua mensagem datada de 13 de junho - "a Revolução será divulgada pelo Twitter?" - na qual ele dizia que a utilização dessa plataforma significa que "não dá mais para segurar as pessoas. Não dá mais para controlá-las". E depois que o Departamento de Estado pediu ao Twitter que adiasse a manutenção prevista para a semana passada, a fim de que esta linha de comunicação entre o Irã e o resto do mundo permanecesse aberta, um dos fundadores da companhia, Biz Stone, postou uma mensagem meio acanhada, quase congratulando-se consigo mesmo, no seu blog: "Nos faz sentir humildes o fato de pensar que nossa companhia, criada há apenas dois anos, possa desempenhar um papel tão importante em termos globais e que as autoridades tenham chegado a destacar a nossa importância".

 

Não há dúvida de que assistimos ao surgimento de uma nova e poderosa força. Cidadãos que antes não tinham voz em público usam agora os recursos baratos da internet para falar ao mundo sobre o drama que se desencadeou desde que o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi declarado o vencedor das eleições presidenciais, resultado que muitos contestam. Na semana passada, o governo conseguiu coibir o emprego da internet e das mensagens de texto, mas o Twitter demonstrou que é quase impossível bloqueá-lo. O termo de busca mais comum no Twitter foi durante dias "#eleiçõesiranianas" - o "hashtag" (forma de organizar os tópicos) das discussões sobre o Irã -, enquanto a imprensa internacional dependia e continua dependendo das informações e das imagens divulgadas por cidadãos via Twitter.

 

Mas, apesar de todas as suas promessas, existem limites precisos para o que Twitter e outras recursos da internet, como o Facebook e os blogs, podem fazer por cidadãos de sociedades autoritárias. Os 140 caracteres permitidos em um tweet não representam o fim da política como a conhecemos - e às vezes podem até se revelar um instrumento útil para os regimes autoritários. Por maior que seja a sua profusão, os tweets não podem obrigar os líderes iranianos a mudar seu curso, como o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do país, deixou claro na função religiosa da sexta-feira em sua dura repreensão aos manifestantes. No Irã, como em qualquer parte do mundo, se uma verdadeira revolução se desencadear, terá de ser offline.

 

Em primeiro lugar, a própria arquitetura interna do Twitter impõe limitações ao ativismo político. Há tantas mensagens pipocando a cada momento que será difícil que uma, especificamente, seja ouvida. E o limite de 140 caracteres - que constitui em parte o charme do serviço e o segredo do seu sucesso - restringe um argumento bem sustentado e suas nuances. De fato, "dê-me a liberdade ou então dê-me a morte" totaliza 41 caracteres, mas todo o discurso de Patrick Henry (um dos líderes da Independência americana) ultrapassou as 1.200 palavras. O mais emocionante é o efeito desse discurso em sua totalidade e o que ele revela a respeito do espírito do momento, mas ele se dirige a uma população de usuários ricos, que falam inglês e de bom nível acadêmico. O mesmo se aplica à blogosfera e às redes sociais como o Facebook.

 

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Em segundo lugar, os governos ciosos do seu poder também podem usar o ciberespaço para reprimir quando se sentem ameaçados. O Estado iraniano tem uma das censuras online mais formidáveis do mundo. Somente na semana passada, as autoridades bloquearam o acesso ao YouTube, ao Facebook e à maioria dos sites mais citados pelos segmentos reformistas da blogosfera farsi. Reforça essa censura com a vigilância e a ameaça de prisão a quem se manifesta. Mesmo que o governo não consiga bloquear o discurso político ou a organização social, a possibilidade de retaliação futura pode apavorar os ativistas e os críticos mais devotados.

 

Paradoxalmente, a "liberdade de gritar" online pode na verdade até mesmo ajudar os regimes autoritários, servindo de uma espécie de válvula de escape política. Quando a dissensão é canalizada no ciberespaço, pode manter os manifestantes longe das ruas e ajudar as forças de segurança do Estado a perseguir ativistas políticos e as novas vozes online. Como disse na semana passada o ativista egípcio Saad Ibrahim, em defesa da democracia durante uma discussão no Instituto da Paz em Washington, isso parece fazer parte de uma longa tradição dos governos do Oriente Médio, principalmente no Egito, onde as divergências são canalizadas para as universidades e podem até florescer, desde que nunca ultrapassem os muros dessas instituições.

 

Em terceiro lugar, a blogosfera não está limitada a ativistas jovens, liberais, contrários ao regime; os simpatizantes do Estado mostram-se cada vez mais ativos na briga pela supremacia online. Nossa pesquisa na blogosfera iraniana mostra que os conservadores políticos e religiosos estão tão em evidência quanto os críticos do regime. Embora a blogosfera iraniana seja, na realidade, o foro no qual as mulheres falam dos seus direitos, os jovens criticam a polícia da suposta moralidade, os jornalistas lutam contra a censura, os reformistas pressionam pela mudança e os dissidentes exigem a revolução, é também o foro em que se elogia o líder supremo, se nega o Holocausto, se defende a Revolução Islâmica e se celebra o Hezbollah. É ainda o foro em que os grupos de estudantes islâmicos se mobilizam e líderes favoráveis ao establishment, como o presidente Ahmadinejad, procuram o contato com o seu eleitorado. Nossa pesquisa mais recente sugere que, no ano passado, o número e a popularidade dos blogueiros islâmicos e politicamente conservadores cresceram em relação ao dos reformistas seculares, talvez em razão dos acontecimentos que levariam às eleições presidenciais.

 

O bate-papo online tem um valor enorme por oferecer uma janela para uma sociedade que, de outro modo, ficaria fechada. Mas, no Irã, grande parte das conversações pela internet não tem absolutamente nada a ver com política ou revolução. A religião é o tema principal dos blogueiros - e não necessariamente a política da religião, e sim seus aspectos históricos, teológicos e pessoais. E qual é o tema mais frequentemente discutido nos blogs iranianos? A poesia.

 

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Os regimes autoritários também estão impacientes por utilizar a internet para difundir sua própria marca de ativismo político. No Irã, por exemplo, a Basiji, uma força paramilitar voluntária sob a autoridade da Guarda Revolucionária, prometeu criar 10 mil blogs para combater o que definiu como elementos estrangeiros que tentam promover a revolução online. (A iniciativa acabou fracassando.) Os partidários do governo também realizaram ataques cada vez mais sofisticados a sites populares em farsi, por considerar que não defendiam suficientemente o governo ou não criticavam as ações de Israel na Faixa de Gaza, no inverno passado.

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Na Rússia, pessoas que apoiam a renovada afirmação geopolítica do país lançaram ataques online a críticos do governo. Durante a Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004 e 2005, os sites dos que protestavam foram invadidos e temporariamente fechados. O mesmo aconteceu em 2007 com os sites oficiais do governo e dos bancos na Estônia, depois que o governo do país decidiu mudar um monumento da era da Guerra Fria, que homenageava soldados soviéticos, de lugar. Imediatamente antes do conflito do ano passado entre a Rússia e a Geórgia, foram realizados os chamados DDOS (Distributed Denial Of Service, ou ataques de negação de serviço) contra sites do governo georgiano. É quase impossível saber quem é responsável por estes atos, mas, na Estônia, o movimento da juventude Nashi, pró-Kremlin, reivindicou a responsabilidade pelos ataques.

 

Na China, o governo ajudou a treinar e financiar um grupo que se infiltrou nas salas de bate-papo chinesas e em fóruns da internet a fim de combater as discussões contrárias ao partido. Chamados em seu conjunto de "partido dos 50 cents", por causa do pagamento que supostamente recebem para cada postagem favorável ao governo, esses policiais cibernéticos procuram boletins populares e tentam torcer as discussões que poderiam criticar o Partido Comunista ou a política do governo.

 

E, apesar disso, as conversas no Twitter continuam. Enquanto países como o Irã reprimem os discursos e a organização online, os assíduos da internet encontram maneiras de burlar os controles estatais. No Irã, assim como na China, Mianmar e em partes da ex-União Soviética, está ocorrendo um verdadeiro processo "liga e desliga", em que os cidadãos falam e o Estado reprime.

 

Evidentemente, os governos sempre têm uma espécie de opção nuclear a respeito da rede: fechá-la e mantê-la fechada. Foi o que aconteceu em Mianmar quando os monges foram para as ruas em 2007. É a política usada pela Coreia do Norte e por Cuba, onde poucos têm acesso à internet, em geral para fins muito limitados.

 

No entanto, a maioria dos governos autoritários parece mais ambivalente. Eles temem as repercussões políticas do amplo uso da internet, mas temem também as consequências econômicas e políticas de uma proibição ainda mais rigorosa.

 

Basta ver o bloqueio e desbloqueio constante do Facebook no ano passado, no Irã. Quando o site funciona, os cidadãos usam-no como uma ferramenta efetiva de organização em favor do candidato da oposição - no caso atual, os 65 mil integrantes do grupo favorável a Mir Hossein Mousavi. O Estado então começa a se irritar com a força dessa ação coletiva e bloqueia o acesso ao Facebook. Depois de algum tempo, muitas pessoas reclamam porque a proibição é suspensa para em seguida voltar a vigorar.

 

O mesmo acontece na China, onde nos últimos quatro anos, a Wikipedia foi bloqueada e desbloqueada, e onde recentemente o Twitter e o YouTube foram fechados por ocasião do 20º aniversário da repressão na praça de Tiananmen.

 

Então, quem vencerá? Estarão os regimes militares dispostos a conceder ao seu povo a autonomia decorrente do acesso irrestrito à internet? Ou estes regimes submeterão a rede à sua vontade exercendo a censura, a vigilância e a propaganda?

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Com tantos indivíduos capazes de burlar os esforços do governo para bloquear a comunicação online, particularmente através do Twitter, é surpreendente que o governo iraniano não tenha fechado completamente o acesso à internet. Do mesmo modo, como descobrimos em nosso recente estudo da blogosfera árabe, o governo egípcio tolera uma ampla atividade dos blogs por parte da Irmandade Muçulmana, e proíbe suas outras atividades. Os chineses abrandam frequentemente suas normas mais rigorosa sobre o uso da rede, ao longo do tempo. E a junta militar de Mianmar não mantém a internet desligada por muito tempo. Recentemente, quase todos esses regimes preferiram deixar a internet mais aberta do que fechada, e depois trataram de regulamentar atividades específicas que consideram perigosas.

 

Afinal, parece que as pessoas que vivem em regimes autoritários como o do Irã são tão viciadas em internet quanto todos nós. Muito embora em geral os governos reprimam, não podem manter a internet fechada por muito tempo sem uma forte reação dos cidadãos. As autoridades iranianas têm o poder de fechar a internet da mesma maneira como já fecharam os jornais reformistas, mas talvez estejam mais preocupados agora com a possibilidade de que qualquer ação empurre aqueles que estão apenas assistindo - ou blogando ou twittando - para junto das multidões de manifestantes que já estão nas ruas.

 

*Os autores do artigo, publicado originalmente no Washington Post, são pesquisadores do Centro Berkman da Universidade de Harvard a respeito de Internet & Sociedade

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