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Economista Eduardo Giannetti lança 'Trópicos Utópicos'

‘Trópicos Utópicos’, do economista Eduardo Giannetti, fala da utopia mobilizadora da alma brasileira, avessa ao culto do bezerro de ouro

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Por Antonio Gonçalves Filho
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  Foto: GABRIELA BILO | ESTADAO CONTEUDO

Antônio Gonçalves Filho

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O professor e economista mineiro Eduardo Giannetti, 59 anos, após publicar sete livros – dois deles premiados com o Jabuti –, chega ao oitavo com uma mensagem otimista para a nação, a de que existe, sim, uma utopia mobilizadora da alma brasileira capaz de confirmar a profecia do escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) – a do Brasil como o país do futuro. Seu livro, Trópicos Utópicos, que será lançado amanhã, 27, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2.073), é bem diferente da última obra literária de Giannetti, A Ilusão da Alma (2010), estreia do autor na ficção, até porque, desta vez, trata-se de uma obra ensaística.

A Ilusão da Alma é um romance sobre a paixão pelo saber, em que um professor solitário fica ainda mais esquivo após a retirada de um tumor cerebral. Já Trópicos Utópicos é um livro para levantar os ânimos, uma reunião de 124 micro ensaios sobre os três mitos da modernidade – ciência, tecnologia e crescimento econômico – e os impasses advindos da crença desmedida neles. Para finalizar, a quarta parte do livro apresenta um esboço da utopia de Giannetti.

Na contramão dos estudos que analisaram a identidade do Brasil com base em nossas raízes – e, portanto, retrospectivos –, Giannetti propõe um exercício prospectivo. Só para lembrar: Fellini, o cineasta autor de A Doce Vida, dizia que o verdadeiro realista é o visionário. Giannetti, economista, apresenta suas credenciais, transitando no mundo do PIB com a mesma facilidade com que pisa no território da filosofia e da antropologia.

O desafio a que se propôs foi descobrir como o Brasil pode confrontar os mitos da modernidade e apresentar ao mundo dos “poderosos civilizados” um modelo alternativo de vida, uma existência de justa medida, em que a razão apolínea possa conviver pacificamente com a paixão dionisíaca dos nativos e africanos que contribuíram para a formação cultural do povo brasileiro.

Surpreende que um professor com uma biblioteca tão organizada, em que até mesmo um estranho pode localizar em cinco segundos onde está Diderot, Nietzsche ou Schopenhauer, volte-se para as culturas pré-modernas. Caberia a natureza nesse mundo erudito? A resposta está no próprio processo de elaboração do livro, escrito em Minas, onde nasceu o autor, que testemunhou em Tiradentes o renascimento de uma área verde que julgava condenada, na serra de São José, impressionante vitória contra a degradação ambiental graças à ação da comunidade local.

“A biodiversidade da nossa geografia e a sociodiversidade da nossa história” são, segundo ele, “os principais trunfos brasileiros de uma civilização em crise”. É preciso, diz Giannetti, que o Brasil abandone a ideia de não poder ser original e sempre mimetizar o modelo estrangeiro, a começar pelo culto irracional do PIB como métrica do sucesso – “O Brasil, aliás, se arruinou por causa dessa métrica”, arremata. Para isso, recomenda que “seja preservada a chama da vitalidade iorubá filtrada pela ternura portuguesa”, não dispensando a disposição tupi “para a alegria e o folguedo”. Evocação do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade? Sim, admite o professor, acrescentando à genealogia dos “canibais” modernos que mais o influenciaram os antropólogos Darcy Ribeiro, Eduardo Viveiros de Castro e Antonio Risério.

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Giannetti concedeu esta entrevista justamente no dia em que A Utopia, de Thomas More, completou exatos 500 anos, livro inspirador de socialistas utópicos como Proudhon. “O que ele propõe é que nos dediquemos mais à utopia prospectiva, algo que os ingleses no Renascimento fizeram muito bem, de Francis Bacon ao próprio More”, avalia. “Nos EUA, durante a Grande Depressão, nasceu a utopia do sonho americano, mas, no Brasil, tivemos Oswald de Andrade, o mais ousados dos utopistas”, diz, referindo-se ao desdobramento do manifesto canibal do agitador paulista, que propôs deglutir a herança cultural europeia.

O legado de Oswald foi além do tropicalismo na música, no teatro e nas artes visuais, ao resgatar uma língua não catequizada e o valor das culturas ameríndias, embora tivesse pouco ou nenhum contato com ela, como ressalva o próprio Giannetti. Em todo caso, o Novo Mundo, segundo o economista, foi “palco da mais colossal e ousada experiência transcultural na história universal”. A violência do conquistador foi brutal, tanto na América ibérica como anglo-saxônica, mas o autor observa que ela é distinta, na medida em que os portugueses “já tinham um contato de oito séculos com pessoas de pele escura”. Os jesuítas, além disso, mostraram maior empatia com os indígenas que os puritanos protestantes ingleses, conclui. “Não sem razão, a despeito de toda a violência, os portugueses aderiram aos valores da cultura negra, a tal ponto que os deuses africanos sobreviveram aqui, e não nos EUA”.

Esse é outro ponto que coloca Giannetti em choque com seus contemporâneos. Assim como Wittgenstein implicou com James Frazer ao criticar sua análise dos rituais primitivos, Giannetti implica com a defesa intransigente do cientista Richard Dawkins de uma interpretação exclusivamente científica do mundo, expurgando Deus (ou deuses) dessa história. “Wittgenstein, aliás, costumava dizer que, mesmo que todas as questões científicas fossem respondidas, a ciência não responde a questões morais ou explica a morte”, lembra. “Não gosto de Dawkins, pois ele transforma a ciência na mais obtusa das religiões”, justifica. “E ele não é um caso isolado num mundo dominado pelo cientificismo raso”, acrescenta.

Giannetti revela ter “alergia” à religião como instituição, mas, entre Darwin e Deus, fica com os dois – o naturalista britânico, lembra, levava a sério questões espirituais. Quando vai para Minas, o autor parece que fica mais perto do Criador, ou, pelo menos, do que considera ser a paz celestial de que falava Valéry num texto de 1935, em que já alertava para o desaparecimento do ócio interno – e bem distante do lazer cronometrado. A degradação da sensibilidade do homem moderno é o que mais preocupa Giannetti, ao criticar a “lógica competitiva e calculista do mundo do trabalho”. Estamos, segundo ele, perdendo “alguma coisa muito valiosa da dimensão da vida, aquilo que Rousseau chamava de disposição lúdica e amável, que os povos europeus não têm mais e que intriga todos os viajantes que chegam aos trópicos”.