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Economista propõe sistema 'mais socialista que Marx e mais livre mercado que Friedman'

Imaginando mecanismos inovadores, 'Mercados Radicais', de Glen Weyl e Eric Posner foge das respostas tradicionais de esquerda, direita e centro

Por Guilherme Evelin
Atualização:

Uma temporada no Rio de Janeiro ajudou a iluminar as ideias de um dos livros mais ambiciosos da safra recente de obras sobre a crise da democracia liberal, a estagnação econômica pós-2008, a ascensão das desigualdades e de líderes populistas e autoritários. Coautor de Mercados Radicais, recém-lançado no Brasil, o economista norte-americano Glen Weyl passou alguns meses do verão de 2007 na zona sul carioca. Aluno do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, seu orientador na universidade Princeton, nos Estados Unidos, Weyl veio ao Rio para acompanhar a mulher Alisha Holland, especialista em políticas urbanas na América Latina, num trabalho de pesquisa.

Glen Weyl, economista da Microsoft e pesquisador visitante da Universidade Princeton, coautor de 'Mercados Radicais' Foto: Fábio Motta/Estadão

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Como havia muita alegria e diversão, o trabalho não foi muito produtivo, disse Weyl ao Estado, numa manhã de uma sexta-feira recente em que esteve em São Paulo para o lançamento do livro. Mas a observação das incríveis belezas naturais do Rio, do contraste da concentração de riquezas no Leblon com a miséria nos morros atulhados de favelas, da violência e do desperdício de recursos (“há mais lojas de colchões em Copacabana do que em toda a Nova York”) rendeu. As férias ajudaram Weyl a ver o Rio como um espelho de problemas globais e a pensar num sistema social que seja “ao mesmo tempo mais socialista e mais livre mercado do que Karl Marx e Milton Friedman jamais imaginaram”. A proposta para uma sociedade menos desigual, mais democrática e com maior crescimento econômico defendida em Mercados Radicais, como diz o título do livro, é radical. Ela foge das respostas tradicionais de esquerda, direita e centro que, segundo Weyl e seu colega Eric Posner, coautor e professor de Direito da Universidade de Chicago, perderam total substância para responder aos desafios do mundo de hoje. 

Para superar o atual quadro de “estagdesigualdade” – como chamam a fase atual do capitalismo, de crescimento econômico mais lento com desigualdades crescentes – Weyl e Posner defendem uma “radicalização dos mercados”– “ainda a melhor maneira de organizar a sociedade”, dizem os autores. Eles se dissociam, porém, dos “fundamentalistas do mercado”, os defensores das políticas neoliberais que predominaram a partir dos anos 1980 e levaram à concentração dos mercados e à diminuição da competição. Para “radicalizar os mercados”, defendem um sistema em que a propriedade deixa de ser privada e passa a ser percebida como um bem comum da coletividade. O filósofo francês Pierre Joseph-Proudhon, pai do anarquismo, dizia no século 19 que a propriedade privada é um roubo. Weyl e Posner caracterizam a propriedade privada como um “monopólio”. Por ser um monopólio, dizem os autores, gera desigualdades e atrapalha o desenvolvimento econômico. 

Eles imaginam um sistema em que todos os indivíduos mantêm um registro público dos seus bens, com o valor livremente fixado pelos proprietários. Há, porém, duas importantes condições. Sobre o valor total dos bens, é cobrado um imposto, uma espécie de IPTU. Mais importante: o proprietário deve estar pronto para vender obrigatoriamente seus bens caso apareça algum comprador que ofereça um valor maior do que o registrado por ele. Nesse sistema de “leilão perpétuo”, segundo argumentam Weyl e Posner, os indivíduos são incentivados a declarar seus bens pelo seu real valor para não perdê-los. 

O sistema, batizado pelos autores de COST, oferece, segundo eles, várias vantagens: pode redistribuir renda ao propiciar a arrecadação de um imposto para financiar, por exemplo, um fundo para renda universal básica; e garante a alocação dos bens para os indivíduos que possam fazer melhor uso produtivo deles. Como observou o economista brasileiro Edmar Bacha, entusiasta do livro, no sistema imaginado por Weyl e Posner, os capitalistas deixam de ser proprietários e viram posseiros.

Abolir a propriedade privada, que muitos associam não apenas ao capitalismo, mas à própria ideia da civilização, não é a única proposta revolucionária defendida por Mercados Radicais. Seus autores levam a ideia de radicalização dos mercados a outros campos, como os sistemas eleitorais. Para defender as minorias da tirania das maiorias, um problema que tende a crescer com a emergência do fenômeno das “democracias iliberais”, eles defendem a revogação do sistema eleitoral baseado no princípio de “uma pessoa, um voto”. 

No seu lugar, propõem um sistema chamado por eles de voto quadrático, em que os eleitores podem comprar “créditos de opinião” para exprimir a intensidade de suas preferências. A ideia é que um eleitor devotado, por exemplo, às questões ambientais possa ter mais peso do que um indiferente ao tema num referendo sobre o assunto e possa até “comprar” votos adicionais para ter maior influência na votação. Para impedir também a imposição de maiorias artificiais, cada voto a mais terá um custo maior, calculado por uma função baseada na raiz quadrada – daí o nome de “sistema quadrático”. 

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Para lidar com a questão da imigração, candente nos países desenvolvidos, Weyl e Posner propõem um sistema em que os cidadãos comuns possam cobrar pela concessão de vistos a migrantes de países mais pobres. Tal sistema, segundo os autores, daria aos imigrantes a oportunidade de salários maiores do que em seus países de origem, ao mesmo tempo que seus anfitriões nos países desenvolvidos perceberiam de forma mais direta as vantagens econômicas da imigração, com o aumento da renda pessoal. Eles pregam que isso ajudaria a dissipar a xenofobia entre os trabalhadores de menor renda que veem os imigrantes como concorrentes no mercado de trabalho.

Mercados Radicais foi considerado um dos melhores livros de 2018 pela revista The Economist, bíblia mundial do liberalismo. Para Edmar Bacha, a importância da obra se compara à do best seller O Capital no Século XXI, do economista francês Thomas Piketty. “O grande diferencial do livro é que ele ultrapassa a dicotomia tradicional entre Estado e mercado, entre economistas neoliberais e intervencionistas, e estabelece uma nova dicotomia entre mercado e propriedade privada”, disse Bacha ao Estado. Ele ressalta outro aspecto do livro. “Suas propostas não são produtos de achismo ou de heterodoxia. Ao contrário, elas estão totalmente fundamentadas na melhor teoria econômica.” O livro causou sensação particularmente na comunidade que vive na fronteira tecnológica das realidades virtuais, inteligência artificial e criptomoedas. Weyl, que também é pesquisador da Microsoft, foi recentemente incluído pela revista Wired na lista das 25 pessoas à frente das transformações tecnológicas que vão impactar a vida das próximas gerações. Por seu caráter um tanto utópico e excêntrico, o livro mereceu também críticas. Algumas de suas propostas foram vistas como uma tentativa de restabelecer “a servidão moderna”, como no caso da ideia de permitir a trabalhadores que cobrem pela entrada de imigrantes. Outras são vistas como simplesmente impraticáveis. “O livro tem ideias interessantes, mas propõe soluções inviáveis.

Ignora, por exemplo, como as pessoas podem se sentir desconfortáveis com a noção de que seus bens podem ser arrematados a qualquer momento por alguém com mais dinheiro”, diz a economista Monica de Bolle, tradutora brasileira do livro de Piketty. Ela acha despropositada a comparação entre as obras. “O livro do Piketty teve um impacto político enorme porque trata de um problema real. Mercados Radicais ignora a política e a economia comportamental. Confere um poder mágico à racionalidade dos mercados, quando, na verdade, as pessoas, frequentemente, não tomam decisões racionais.”

Weyl dá de ombros para essas críticas. Ele rechaça que o livro seja utópico, embora radical. Lembra que o governador da Califórnia, o democrata Gavin Newson, apresentou recentemente uma nova proposta de legislação, baseada nas ideias do livro, para cobrança das empresas de tecnologia de pagamentos de dividendos pelos uso dos dados digitais. Aponta também a existência de mais de cem startups em todo o mundo mobilizadas em torno das ideias do livro para sustentar que sua obra seja talvez a de maior impacto recente na vida das pessoas. Segundo ele, o livro de Piketty tem um trabalho empírico importante e “insights interessantes”, mas não serve como guia de mobilização para a transformação da realidade.

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A autoconfiança de Weyl tem a ver com sua trajetória. Aos 34 anos, nascido em Palo Alto, na Califórnia, berço do Vale do Silício, ele foi uma espécie de “garoto prodígio”. Aos dez anos, conta, era um militante socialista radical. Depois mudou de lado e abraçou as ideias de Ayn Rand, a filósofa libertária americana de origem russa. Aos 13 anos, Weyl escreveu uma carta a Milton Friedman, a quem ele chama de “herói”. Friedman, segundo conta, lhe respondeu, perguntando se, de fato, tinha 13 anos porque as ideias expostas na carta pareciam mais de um adulto de 23 anos. Segundo Scheinkman, Weyl foi o melhor aluno de graduação que passou por suas aulas em Princeton.

A despeito da polêmica sobre a viabilidade das suas propostas, a melhor forma de ler Mercados Radicais talvez seja, como sugere Monica de Bolle, como uma obra de filosofia política, que discute com desassombro ideias tanto liberais quanto socialistas. Antes de economista, Weyl se define como um “tecnólogo social”, alguém preocupado em criar inovações sociais. Ele avalia que a raiz da crise da democracia está no fato de que a tecnologia evoluiu, mas as instituições políticas e sociais, não. “A crise do liberalismo, no fundo, é uma crise de ideias. O liberalismo não foi socialmente inovador de modo a se manter pari passu com a inovação tecnológica. E isso está criando grandes desigualdades, um monte de descontentamento.” 

Para consertar isso, ele diz que a solução não é voltar “às ideologias falidas do passado como o nacionalismo e o socialismo de Estado”. Ele prega ousadia para escapar das soluções tecnocráticas. “As mudanças incrementais, mas que parecem práticas, são as mais impraticáveis, nos tempos atuais em que as pessoas estão procurando por coisas diferentes. Quão bem vão os políticos práticos e incrementais no mundo? Como foi Geraldo Alckmin nas eleições brasileiras? As pessoas precisam de uma visão, que lhes deem esperança e que lhes inspirem, ao mesmo tempo que lhe deem ações práticas que possam ser tomadas na direção dessa visão.” Ainda que Mercados Radicais não tenha a fórmula para a saída da crise, não há dúvidas de que essa petulância intelectual ajuda a injetar fôlego novo e a chacoalhar o debate. 

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