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Ele é amigo do rei

Por Monica Manir
Atualização:

Ele foi-se embora pra América. Lá foi ser amigo do rei. Yes, do Pelé. E da Gisele, a Bündchen. E da Naomi, do Coppola, da Mariah Carey, da Raica, do De Niro, do Raul Boesel e até do Silvio, o Santos. Conta João de Matos que, em 1976, época de vacas esturricadas, Silvio lhe emprestou 5 mil "dólar". Emprestou, não. Deu a grana, porque nunca a quis de volta. João morava em Nova York e fazia uns bicos para o apresentador comprando eletroeletrônicos na Rua 46. Com o dinheiro, entrou de sócio na Bacc (Brazilian American Cultural Center), centro de divulgação da cultura brasileira com escritório em Manhattan. O negócio virou uma agência de viagens, que se multiplicou em outras duas, mais três restaurantes e um jornal. A coisa deslanchou num tanto que João ficou, assim, milionário. "Pergunta pro Silvio dessa história do empréstimo. Ele vai te atender. É só falar que é para uma matéria sobre o João de Matos", diz o próprio. Silvio não foi localizado, mas a história dá um pouco da medida de como João enxerga João: um PR, public relations, que tem ótimas relações públicas com Deus e uma série de celebridades. O paulistano nascido no Brás há 60 anos costuma anunciar sua facilidade para ser bem-quisto na alta-roda - e na baixa também. No último Brazilian Day, que arrebanhou mais de 1,5 milhão de pessoas na 46 e na vizinhança, João levou vários tapinhas nas costas por coordenar a maior festa étnica dos Estados Unidos. Até o chefe de polícia deu congratulations pela organização, que não teria registrado nenhuma ocorrência grave, a não ser prováveis atrações entre policiais americanos e brasileiras. João enumera mais de dez casamentos do gênero de quem se conheceu no evento. O compadrio marca a trajetória de João desde que chegou a Miami, em 1965, com uma carta de chamado de responsabilidade. Um amigo mandou o tal documento para o consulado, com um comprovante de imposto de renda, dizendo-se responsável pelo sustento de João no estrangeiro. Entrou legalizado, mas não migrou pensando em ficar. O adolescente de menos de 18 anos queria era voltar com um Mustang a tiracolo o mais velozmente possível. "Depois de seis meses nos Estados Unidos com o carro, poderia trazê-lo de volta sem pagar nenhuma taxa", lembra. Como lei também muda nos EUA, aquela mudou. O prazo se ampliou para cinco anos e João foi-se deixando ficar na outra civilização. Primeiro lavou pratos numa cozinha que servia companhias aéreas. Dali foi alçado a motorista de caminhão da mesma empresa, levando comida para aeroportos. Dez meses depois, às vésperas de embarcar ele mesmo pra casa, decidiu conhecer Los Angeles. Chegou de carro com uns amigos, doido para conhecer pop stars. Viu show ao vivo dos Beatles, ajudou a levantar do chão um Jim Morrison bêbado. A luz do dia, porém, não trazia tanto glamour. João operava máquinas numa fábrica de isopor. Ficou, obviamente, amigo do dono. Ainda assim, foi insultado por um gerente, que o chamou de burro e wet bag. A expressão (saco molhado) cunhava os mexicanos que atravessavam a fronteira a nado. "Mexicano, brasileiro, não falava inglês, era wet bag." O gerente mexeu com seus brios. João resolveu fazer um curso em Los Angeles de técnico em plásticos, assumindo o cargo do algoz um ano depois. "Tinha mais de 180 empregados que eu tomava conta." E esboça um longo "éééééé...", como que dizendo "é, minha cara", lustrando o ego empreendedor. Nesse meio-tempo dona Crescência quase morreu de preocupação com o filho, que não mandava notícia. Catou o moleque cabeludo para um tempo no Brasil, que durou a transmissão da Copa de 70. De volta aos States, João cimentou os pés em Nova York. Acelerou um táxi e depois uma van de sua propriedade até receber o dinheiro de Silvio Santos e entrar em sociedade na Bacc com o mineiro Benito Romero, promotor de eventos havia quase uma década na cidade. Depois de um ano, a relação azedou. "Entendo que a associação mudou seu propósito de intercâmbio cultural e virou apenas uma agência de viagens", afirma Romero, que está prestes a inaugurar a Casa do Brasil, ONG que se propõe a ser "uma porta aberta para a cultura brasileira em Nova York". Benito, de fato, não acalenta grande afeto por João. "Às vezes o dinheiro sobe à cabeça das pessoas, elas se esquecem do caminho por onde passaram." Pelo menos para Nossa Senhora de Fátima, João reconhece que não tem apenas aliados neste mundo. Toda manhã, antes de ajustar o nó da gravata, pede à santa saúde para si, para os amigos e para os inimigos. Também deve rogar por sorte na vida, porque foi num golpe do tipo que alavancou a Bacc. João fez um acordo com a Varig numa época em que a companhia estava em crise por causa do acidente de 1979 com um DC-10 da American Airlines que caiu logo após decolar de Chicago, quando 273 pessoas morreram. Passado o aperto, a Varig deu preferência a João com comissões acima do mercado. John, como é conhecido no Hemisfério Norte, hoje oferece preços convincentes a quem deseja viajar para o Brasil, seja nativo, seja americano. Seu quartel-general é Nova York, mas ele tem tentáculos em New Jersey, Port Chester, San Diego, Boston e Miami, além de um escritório no Rio e outro em São Paulo. Também foi sócio da Bumba Macau, discoteca no Brooklyn quase eleita para sediar Os Embalos de Sábado à Noite. Bumba Macau? "Queria Feelings, mas o Morris Albert achou que não caía bem e sugeriu o nome de outra música do disco dele." Não faltasse o que fazer para esse workaholic, João mantém há 25 anos o The Brasilians, com "s" mesmo, distribuído por mala direta para todos os EUA, mais enfaticamente na costa leste americana, "onde dá mais brasileiro". O jornal é mensal, a assinatura anual sai por US$ 10 e a distribuição chega às 100 mil cópias. Bilíngüe, seria um canal para brazucas e americanos terem informações sobre o Brasil, além de um espaço para procurar emprego, imóveis, serviços, veículos ou para deixar de ser sozinho. Está lá, na última edição on-line: "Porto-riquenho, 36 anos, 5 pés e 5 (1,65 m), busca brasileira sexy para viver a vida louca e iniciar família no futuro". A edição é podada de hardnews. "Certa vez um rapaz me perguntou por que não permito que falem mal do Brasil no meu jornal. Eu disse: ?Porque minha mãe mora lá, então é maravilhoso?." Dona Crescência já faleceu, mas ele mantém a proposta de lavar a roupa suja em outro lugar. Onde João melhor oferece seu cardápio de public relations é na Churrascaria Plataforma, que fica na 49 com a 8ª Avenida. No rodízio a US$ 55 por cabeça, descontados o couvert, a bebida e a sobremesa, são oferecidos todos os tipos de carne - menos o cupim, desprezado pelos comensais como carne menor. Ali o empresário se movimenta entre as mesas por duas ou três horas diárias. Ali puxou papo com Gisele Bündchen, que tinha acabado de chegar aos EUA. "Todo domingo ela ia lá, quietinha, eu fiz amizade com ela, até hoje é amiga minha. Modelos, eu conheço todas." De perfil encorpado, 5 pés e 11 de altura (1,80m), 190 libras de peso (86 kg) , perfil de Emerson Fittipaldi, João tem fama de bico-doce. É descasado há 14, 15 anos, não sabe direito. Já separada dele, a ex-esposa, Margareth, dormiu com um cigarro entre os dedos. O deslize provocou um incêndio, que a levou à morte por asfixia. Do casamento teve duas filhas: Françoise, de 32 anos, e Claudine, de 29, que foi sócia de Naomi Campbell numa companhia de public relations e está de núpcias marcadas com o filho de Robert De Niro - como já dito, muito amigo de João. A comunidade artística, em geral, cai de amores pelo empresário, especialmente os cantores que participaram do Brazilian Day em alguma das 23 edições. Desde 2002 a Globo banca o cachê dos artistas e transmite o evento para 104 países, mas é João quem cobre despesas com passagem e hospedagem. "Dá mais de 100 mil dólar de hotéis, eu banco isso, tá entendendo? Não tenho Embratur por trás de mim, minha luta é sempre atrás de patrocínio." Elba Ramalho é uma das que lotaram a 46 com um show em que precisou ser escoltada, tamanho o calor do público. "João é um grande fomentador da cultura brasileira lá fora", diz, confessando uma ponta de inveja "do bem" por não ter estado no último ano. "João é um cara raçudo para fazer o que faz", classifica o cantor Daniel. João se diz é doente por promover o Brasil. Doente pelo Corinthians. E doente por carros. Acompanhou quase todos os GPs de Fórmula Indy e Fórmula 1. É amigo, claro, de Michael Andretti, de seu sósia (Emerson), Nigel Mansell, Raul Boesel. Também é assim com Manuel Piedade, ex-presidente da AMG, divisão de esportes da Mercedes Benz. Por isso recebe o modelo em primeira mão em Nova York. Tem duas AMGs 63 e uma BMW na cidade. Quando Boesel parou de competir, João deu uma aquietada nas viagens pelos circuitos e passou a correr de kart, até saltarem ele para um lado, o kart para outro, num acidente grave há três anos. Ele ameniza: "Quebrei umas duas, três costelas, fiquei meio dolorido, mas tô querendo voltar". Não adianta o olhar de repreensão dos amigos. "Tudo o que o João quer o João consegue", é o bordão da comunidade. DOMINGO, 2 DE SETEMBRO Brasil ocupa de novo a 46 Milhares de pessoas participaram do Brazilian Day, na Rua 46, em Nova York, festa que se repete desde 1984 em comemoração à Independência do Brasil. Entre as atrações estavam as bandas Jota Quest e Asa de Águia e a dupla Bruno e Marrone. LITTLE BRAZIL "São milhões olhando o nome do País na placa. E o governo nunca me disse obrigado" BRAZILIAN DAY "Vem gente do Brasil, da Europa, de todos os EUA. Só de Boston contei 150 ônibus" POINT "Rio é como a Coca-Cola. Não queira inventar outra coisa. É o lugar que todos querem conhecer"

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