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'Ele não será um presidente da paz'

Para analista político americano, Barack Obama terá de praticar uma diplomacia assertiva, especialmente no Paquistão

Por Flavia Tavares
Atualização:

"Mudança" e "esperança", eis as promessas de campanha de Barack Obama. Inspiradoras, sem dúvida. Mas, uma vez presidente dos EUA, fica a pergunta de como transformar idealismo em pragmatismo. O país enfrenta sérias crises, tanto financeiras quanto diplomáticas. Não bastassem duas guerras em andamento, George W. Bush e sua política beligerante provocaram um antiamericanismo talvez sem precedentes. Guantánamo acentuou a rejeição mundial e, pelo menos nesse ponto, Obama reiterou nessa semana que pretende transferir os presos da base naval em Cuba para julgamento em solo americano. Ratificação de discurso ou vício de campanha do futuro inquilino da Casa Branca? Para John Brenkman, analista político, professor da City University of New York, Obama precisará de ações firmes nos primeiros cem dias de governo para mostrar que suas palavras não eram balela. "O pragmatismo será uma forma de diluir o fervor ideológico que se criou no Partido Republicano", explica o autor de The Cultural Contradictions of Democracy: Political Thought since September 11. O livro, não traduzido no Brasil, disseca a retórica de Bush e seu combate ao terrorismo desde os ataques às torres gêmeas. "O governo Bush destruiu os conceitos de democracia e liberdade para justificar uma guerra desnecessária", lamenta o professor. Ele acredita que Obama terá postura diferente: "Não será um presidente da paz. Mas sua diplomacia será constante e assertiva." TEMPO DE TRANSIÇÃO "Uma das maiores conquistas da democracia é a transferência pacífica de poder. E a transição entre Bush e Obama é uma das mais significativas na história recente. Bush tem taxas de reprovação batendo nos 74%. As verdadeiras respostas à crise financeira global e às guerras do Iraque e do Afeganistão virão de Obama, mas Bush permanecerá no poder por mais 65 dias. Enquanto isso, a Al-Qaeda tem o histórico de atacar países democráticos em processo de transição. Publicamente, o governo Bush está facilitando essa transição. Nos bastidores, há notícia de que existe tensão e certas manobras políticas. É essencial que Obama tenha coragem para demonstrar claramente suas posições e intenções. Isso freará qualquer tendência de a equipe de Bush agir contra o que o povo expressou nas urnas. AS PALAVRAS-CHAVE "A retórica de Bush destruiu os conceitos liberdade e democracia. Em muitos lugares, usar esses termos para justificar medidas drásticas gera suspeita e hostilidade. Isso é triste, porque a idéia de levar democracia ao mundo e defender liberdades é nobre. Já Obama usou como palavras-chave ?mudança? e ?esperança?. O significado dado à primeira é de que talvez seja possível mudar o ethos da política americana. Ele se considera capaz de ser uma ponte entre a esquerda e a direita, entre as metrópoles e as pequenas cidades. Já a esperança, bem, sua biografia personifica o que os americanos entendem por isso. A questão é como ele transformará esses lemas na Casa Branca. Certamente um novo slogan será cunhado para seu governo, como Kennedy fez (Nova Fronteira) e Lyndon Johnson também (A Grande Sociedade). Republicanos não costumam ter esses lemas, mas Bush acabou transformando sua Guerra ao Terrorismo em um. PRAGMÁTICOS & IDEALISTAS "Pragmatismo fará bem a Obama. Será uma forma de diluir o fervor ideológico que se criou no Partido Republicano. Mas é importante lembrar que nós, americanos, somos, ao mesmo tempo, extremamente pragmáticos e idealistas. O idealismo nos inspira a seguir um caminho pragmático. Só que esse idealismo muitas vezes torna os americanos incapazes de ver questões importantes, que precisam de soluções. Foi o que ocorreu com o furacão Katrina. A idéia é: o problema não deve ser tão sério, porque nosso país não tem problemas sérios. Para reconhecer sua dimensão, seria preciso abrir mão dessa auto-imagem. LÁ FORA "Obama nunca foi o ?candidato da paz?, não era essa sua propaganda. Foi apenas o único candidato que se opôs à guerra do Iraque quando ela começou. Usou esse dado para se diferenciar dos demais e conquistar o apoio da esquerda do Partido Democrata. Acredito que, agora, concentrará as energias em derrotar a Al-Qaeda. Seu maior desafio externo, no entanto, será o Paquistão. É um paradoxo: os EUA supostamente tiveram boas relações com o Paquistão enquanto o país era governado por um general. Uma vez sob a democracia paquistanesa, as relações são péssimas. Essa será uma arena em que Obama terá de inovar. Não será um presidente da paz, e sim um presidente cuja diplomacia será constante e assertiva. LÁ DENTRO "Já internamente, peguemos como exemplo a controversa indicação de Rahm Emmanuel para chefe-de-gabinete. Conhecido como duro operador nas negociações partidárias, não seria ele o oposto do que Obama dizia sobre consenso e reconciliação? De forma alguma! A maior qualidade de Emmanuel é que será capaz de manter os congressistas democratas na linha, deixando Obama livre para buscar soluções não convencionais para os problemas. Obama é maquiavélico, mas ele transcende o maquiavelismo. REVERBERANDO A CRISE "A maior divisão na questão econômica sempre foi a intervenção ou não do governo no mercado. Com a crise, pelo menos por enquanto, a defesa da auto-regulação desapareceu. Obama não enfrentará uma batalha ideológica nesse campo. No Senado e no Congresso, os democratas se deram bem; no entanto, os republicanos eleitos são muito conservadores. A primeira votação para o Congresso depois da presidencial é fundamental, e os EUA terão uma em 2010. Se os republicanos retomarem o Congresso, bloquearão tudo. Foi essa retomada em 1994 que restaurou a guerra ideológica, com posições fortes da direita sobre casamento gay, pesquisas científicas, aborto. NEGRITUDE "Não acho que ele tenha evitado falar nisso como estratégia política. Sua ascensão nunca foi baseada no movimento negro. Por outro lado, a chegada à Casa Branca deve mudar o tratamento sobre esse assunto nos EUA. Um dos momentos mais importantes da campanha foi o discurso sobre raça que ele fez após o episódio com o Reverendo Wright. Depois disso, a questão racial perdeu relevância. Não sei prever como essa questão aparecerá nos próximos anos. POÇO DE EXPECTATIVAS "Agora, se Obama não atender às expectativas em torno dele, a conseqüência política será o rompimento no Partido Democrata. Os democratas não se ergueram por si próprios nos últimos oito anos. Estão fortalecidos porque o governo Bush foi muito decepcionante. Um fracasso de Obama provaria que há desorientação completa no partido. Culturalmente, por conta do valor simbólico dessa vitória, se ele falhar haverá uma crise quase espiritual, internamente e no exterior. É o grande perigo de tentar personificar o discurso da esperança."

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