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Ele pode estar verde. Ela nem é tão simpática. Mas...

...para os Estados Unidos, hoje, uma boa alternativa seria um presidente que fundisse traços de Barack Obama e Hillary Clinton, diz o professor de Oxford

Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Quem você gostaria que fosse a pessoa mais poderosa do mundo? Assim como os branquelos participantes dos caucuses em Iowa essa semana, todos nós nos fazemos essa pergunta, embora, ao contrário deles, não votemos. Menos de 350 mil pessoas participaram dos caucuses; pelo menos 3 bilhões estavam atentos aos resultados. No mundo real, a pessoa mais poderosa do mundo será americana. E as chances são de que ela ou ele seja um dos principais candidatos democrata ou republicano à presidência, embora o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg continue sendo uma intrigante possibilidade extrapartidária. Depois de dois mandatos de uma das administrações mais incompetentes e malsucedidas da história recente, chegou a hora de mudar. Se houvesse um candidato republicano fabuloso, a disputa poderia ser mais acirrada. Mas não há. John McCain tem uma história de vida notável, que exige respeito. Mas ele é provavelmente demasiado velho e demasiado irregular para ser um bom presidente. Todos os demais têm alguma grande fraqueza, seja de caráter (Giuliani), ideologia (Huckabee) ou determinação (Romney). Tão sério quanto isso, os candidatos republicanos concordam entre eles com várias medidas que seriam ruins para o mundo. Como o presidente George W. Bush, eles ainda negam com veemência a necessidade de medidas radicais para enfrentar desafios da época como a mudança climática, a segurança energética e o crescimento sustentado. Da mesma forma, eles carregam um excesso de comprometimento político, em questões que vão de Iraque a Guantánamo, para fazer a necessária mudança de passo para uma luta prolongada e multilateral contra o terrorismo internacional, a proliferação de armas de destruição em massa e os problemas causados por Estados fracassados ou vacilantes como o Paquistão. Como alguém com um mínimo de juízo poderia votar em um candidato que diz, como Mitt Romney disse, que "devemos duplicar Guantánamo"? Isso nos deixa os democratas. Eu comecei em 2007 como um "obamista" entusiasmado. Entro em 2008 como um "clintonista" sóbrio. Continuo a acreditar que Barack Obama seja o único candidato capaz de mudar a imagem dos EUA da noite para o dia. Os EUA são hoje menos populares em todo o globo do que em qualquer tempo desde que começaram as sondagens internacionais de opinião. Obama personifica aqueles aspectos da sociedade americana que mesmo alguns dos críticos mais ferozes de Washington admiram. E ele tem algumas boas idéias, também. O problema é que, quanto mais eu o observei, mais convencido fiquei de que ele ainda não está pronto para o cargo. Um pequeno lance ficou em minha mente: respondendo a uma pergunta num debate, ele disse que começaria a enfrentar o problema convocando os presidentes do México e do Canadá (o Canadá não tem presidente). Seria apenas um escorregão trivial, se não houvesse um número excessivo deles e hesitação demais. É claro, um presidente inexperiente pode aprender no cargo, como fizeram os dois últimos ocupantes da Casa Branca. Mas lembrem como foi desastroso o primeiro mandato de Bush. E o primeiro mandato de Bill Clinton também não foi muito brilhante, como atestam a desgraça resultante da inação em Ruanda, para não mencionar a vacilação na Bósnia. Num mundo cada vez mais perigoso, com este novo ano inaugurado por um Paquistão nuclear à beira da anarquia, não podemos nos dar ao luxo de perder mais tempo. O caso dos Clintons é que eles sabem quais erros evitar porque já cometeram a maioria deles. Eles aprenderam da maneira mais dura. E sejamos claros quanto a ist: ao escolher Hillary, os eleitores americanos estariam escolhendo Clintons. Na verdade, este seria o presidente Clintons, ou os presidentes Clinton. Mas isso seria outra vantagem. A própria Hillary se tornou, aos 60 anos, formidável - soberbamente informada sobre qualquer assunto, quase perfeita ao falar, raramente cometendo algum erro, experimentada e testada como poucos seres humanos. Outro dia, num recinto de leilão de gado em Ames, Iowa, ela brincou que os eleitores poderiam "examinar sua boca", como os fazendeiros fazem com o gado, se isso os ajudasse a decidir. E a verdade é que se alguém no mundo foi "examinado na boca", foram os Clintons. Se ela é simpática? Não, ao menos, não como pessoa pública. A simpatia fica toda por conta de Bill. Franca? Não é exatamente o que o histórico sugere. Devemos dizer: tão honesta quanto um advogado. Mas não precisamos que a pessoa mais poderosa do mundo seja simpática. Precisamos que seja boa no cargo: adulta, responsável, informada, firme, mãos seguras depois de oito anos de um trapalhão. E mais ainda por ter a assessoria de um dos mais articulados, bem informados e habilidosos políticos do planeta. Dois pelo preço de um. E por trás dos dois, várias equipes potenciais de política externa com grande experiência, com visão mais próxima das que prevalecem nas principais democracias do mundo - e, portanto, mais bem situadas para forjar as alianças indispensáveis. O bordão da própria Hillary é que os Estados Unidos precisam de alguém "pronto para ser presidente no primeiro dia". Ela está certa. Haveria a satisfação adicional de ver uma mulher quebrando o telhado de vidro supremo (a menos, claro, que imaginemos uma papisa no trono de São Pedro). O que o retorno dos Clintons não faria é provocar um efeito Obama sobre a imagem dos EUA no exterior. Em vez disso, milhões de pessoas em todo o mundo perguntarão: que espécie de democracia é essa em que o presidente eleito sempre se chama Bush ou Clinton? De modo que precisamos de Obama também. Dêem-lhe mais alguns anos de experiência dura, como a que Hillary teve, e ele poderá ser um presidente inspirador. E que melhor maneira de ganhar essa experiência do que servindo como vice-presidente dela? Isso é bastante improvável, eu sei, especialmente se ela quiser concorrer a um segundo mandato. Mas Hillary-Obama seria meu time dos sonhos. *O inglês Timothy Garton Ash é jornalista, escritor e professor de estudos europeus na Universidade de Oxford. Seus artigos são publicados nos principais jornais do mundo

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