'Elegia do Irmão' parte do luto para falar sobre o afeto

Livro conta a história de irmãos muito próximos que se preparam para a morte de uma irmã doente terminal

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Por João Prata
Atualização:

João Anzanello Carrascoza tem seis irmãos, uma escadinha, como ele diz. A infância com todos juntos foi vivida em Cravinhos, cidade a 300 quilômetros da capital paulista, de ruas empoeiradas e que serviu de ponto de partida para Elegia do Irmão. O receio de mastigar a hóstia na igreja, a liberdade de brincar na rua, o cheiro da chuva, a descoberta de um outro mundo ao se deparar com a água salgada do mar, os perrengues nas viagens adolescentes com os amigos, a relação com os pais, tudo isso é elevado à enésima potência quando lembrado a partir do sentimento de perda. A vida celebrada de forma melancólica, a dor e a necessidade de superação são quase como nuvens negras que invadem o fim de tarde de lembranças quase sempre solares.

O escritor João Anzanello Carrascoza, autor de 'Elegia do Irmão' Foto: Rafael Arbex/Estadão

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Como num conta-gotas, todo o sentimento se revela de capítulo em capítulo em doses homeopáticas, com o cuidado para não ser raso e também de não transbordar. Ali dentro, Carrascoza conta a história de dois irmãos muito próximos. O mais velho, de 31, é quem narra as lembranças a partir da descoberta da doença incurável da irmã, Mara, de 29.

Há momentos de alegria simples em poder compartilhar coisas boas, a mágoa por discussões mal resolvidas e tudo o que poderiam ainda fazer juntos. Os fragmentos do cotidiano estão todos lá e, ao juntar todos os pedaços, é que se tem a dimensão de toda a vida.  Carrascoza consegue trazer de forma lírica as imperfeições da vida, que de um minuto para o outro pode mudar completamente. O café da manhã, mais uma refeição banal do cotidiano, precede a trágica notícia e a transformação de uma família. A disposição das coisas na geladeira, a organização da casa, tudo muda de repente. Mas o tempo não dá trégua. A surpresa dá lugar à raiva, que aos poucos é substituída pela esperança, o apego ao 0,00001% do milagre. A realidade volta com impacto brutal, então vem a indignação, a descrença, o luto, a superação, a lembrança que surge de maneira desordenada, o afeto que permanece. E a vida que segue. 

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