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Eles mudaram de opinião

Depoimentos de algumas das mentes mais brilhantes mostram que até convicções muito sólidas se modificam ante novos fatos

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Todos os anos, a revista eletrônica Edge.org apresenta uma pergunta a cientistas, acadêmicos, pensadores. Em 2008 a pergunta é: "Em que você mudou de opinião?" E termina: "Por quê?" O site pertence à Fundação Edge, criada com o objetivo de reunir as mentes mais brilhantes do mundo para discussão. A pergunta anual é um evento que atrai leitores de toda parte. Os editores complementam, provocando: "Quando idéias mudam sua opinião, é filosofia; quando é Deus quem muda, trata-se de fé; e quando são fatos, isso é ciência." "Eu costumava acreditar que quanto mais moderna a educação que as pessoas recebessem, mais elas terminariam por rejeitar a idéia de algo sobrenatural", escreve o biólogo molecular Lee Silver, da Universidade Princeton. "Não acredito mais nisso." O embate entre ciência e religião, entre evolucionistas e criacionistas, é um dos mais presentes nas 164 respostas. Quando estudante, Carolyn Porco achava que a ciência seria unanimemente respeitada e jamais questionada. Hoje, responsável pelo Laboratório Cassini, que produz as mais nítidas imagens de planetas e galáxias, ela não tem mais "certeza de que o método científico sobreviverá se não for constantemente protegido". O psicólogo Steven Pinker, de Harvard, é outro consultado que mudou suas convicções. "Estudos publicados há pouco", diz ele, "indicam que até 10% do genoma humano tem passado por um forte processo recente de seleção natural". Por "recente", entenda-se alguns milhares de anos. Diferentemente do que ele acreditava, "nós humanos continuamos passando pelo processo de evolução". Seu companheiro de Harvard, o médico Nicholas Christakis, também acreditava que a evolução estivesse interrompida, mas mudou de opinião. Ele cita a habilidade que alguns grupos humanos, em comunidades pastoris, desenvolveram de digerir lactose após a idade adulta. Isso não aconteceu em culturas dedicadas à caça, que não se alimentavam de leite animal. Para Christakis, isso quer dizer que não apenas estamos ainda evoluindo como confirma que "a cultura influi na seleção natural". Antropólogo da Universidade de Michigan, Scott Atran descobriu em suas pesquisas recentes que algumas das velhas convicções de sua ciência não explicam determinados comportamentos. O martírio dos homens-bomba, por exemplo. Seguindo a antropologia tradicional, ele foi a campo convicto de que um misto de fatores socioeconômicos e individuais levariam jovens muçulmanos a se matarem em nome de Deus. Mas descobriu que 70% dos afiliados da Al-Qaeda chegam pelas mãos de amigos. Os laços que impõem a fidelidade mortal são de amizade. Não são portanto os fatores em que se acreditava, mas a dinâmica de pequenos grupos, que põe o terrorismo em marcha. Freeman Dyson, talvez o maior físico vivo e um antigo crítico do armamento nuclear, jamais havia questionado a possibilidade de o Japão ter-se rendido, no final da 2ª Guerra, por causa das bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki. Mas uma pesquisa do historiador Ward Wilson, publicada há alguns meses na revista International Security, de Harvard, o convenceu do contrário. Wilson teve acesso às atas das reuniões do alto conselho de guerra japonês naquele agosto de 1945. Mal discutiram as bombas, enquanto acompanhavam obcecados o avanço russo na costa do Pacífico da Ásia. O Conselho Supremo decidiu pela rendição no próprio 9 de agosto em que Nagasaki explodiu. Mas a bomba atômica foi a menor de suas preocupações. A conclusão de Dyson, baseada nos documentos, é que o Japão se rendeu aos americanos para evitar uma invasão russa. Ernst Pöppel, neurocientista da Universidade de Munique, puxa de uma afirmação do filósofo Ludwig Wittgenstein um dos dogmas que perdeu recentemente. "O limite de minha linguagem é o limite do meu mundo", havia escrito Wittgenstein. "Hoje, respondo a isso com um sonoro não!", diz Pöppel. A idéia de que o conhecimento de alguém seja limitado pelo repertório de palavras começa a ser descartada pela neurociência. "O que é o tempo?", pergunta Pöppel, citando Santo Agostinho. "Se ninguém me perguntar, sei o que é; mas se precisar explicar, não saberei." Seria o mesmo que indagar "o que é consciência" ou "o que é livre arbítrio", conceitos difíceis de definir, mas que compreendemos intuitivamente. O que Pöppel não consegue é explicar como se livrou da "camisa de força de Wittgenstein". "Provavelmente foram vários pequenos motivos se acumulando", ele sugere, referindo-se à essência do método científico. Há pelo menos uma questão antiga e polêmica da física que virou a cabeça de cientistas que responderam à Edge. É a possibilidade de que uma única teoria possa, um dia, explicar como se relacionam as quatro forças fundamentais do universo: gravitacional, eletromagnética, forte (que mantém prótons e nêutrons juntos no átomo) e fraca (que explica o decaimento de núcleos atômicos e a conseqüente radioatividade). Isoladamente, essas forças são bem conhecidas e explicadas. Há teorias que conseguem explicar a relação de duas, até três delas - mas nenhuma que dê conta das quatro. Albert Einstein passou os últimos 30 anos de sua vida nessa busca infrutífera. O brasileiro Marcelo Gleiser, do prestigiado Dartmouth College, considerava-se um unitarista, mais um entre os muitos físicos que acreditavam na existência dessa teoria que representa o Santo Graal de sua ciência. "Uma teoria assim, que explique toda a natureza, nos atrai pela estética", ele escreveu. "Mas minha impressão atual é de que ela não existe, não corresponde à realidade: a natureza não dá a mínima para os mitos que criamos." Ele não está sozinho. John Baez, da Universidade da Califórnia, é outro que dedicou mais de uma década da vida à teoria unificadora. Aí, parou. "Estou pensando em outras coisas e, com outras preocupações, começo a entender o universo muito melhor do que antes." São muitos, afinal, os mistérios das ciências. Paleontólogos discutem há anos o que levou à extinção dos dinossauros. Um asteróide gigantesco no final da Era Mesozóica, faz uns 65 milhões de anos, chocou-se contra a Terra. Scott Sampson, curador chefe do Museu de História Natural de Utah e apresentador da popular série de TV, nos EUA, Dinosaur Planet, acreditava que o asteróide não levou os grandes sauros à extinção sozinho. O planeta já vinha sofrendo lentas transformações climáticas. Novas evidências sugerem que não - e Sampson mudou de time. A fauna e a flora mesozóicas iam muito bem, obrigado. Ou seja: aquele choque, a mais de 100 mil quilômetros por hora, mudou rápida e radicalmente a vida que existia no planeta. Imagine um cientista, um tipo intelectual, e o estereótipo sugerido pelo psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade da Virgínia, não estará longe: "Nasci sem o centro neural que faz os meninos sentirem prazer em brincar com bola". Acreditava que esportes não tinham utilidade. Depois de muitos e muitos anos, recentemente mudou de idéia: esportes não são assim tão maus. Estudos recentes indicam a importância de "dança sincronizada, marcha e outras formas de movimento", uma inovação evolutiva que formou a base para a "coesão social de todo e qualquer grupo que se mantenha unido ao longo do tempo". Esportes, quem diria, servem à sobrevivência humana.

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