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Em 2019, Bienal de Veneza aposta em artistas com menos de 40 anos

Ralph Rugoff, o curador, modelou uma exposição que visa avaliar nosso nebuloso presente, quando narrativas compartilhadas entraram em colapso e nos esforçamos para encontrar nossa localização

Por Jason Farago
Atualização:

VENEZA - Em todas as outras primaveras em que fui à Bienal de Veneza, cheguei a esta cidade encharcada, peguei um vaporetto até um jardim na sua extremidade oriental e entrei num grande edifício branco. Em 2019, tive alguns problemas para fazer isso. Aqui nos Giardini della Biennale, o principal local da mais duradoura exposição de arte contemporânea do mundo, a artista italiana Lara Favaretto envelopou o pavilhão central branco em um denso nevoeiro artificial. As palavras A Bienal, acima da colunata, desaparecem ante a ausência de forma.

A instalação 'Thinking Head, 2017-2019', de Lara Favaretto, envolve os visitantes em fumaça na entrada da Bienal de Veneza Foto: Gianni Cipriano/The New York Times

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Mesmo que a nuvem de Favaretto seja o logotipo dessa bienal difusa, que reúne muitos dos maiores nomes da arte atual, ela não chega a ter coerência. Ralph Rugoff, o curador, modelou uma exposição que visa avaliar nosso nebuloso presente, quando narrativas compartilhadas entraram em colapso e nos esforçamos para encontrar nossa localização. Sua mostra é elegantemente instalada em alguns lugares e, em outros, estranhamente indiferente. É atual, mas contida e desconectada. A 58.ª Bienal de Veneza é uma edição morna e nebulosa, e eu gostaria de saber o que ela pretendia.

É uma Bienal jovem e inclui alguns dos maiores talentos de hoje com menos de 40 anos, como Neil Beloufa, artista argelino-francês; Njideka Akunyili Crosby, o pintor nigeriano sediado em Los Angeles; Ed Atkins, o videoartista britânico; e Kemang Wa Lehulere, um estro em ascensão da África do Sul. Pela primeira vez, na minha memória, todo artista aqui presente está vivo. Rugoff renunciou a qualquer reanimação de figuras antigas negligenciadas, que os curadores costumam usar para moldar o plano de ataque de uma bienal.

Mas os 79 artistas e as coletivas aqui são quase todas as esperadas. Uma porcentagem desanimadora da arte já foi exibida em Nova York, Los Angeles, Londres ou Berlim, e o globalismo das duas últimas edições da Bienal foi descartado pela aprovação institucional prévia do Ocidente. Saí tendo descoberto precisamente dois artistas empolgantes que eu não conhecia: Handiwirman Saputra, um indonésio cujas esculturas desarticuladas – incluindo colunas excêntricas e laços cor-de-rosa que são como gigantescas bandas de borracha – prometem contrastes surpreendentes de escala, forma e superfície; e o fotógrafo indiano Soham Gupta, que faz retratos empáticos envolvidos pela noite, de pessoas que vivem à margem de Kolkata.

Uma Bienal congestionada com os atuais vencedores do mundo da arte poderia funcionar se fosse organizada e analisada para novos públicos – muitos, afinal, os descobrirão pela primeira vez. Isso não aconteceu. Ela se desdobra como uma cascata de objetos e imagens desconexas, em galerias às vezes desleixadas. Se as duas últimas edições fizeram afirmações estridentes sobre o caminho para a arte (para melhor em 2015, para pior em 2017), a Bienal de 2019 parece com o equivalente artístico de Top of the Pops: um resumo passivo de gostos aceitos, dominado por EUA e Grã-Bretanha.

O conceito da mostra de Rugoff – que é bom no papel – é reduzir o número de participantes e pedir a cada um que contribuísse com pelo menos dois trabalhos, que aparecem em dois programas em rimas em locais diferentes. No maior deles, o Arsenale (antigo estaleiro naval de Veneza), ele inventou um sistema de paredes de compensado que evita a sensação de um labirinto de ratos de edições anteriores. Grandes instalações têm amplo espaço, incluindo uma da artista Kaari Upson, de Los Angeles, que investiga as pressões psicológicas da habitação usando moldes de móveis e exibindo performances em vídeo de cuco.

Mas no pavilhão central dos Giardini, os mesmos 79 artistas ocupam menos de um terço do espaço. Há arte demais preenchendo pouquíssimas galerias, e a densidade forçou Rugoff a fazer justaposições que parecem amontoadas e frívolas.

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Uma grande e excelente escultura da Nairy Baghramian, de Berlim – numa união precária de placas de alumínio e cera equilibradas e biomórficas – foi desviada para um sótão com um bloco de meia tonelada de mármore trazido pelo inventivo ativista Jimmie Durham, e muitas outras pinturas não relacionadas. Isso acaba parecendo como uma sala de sobras. Julie Mehretu, Henry Taylor e George Condo, três artistas americanos que trabalham em linguagens muito diferentes, trouxeram obras desafiadoras que mereciam espaço adequado para contemplação e não deveriam ter que competir entre si dessa maneira. (Eles teriam um pouco mais de espaço no Arsenale.)

Em alguns casos, o convite para mostrar em dois locais permitiu aos artistas assumirem um risco em algo novo. Atkins, no Arsenale, apresenta outra instalação emocionante centrada em seus vídeos com informações processadas digitalmente, nos quais corpos cerebrais gerados por computador se preocupam, gemem, entram em pânico e se desmontam. Espalhados pelos Giardini estão os guaches surpreendentes de mãos e pés humanos, cada um dos quais embala uma tarântula com a cabeça de Atkins enxertada em seu corpo. Eu os achei duvidosamente desenhados, mas reconheço o risco que ele demonstrou ao exibi-los.

Avery Singer, uma intrigante pintora de Nova York, também aceitou um risco bem-vindo aqui. Nos Giardini, ela mostra suas abstrações mais conhecidas preparadas com software de modelagem tridimensional. E no Arsenale ela apresenta um novo autorretrato, franco e completo, no qual ela parece traçar rabiscos em uma porta embaçada de chuveiro. Isso me fez ofegar, depois coçar a cabeça e em seguida me emocionar com o casamento de gestos modernistas e rabiscos particulares.

Com mais surpresas do lado A/lado B, como essas, essa exposição poderia ter sido um sucesso. No entanto, o Arsenale e os Giardini têm mais em comum do que deveriam. Wa Lehulere aparece com duas instalações evocativas, mas bastante semelhantes, que investigam as desigualdades da educação sul-africana. Por que não mostrar seus lindos desenhos em um único lugar? E se eu não precisava ver nem uma escultura cibernética enlouquecida dos tediosos e óbvios artistas chineses Sun Yuan e Peng Yu, certamente não precisava ver duas. (Se o objetivo fosse chocar, pelo menos que se equiparasse ao Cães Que Não Podem Tocar Um ao Outro do casal, seu atormentado vídeo censurado dois anos atrás no Museu Guggenheim em Nova York.) / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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