Em expansão, audiolivro é aposta do mercado editorial na crise

Entrada do Google Play no mercado nacional e surgimento de plataformas dedicadas ao audiolivro indicam formato promissor

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Por André Cáceres
Atualização:

Em meio à crise que atinge o mercado editorial, com livrarias fechando – a Fnac, por exemplo, mantém apenas uma loja aberta no Brasil – e um encolhimento de 21% no setor desde 2015, de acordo com uma recente pesquisa da Fipe, há uma novidade que promete revitalizar esse ecossistema e incluir mais pessoas no universo literário: os audiolivros. É verdade que esse formato não é exatamente novo e já foi testado em fitas cassete e CDs, mas a mídia física oferecia obstáculos que vêm sendo superados na era digital. Na Inglaterra, o consumo de audiolivros mais que dobrou nos últimos cinco anos, segundo a Publishers Association. No Brasil, o formato ainda engatinha, mas a recente entrada do Google Play no mercado nacional e a parceria firmada entre a editora Todavia e a plataforma de audiolivros Ubook são indícios de que o País está de ouvidos atentos a esse cenário.

A narradora do audiolivro 'O Homem de Areia', Alice Gonzalez, em estúdio no Rio Foto: Fabio Motta/Estadão

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“Nas feiras de livros internacionais, em 2015, não se falava muito em audiolivros; em 2016, começou a aquecer; em 2017, já era um dos principais assuntos; e a feira de Londres desse ano fez um congresso de um dia inteiro só sobre isso”, relata Eduardo Albano, diretor de conteúdo da Ubook, empresa brasileira que, em quatro anos, soma 6 milhões de usuários. “Quando lançamos o aplicativo, vimos que ninguém avaliava falando que não gostou da experiência do audiolivro, mas sim que queria mais títulos. Temos um time desenvolvedor que fica melhorando a experiência do player para o uso do audiolivro, que é totalmente diferente de música ou outro tipo de áudio”, acrescenta.

A Ubook mantém parcerias com mais de uma centena de editoras, e recentemente a Todavia entrou para o catálogo com quatro audiolivros. A diretora de direitos Ana Paula Hisayama conta que, desde a criação da editora, no ano passado, a ideia já era lançar obras em papel, e-book e áudio, porque agora esse formato faz mais sentido. “Era totalmente anacrônico. Hoje você pode ouvir via streaming, baixar no telefone, então tem uma facilidade muito óbvia. Houve várias tentativas ao longo dos anos com livros em domínio público, mas agora existem catálogos maiores. E o preço também, a mídia física era bem cara”, pondera ela. 

Os audiolivros são uma demanda dos tempos modernos, em que a multitarefa se tornou uma das palavras de ordem. “O que vai fazer esse formato cair no gosto popular é a possibilidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo”, acredita Hisayama. “Se você vai caminhar ou está no trânsito, acho difícil que consiga ler um livro físico ou um e-book. No caso do áudio, é quase um convite.”

A Companhia das Letras também embarcou nesse mercado com vários de seus títulos no Google Play. “Temos olhado para o áudio há anos, tanto que lançamos o podcast da Companhia”, informa a supervisora de negócios digitais, Marina Pastore. Por enquanto, nem todos os títulos da editora serão lançados nesse formato, principalmente devido às despesas de produção. “Em um livro, alguns custos gerais como a revisão, tradução e preparação de texto acabam sendo diluídos por todos os formatos. O e-book tem o custo específico da produção do arquivo digital, que é bem pequeno se comparar com o custo geral. No audiolivro, tem narrador profissional, estúdio, edição do áudio, revisão do arquivo, então o custo é muitas vezes maior.” 

Com os audiolivros, os deficientes visuais ganham um catálogo relevante, mas Pastore adverte que essa nem sempre é a opção ideal para a acessibilidade. “O formato mais recomendado é o ePub3, que é um e-book com vários recursos, como a leitura em voz alta. O audiolivro não é pensado especificamente para isso. Uma obra de ficção, por exemplo, serve para esse público, mas em um livro mais técnico, com muitos gráficos, o que a gente faz é fornecer um PDF para o leitor ter acesso a esse conteúdo. Então, recomendamos o e-book com a descrição das imagens.”

O romance Laços (Todavia), do italiano Domenico Starnone, é um dos livros narrados pelo ator Paulo Betti, fã declarado do formato. “É fascinante quando o leitor consegue captar a atenção do ouvinte. Como é literatura, é uma fala mais calculada e rica do que estamos acostumados a ouvir”, analisa o ator, que vai narrar A Fera na Selva, de Henry James, obra cuja adaptação teatral ele protagonizou em 1991 e que será exibida nos cinemas, também com participação dele, no ano que vem.

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Betti conta como funciona o processo de gravação de um audiolivro: “Geralmente é a primeira leitura. Não tem como ensaiar a leitura de um livro. O que eu mais sinto falta é que a interrogação seja como na língua espanhola, porque aí você sabe como vai terminar a frase. A gente lê de primeira e vai dizendo ‘aqui errei’. Eu gravo três horas por dia, de 30 a 40 páginas. Não aguento mais do que isso. É um esforço muito grande de concentração, porque você recebe aquele impacto do que está lendo. Se você se emociona demais, sua voz se embarga. Tem que manter uma distância do microfone, não pode se mexer muito. A expressão tem que se concentrar toda na voz. No palco, você se mexe, vira, aponta. Na leitura, não tem como.”

A escritora Giovana Madalosso é também a narradora do próprio audiolivro, Tudo Pode Ser Roubado (Todavia). Ela já acumulava experiências anteriores com locução, incluindo a de Roleta Russa, um dos contos de seu livro anterior, A Teta Racional (Grua). “A gente não pode dar uma carga de interpretação muito grande. A carga dramática tem que vir do próprio texto, não da leitura”, conta a autora, que conseguiu perceber nuances que não havia notado em sua escrita. “Eu reparei no meu texto, percebi palavras recorrentes. Vi que a palavra ‘tristeza’ aparece bastante. Parei até para pensar um pouco no meu estado geral de espírito.”

O poeta Pedro Tostes publicou recentemente Na Casamata de Si (Patuá) e incluiu no livro impresso um QR code para que o leitor possa baixar gratuitamente um arquivo com os poemas em áudio da plataforma Soundcloud. “O processo de gravar exige uma repetição, uma fala em voz alta constante e isso serviu até como um exercício de revisão. Notei possíveis questões sonoras que poderiam ser aprimoradas”, conta Tostes, que foi elogiado até pelo poeta Glauco Mattoso, deficiente visual. “Ele deu um feedback muito positivo, disse que é uma ferramenta de inclusão fundamental”, comemora ele, que já entrou em contato com a audioteca da Fundação Dorina Nowill para Cegos a fim de tornar acessíveis seus poemas para esse público. 

Autores independentes como Tostes podem gravar audiolivros por meio da UBX, uma plataforma da Ubook. “Cadastramos um time de locutores e estúdios. As editoras independentes colocam o livro nessa plataforma e recebem ofertas de gravação. Ela pode pagar por uma ou fazer a divisão de royalties”, explica Eduardo Albano. 

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Ainda não há dados suficientes para saber se o mercado de audiolivros vai vingar no Brasil como acontece lá fora. Além do Google Play, loja online que trabalha com vendas avulsas, e da Ubook, que tem planos mensais a partir de R$ 29,90, há outros serviços como o Tocalivros (R$ 19,90 ao mês) e o Audible, da Amazon, que demanda cartão de crédito internacional, por US$ 14,95 mensais. Plataformas de streaming de música, como o Spotify, têm um catálogo relativamente grande de audiolivros em idiomas como inglês e alemão, que podem ajudar quem estuda essas línguas. 

Algumas das primeiras gravações de áudio da história, feitas por Thomas Edison no século 19, incluíam recitais de poesia, e desde os anos 1930 a Bíblia e clássicos da literatura haviam sido gravados pela American Foundation for the Blind, organização de auxílio a deficientes visuais. Desde então, o formato passou por altos e baixos, mas com a popularização dos smartphones e do acesso à internet, é possível que os audiolivros se tornem uma ferramenta de estímulo à leitura. Hisayama comemora a alternativa: “O mundo ideal é esse em que você começa a ler o livro na sua casa em papel, leva para outro lugar o e-book e, quando entra no carro, continua ouvindo.”

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