
15 de dezembro de 2013 | 02h36
A resposta, a meu juízo, é simples: não é isso que queremos. Não é disso que São Paulo precisa. Tendo-se dotado de um sistema universitário público de excelência, único no País, São Paulo merece que a USP cumpra integralmente e de forma equilibrada sua tripla missão. Deve ser guardiã do conhecimento, como as universidades medievais; produtora de conhecimentos, como a moderna universidade, de inspiração humboldtiana; e contribuir para o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Essa última é a chamada "terceira missão", segundo a literatura internacional: as transformações da universidade em resposta ao surgimento da sociedade de conhecimento.
Existe na USP um enorme desequilíbrio nesse tripé, resultado de graves distorções. Como outras universidades, a USP tem tido suas políticas estratégicas influenciadas, nos últimos anos, por pressões de agências domésticas de fomento e avaliação (como a Capes e o CNPq) e de rankings internacionais - a valorizar de maneira quase exclusiva os indicadores de produtividade, sob a forma de publicação em veículos e formatos extremamente limitados.
Seu corpo acadêmico vem sendo incentivado a dar total prioridade à publicação de papers, renunciando a uma interação rica com o ensino e com a resposta às demandas da sociedade - assim, sua missão se desequilibra. O objetivo estratégico central se torna produzir indicadores, em vez de cumprir as missões essenciais da universidade. Daí a concentração de recursos, de tempo e de dedicação dos docentes em detrimento do ensino, da produção de conhecimentos propriamente dita e particularmente da retribuição à sociedade.
Sua consequência direta é a adoção de um modelo único de avaliação e alocação de recursos - verbas, infraestrutura, equipamentos, contratações - para setores tão diversos como as grandes escolas profissionais, as unidades de pesquisa básica e as humanidades, medidas e aquinhoadas como se fossem iguais. As grandes escolas profissionais e a Faculdade de Filosofia, que estão na origem da fundação da USP, tornaram-se reféns de um desequilíbrio nefasto. Também não escapam as unidades de ciência básica, já que as estratégias para produção de indicadores competem com a dedicação dos docentes à pesquisa propriamente dita.
Uma das maneiras de retomar o equilíbrio entre as missões essenciais da USP é combater a centralização excessiva e sem planejamento das decisões sobre políticas e alocação de recursos. Isso poderia ser feito com um planejamento democrático e participativo a partir da USP real, isto é, dos departamentos e faculdades. Um planejamento diferenciado entre as unidades de ciências básicas, escolas profissionais e humanidades, e voltado para a busca do consenso. Exemplo disso foi o Plano de Desenvolvimento Institucional, liderado pelo então vice-reitor Hélio Cruz, hoje candidato a reitor, para ser adotado em princípio no próximo mandato.
Mas também é indispensável mudar mentalidades e procedimentos, e o ponto de partida é revalorizar o papel multidimensional do professor universitário, capaz de contribuir com seus estudos, e à sua maneira, seja para o ensino de graduação, seja para a ciência básica e aplicada, ou para a interlocução com a sociedade, deixando de ser incentivado a competir insanamente por citações em uma lista predeterminada de veículos.
Para tanto, não basta a experiência executiva. Todos os demais candidatos a reitor da USP a têm, em distintos graus e dimensões: o professor Messias como articulador político em diversas gestões; o professor Cardoso como diretor de uma respeitada unidade da USP, a Poli; e o professor Zago, como presidente do CNPq no governo Lula.
Seria lícito esperar que todos os candidatos a reitor se pronunciassem inequivocamente sobre como vão corrigir esse desequilíbrio, restaurando a relevância das escolas profissionais, do ensino de graduação em geral, e da "terceira missão" - a contribuição prática para o desenvolvimento. Ou se, ao contrário, o endossam em decorrência de suas convicções pessoais.
Na atual gestão, independentemente de outras áreas em que a reitoria atuou positivamente, a exagerada prioridade concedida ao fomento à pesquisa, em detrimento das demais, reforçou, de fato, o desequilíbrio resultante das políticas impostas pelo governo federal por intermédio do CNPq e da Capes.
A USP merece o respeito dos paulistas. E São Paulo espera ter a USP que merece.
*JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE , É PROFESSOR TITULAR DA FEA-USP, EX-CHEFE , DE GABINETE DA REITORIA DA USP
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