Escritor sul-coreano Byung-Chul Han analisa o mundo atual em livro

'Sociedade do Cansaço' ganha nova edição com texto inédito

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Por Dirce Waltrick do Amarante
Atualização:
O escritor sul-coreano Byung-Chul Han 

A Editora Vozes publica, numa edição ampliada, que inclui o texto Sociedade do Esgotamento, o livro Sociedade do Cansaço, do pensador coreano, radicado na Alemanha, Byung-Chul Han. A primeira edição do livro no Brasil, pela mesma editora, é de 2015.  Em Sociedade do Cansaço, o pensador discute, a partir de um diálogo com Hannah Arendt, Jean Baudrillard, Maurice Blanchot e Nietzsche, entre otros, a transição de uma sociedade que, no século passado, sofria de patologias bacteriológicas ou virais para uma sociedade que, no século 21, sofre de patologias neuronais, como depressão, transtornos de déficit de atenção, hiperatividade e Síndrome de Burnout. 

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O livro, publicado pela primeira vez na Alemanha em 2010, defende que as patologias deste século estariam relacionadas a um excesso de positividade, que faz parecer que tudo é viável ao homem. Para exemplificar essa ideia, Han cita o slogan da campanha de Barack Obama, “Yes we can” (“Sim, nós podemos”). Esse excesso de positividade se desenvolveria, segundo o pensador coreano, “numa sociedade permissiva e pacificada” que “não pressupõe nenhuma inimizade”. 

Há quase uma década, quando Han publicou seu livro pela primeira vez, não havia, de fato, em grande medida “nenhuma polarização entre inimigo e amigo, interior e exterior ou entre próprio e estranho”. Parece-me, contudo, que, em 2017, principalmente com a crise de refugiados, voltamos a viver numa sociedade cuja reação negativa pressupõe inimizades e “rejeita o outro com sua interioridade, o exclui, mesmo que exista em quantidade mínima”. Han ressalta, todavia, que o imigrante, hoje em dia, não representaria um “outro” ou um “estrangeiro” no sentido enfático e não se traduz também num perigo real a ponto de nos causar medo. Ele seria apenas “um peso” para determinada sociedade. Será?

Para Han, o mundo, como o do século passado, organizado imunologicamente. não se concilia com o processo de globalização, pois ele possui uma topologia específica: é “marcado por barreiras, passagens e soleiras, por cercas, trincheiras e muros”. Já o mundo contemporâneo, que sofre de excesso de positividade, é marcado por uma certa promiscuidade e ausência de barreiras. 

No entanto, o mundo contemporâneo e globalizado parece estar, aos poucos, reconstruindo a topologia do mundo organizado imunologicamente: com Donald Trump, por exemplo, existe a promessa de muro entre os Estados Unidos e o México; além disso, há cercas espalhadas pela Europa e controle marítimo para evitar a todo custo a entrada de imigrantes. 

Talvez, em 2017, a sociedade viva simultaneamente a negatividade do século passado e o excesso de positividade da nossa era, com suas patologias neuronais.

A propósito das patologias neuronais, elas seriam próprias do sistema de desempenho e de produção em que vivemos. Diferentemente da sociedade disciplinar do século passado, em que o sujeito devia explicações a um terceiro e por ele era cobrado, na sociedade atual, o sujeito é empresário de si mesmo e, portanto, é consigo mesmo que ele entra em guerra na eterna busca de se autossuperar. O processo de autossuperação produziria indivíduos depressivos e fracassados. Cabe lembrar aqui que a queda da instância dominadora da sociedade disciplinar para a nossa, “não leva à liberdade”, como muitos podem pensar, “ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam”.

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A propósito da depressão, o pensador coreano assinala que há uma diferença entre essa patologia do século 21 e a melancolia, própria dos séculos passados: “se a melancolia era uma característica própria do homem extraordinário, a depressão é expressão de uma popularização do extraordinário.”

O livro faz ainda um elogio à contemplação, que estaria ligada à arte e à cultura, pois ambas exigem atenção profunda: “Paul Cézanne, esse mestre da atenção profunda, contemplativa, observou certa vez que podia ver inclusive o perfume das coisas”. A contemplação estaria diretamente relacionada à capacidade de ver, que exige do olho uma atenção profunda e contemplativa, inalcançável ao homem da sociedade do desempenho que, em geral, é hiperativo e multitarefa. 

Essa sociedade sempre concentrada no desempenho não se permite cansar. O homem contemporâneo parece esquecer que o cansaço é sagrado: “Depois de terminar sua criação, Deus chamou ao sétimo dia de sagrado. Sagrado, portanto, não é o dia do para-isso, mas o dia do não-para, um dia no qual seria possível o uso do inútil. É o dia do cansaço.” 

O homem contemporâneo seria o contrário do homem da obediência da sociedade disciplinar do século passado, o qual poderia ser representado por Bartleby, personagem do conto Bartleby, o Escrevente, de Herman Melville, que é dono da célebre frase, “I would prefer not to” (“Preferiria não”). O homem contemporâneo é incapaz de dizer não, já que ele tudo pode. Ainda assim, ele sucumbe do mesmo modo que a personagem do escritor norte-americano.

*Dirce Waltrick do Amarante é professora no programa de pós-graduação em estudos da tradução da UFSC 

Capa do livro 'Sociedade do Cansaço', de Byung-Chul Han 

Sociedade do Cansaço Autor: Byung-Chul HanTradução: Enio Paulo GiachiniEditora: Vozes 128 páginas R$ 24

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