PUBLICIDADE

Especialistas em saúde mental mostram como podemos ser mais resilientes em livro

Obra organização pela psicóloga Ilana Pinsky e do psiquiatra Marcelo Ribeiro foi escrita durante a pandemia e tem escopo amplo sobre o tema

Por Aurora Bernardini
Atualização:

Muito oportuno este livro que, embora escrito por dois especialistas em drogas e doença mental (Ilana Pinsky é psicóloga e pesquisadora junto ao Center of Alcohol and Drug Studies da Rutgers University e Marcelo Ribeiro é psiquiatra e diretor do Cratod, Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas de São Paulo), vem nos desvelar aqui os aspectos mais estratégicos da “saúde emocional”e se dirige a todos nós, indiscriminadamente. Mergulhados que estamos nessa época de pandemia são muito bem vindos conselhos, esclarecimentos, questionários e referências literárias de outros tantos que deixaram suas impressões sobre outras pandemias que têm assolado a humanidade desde a Antiguidade e colocado em xeque tantos aspectos importantes de nossa civilização (Boccaccio, Camus, Defoe, Marquez).

'Homem Velho com a Cabeça em Suas Mãos' (1890), de Van Gogh Foto: Rijksmuseum Kröller-Müller

O objetivo do livro Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (ed. Contexto) não é apenas nos situar nesses tempos e explicar porque somos resilientes (resiliência: a capacidade de as pessoas se adaptarem e se recuperarem emocionalmente em situações adversas), mas mostrar como somos e como podemos ser mais resilientes do que imaginamos, cultivando a saúde emocional que, obviamente, não pode existir sem a saúde física, daí a nova mentalidade do “biopsicossocial”, ou compromisso de cuidados interdisciplinares em que os papeis se cruzam e são reversíveis.  “Pensar bem”, explica o médico cardiologista novaiorquino Alan Rozanski é “encarar a vida com bons olhos” e aqui, os autores mostram como desenvolver características do temperamento tais como flexibilidade emocional e mentalidade de crescimento (growth mindset) que pouco têm a ver com o otimismo “tipo Polliana”. O que importa é se convencer que pequenas atitudes podem impulsionar grandes mudanças, e aqui os autores recorrem novamente a exemplos de escritores famosos como Varlam Chalamov (Contos de Kolimá) que revela a força motriz do psiquismo humano diante de problemas de todo gênero, problemas esses que, mutatis mutandis, Chico Buarque (Letra e Música), em sua canção Até o Fim parodia, ao serem vistos como inatos ou insuperáveis: “Quando nasci veio um anjo safadoe decretou que eu estava predestinado a ser errado assim” e Paulo Lemínski (Toda Poesia) ironiza em seus versos: “Problemas têm família grande,/e aos domingos saem todos a passear/o problema, sua senhora/e outros pequenos probleminhas”. Uma atitude errada frente aos problemas é a que Carol Dweck, psicóloga de Stanford, definiu como fixed mindset, ou mentalidade fixa, cujo contrário, a flexibilização, exemplificou com diversos processos que vão da motivação à crença e à elaboração. Ao falar em processos, não foi esquecida a fala de Riobaldo (Grande Serão: Veredas), quando considera que a solução dos problemas não está no começo, muito menos ao final da travessia, mas no meio do percurso, de mansinho, inusitadamente. “ Travessia perigosa, mas é a da vida”, lembra o herói de Guimarães Rosa, ecoando a fala do guerreiro de Gonçalves Dias (Canção do Tamoio) citado pelos autores “/Não chores, que a vida/ É luta renhida:/Viver é lutar”. A personalidade estruturada, que é a que o indivíduo atinge na idade adulta após superar tantas vicissitudes, não pode ser confundida com a mentalidade fixa. Quanto mais estruturada for nossa personalidade e quanto mais claro for nosso código de ética e de conduta pessoal, mais conseguiremos dar conta dessa travessia. E, contrariamente ao que a mídia pode nos fazer engolir não serão a força física ou as habilidades marciais, ou, tanto menos, a agressividade, o que nos permitirá superar as dificuldades, mas sim nossa capacidade de aprender e de amadurecer. O que deve ser visto como inato é o instinto materno/paterno, que leva os genitores a proteger a prole, estabelecendo como que um pacto de sobrevivência genético, o que reforça a importância dos vínculos primordiais positivos, geneticamente programados. Corolário desta constatação são os assim chamados “ vínculos de apoio” e, em particular, as conexões sociais que envolvem o indivíduo, fortalecendo sua sensação de pertencimento. Os nossos vínculos afetivos e de confiança (interesses cooperativos a longo prazo e não avidez de ganhos imediatos) contribuirão para o fortalecimento de nossa resiliência. Concluindo. Mesmo diante dos acidentes e tragédias que deixam sua marca no psiquismo humano – e aqui os especialistas descrevem toda uma série de transtornos e casos extremos – mesmo diante deles, evidências apontam que o psiquismo humano é dotado dessa armadura de resiliência, em parte constituída pelo arcabouço genético e psicológico próprio de todo ser humano e, em parte, por outros componentes estruturais de ordem social e cultural.*Aurora Bernardini é professora de pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada da USP

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.