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Espiões, ameaças e spam: Como Harvey Weinstein intimidou quem tentou denunciá-lo

Filho de Woody Allen e Mia Farrow, jornalista Ronan Farrow relata em livro as estratégias da 'indústria do silêncio' por trás dos assédios

Por Alessandra Monnerat
Atualização:

Foram décadas de silêncio até que o produtor de cinema Harvey Weinstein fosse levado ao banco dos réus, acusado por inúmeras mulheres de assédio sexual e estupro. O figurão de Hollywood era a baleia branca de vários repórteres, que tentaram – sem sucesso – trazer a série de abusos cometidos por ele à tona. Esses casos só seriam revelados em 2017, em reportagens do The New York Times e da New Yorker. Mas por que a verdade demorou tanto a aparecer? Um dos repórteres responsáveis por expor Weinstein, o vencedor do prêmio Pulitzer Ronan Farrow, se dedica essa pergunta no livro Operação Abafa – Predadores Sexuais e a Indústria do Silêncio. E a resposta tem várias camadas.

O jornalistaRonan Farrow Foto: Robert Deutsch

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Uma parte da explicação é digna de um thriller de espiões. Weinstein contratou uma empresa de inteligência israelense chamada Black Cube para investigar os jornalistas que estavam escavando seu passado – o que inclui Farrow e as repórteres do Times Jodi Kantor e Megan Twohey. Entre as táticas empregadas pela agência para obter informações sobre Farrow, estava o envio de mensagens spam para o celular do jornalista – alertas de previsão do tempo, por exemplo. Mais tarde, essas comunicações provariam ser parte de um esquema para roubar os dados do repórter. 

A Black Cube também se valia de técnicas mais tradicionais. Farrow começou a reparar em um carro Nissan Pathfinder que sempre estacionava perto de seu prédio – eram os agentes contratados para segui-lo. O autor conta se sentir paranoico, a ponto de colocar os resultados da apuração sobre Weinstein em um cofre com o bilhete: “Caso algo aconteça comigo, faça essa história ser publicada”. A atriz Rose McGowan, que acusou Weinstein de estupro, foi outro alvo da Black Cube. Por meses, uma mulher chamada Diana Filip se aproximou dela e ganhou sua confiança. Depois, se descobriria que Diana, na verdade, se chamava Stella Pechanac, uma ex-soldado da Força Aérea Israelense treinada em operações psicológicas e contratada para descobrir os segredos da atriz. 

Farrow sabe que tem uma história cinematográfica em mãos, e conduz a narrativa com ritmo preciso e algumas notas de bom humor. Aos poucos, ele pinta um quadro de “nós contra eles”, uma cena de batalha liderada por algumas mulheres e jornalistas corajosos contra um grande complô. Em sua própria versão de Todos Os Homens do Presidente, Farrow tem até seu próprio Garganta Profunda. É Sleeper, uma fonte anônima misteriosa, que trabalhava na Black Cube e resolveu vazar vários documentos da firma para o repórter. “Realmente acredito que Weinstein é um criminoso sexual e tenho vergonha, como mulher, de estar participando disso”, diz Sleeper no livro. 

Mas a história por trás do silêncio que protegia Weinstein não é só sobre espionagem. O autor expõe ainda elementos de uma conspiração maior e mais nociva: a cultura de cumplicidade que envolvia setores da política, da mídia e da indústria do cinema americano. Farrow lembra ao longo do livro que alguns dos que se calaram a respeito dos abusos continuaram a ser celebrados sem grandes questionamentos. Hoje, o favorito a ganhar o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, Brad Pitt, disse saber do assédio contra sua ex-noiva, Gwyneth Paltrow. O diretor de Era Uma Vez… Em Hollywood e indicado a receber a estatueta por Melhor Roteiro Original, Quentin Tarantino, confessou “saber o suficiente para fazer mais” do que fez. 

Os dois não eram os únicos. Weinstein garantiu financiamento e premiações a uma boa parcela de Hollywood – e também trabalhou na arrecadação para campanhas democratas, como a de Hillary Clinton. Mas a lealdade ao produtor em setores considerados progressistas não se explica apenas com dinheiro e poder. O que Farrow dá a entender é que muitos dos que protegeram o predador sexual também tinham esqueletos no armário. O autor conta como sua investigação sobre Weinstein, feita em parceria com o produtor, Rich McHugh foi embarreirada por mais de um ano pela NBC – onde Farrow trabalhava antes de levar sua apuração para a New Yorker. A emissora tinha fechado seus próprios acordos de confidencialidade para abafar casos de abuso sexual cometidos por homens em seu alto escalão. 

Um dos casos revelados no livro é o da ex-produtora da NBC Brooke Nevils, que disse ter sido estuprada por um dos principais nomes da casa, o apresentador Matt Lauer. O relato de Brooke é o mais contundente em Operação Abafa. Ela conta que, durante a cobertura da Olimpíada de Inverno de Sochi, em 2014, Lauer a forçou a fazer sexo anal quando ela estava bêbada. “Quando acordou, havia sangue por toda a parte, empapando a calcinha, empapando o lençol”. Ao menos outras dez ex-colegas de Lauer registraram conduta inapropriada do apresentador, que nega as acusações.

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Como narrador dessas histórias, Farrow tem uma posição curiosa. Ao mesmo tempo que, como jornalista, tem um olhar de fora, ele é filho de duas importantes e controversas figuras do cinema: a atriz Mia Farrow e o diretor Woody Allen. A crônica da família é marcada por uma acusação de abuso sexual. A irmã adotiva de Ronan, Dylan, diz que Allen a molestou quando ela tinha 7 anos de idade. O cineasta nunca foi indiciado criminalmente e nega as acusações. No livro, Ronan expressa seu distanciamento do pai e argumenta que ele contratou um time de detetives particulares para atrapalhar as investigações do caso. Essa posição de defesa da irmã e da mãe tornou o jornalista uma figura mais confiável para algumas de suas fontes, como Rose McGowan. Antes de entrevistar a atriz, o repórter pediu conselhos a Dylan. “Diz pra ela que o negócio é segurar a barra. É igual arrancar um band-aid”.

O autor admite não ser um árbitro imparcial sobre a história de sua família. De qualquer forma, ele defende a importância de que relatos como o de Dylan sejam ouvidos. “Esse tipo de silêncio não é apenas injusto. Ele é perigoso.”

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