Esse mulherio tá que tá

Se o noticiário internacional fosse dividido por sexo, os homens teriam bem menos espaço neste início de mês

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Por Sérgio Augusto
Atualização:

Hillary Clinton, secretária de Estado; Susan Rice, representante dos EUA na ONU; Condoleezza Rice tocando piano para a rainha da Inglaterra e peitando os muftis seculares de Islamabad; Madonna ofuscando Ingrid Betancourt em Buenos Aires; Deborah Lawrence ameaçando a paz natalina na Casa Branca; Tina Fey cintilando na capa da Vanity Fair. O mulherio tá que tá. Se o noticiário internacional fosse dividido por gênero ou sexo, como os banheiros públicos, o espaço ocupado pelos homens, nos primeiros seis dias de dezembro, teria sido bem menor que o habitual. Até a maior perda da semana foi uma figura feminina: a cantora negra Odetta, "a voz dos direitos civis". Ok, Deborah Lawrence requer um crachá. Nossos jornais e telenoticiosos não lhe deram pelota. Perderam um interessante fait divers. Deborah é uma artista plástica de Seattle, das mais abusadas do país. Há meses lançou um livro em cuja capa o presidente Bush aparece enfiando a palavra "fear" (medo) pela goela abaixo de uma mulher. Equivocadamente incluída numa lista de 350 artistas convidados para criar um ornamento para a árvore de Natal da Casa Branca, fez chegar às mãos da ainda primeira-dama uma bola enfeitada com um pedido: o impeachment do marido de Laura Bush. O adorno foi rejeitado, discretamente, mas um funcionário da presidência vazou o constrangedor episódio para a imprensa. Pena que a sugestiva bola tenha chegado com sete anos de atraso. Mas valeu a provocação. Tina Fey só não conhece quem passou 2008 dormindo. Mesmo quem não tem canal a cabo, nunca assistiu ao humorístico Saturday Night Live, nem faz idéia do que seja 30 Rock, conhece Tina ao menos de nome e vista. Atriz, humorista e produtora, a número 1 da espécie, três prêmios Emmy este ano. 30 Rock é uma comédia de situações ambientada nos bastidores de um programa de televisão, aqui exibida pelo canal a cabo Sony. O título é uma brincadeira com o endereço da NBC: 30, Rockefeller Plaza. Tina foi a primeira mulher a chefiar a equipe de redatores do Saturday Night Live, até então um clube do bolinha. Estourou durante a campanha presidencial americana parodiando Sarah Palin (o escracho completo está no You Tube) com a dosagem perfeita de elegância e maleficência. Como já acontecera com Chaplin e Hitler, a arte venceu. Não custa lembrar: Hitler, o verdadeiro grande ditador, morreu como uma ratazana encurralada em 1945; e Chaplin, o falso grande ditador, só partiria para os Campos Elíseos 32 anos mais tarde, mansamente, nos braços de Morfeu. A trêfega governadora do Alasca não merece ser comparada ao führer, mas seu inferno astral pós-eleitoral, se justaposto ao tudo azul de Tina Fey, lembra muito os destinos inversos que o gozador Chaplin e o gozado Hitler tiveram. Enquanto a vice de McCain amontoava críticas de seus conterrâneos (por estar muito mais empenhada na sucessão presidencial de 2012 que nos problemas do Alasca), e ampliava seu rol de desafetos partidários (a republicana Lisa Murkowski, que concorre à reeleição em 2010, cismou que Palin está de olho comprido em sua cadeira no Senado e já soltou seus pitbulls retóricos), a estrela da série 30 Rock não tinha mais onde brilhar. Além de capa, ganhou, na Vanity Fair um perfil escrito por Maureen Dowd (a Tina Fey do New York Times) e foi fotografada pela Annie Leibovitz. Tratamento mais vip, impossível. Ela merece tudo isso e o céu também. Inteligente, mordaz, bonita de um jeito muito especial, involuntariamente atraente, Michael Specter não errou o alvo quando, cinco anos atrás, antecipando-se ao que hoje é opinião corrente, definiu-a, na revista The New Yorker, como "um símbolo sexual para os homens que lêem sem mover os lábios". Verifique se exagero acessando o site da revista, na internet, cuja principal atração é um clip da sessão de fotos de Leibovitz, com Tina dançando, de míni preta, um sucesso de Beyoncé. E, já que você está na internet, vá até o YouTube e monte um festival privado de clips de Odetta. Pode começar por Water Boy, com os arrepiantes "uaus!" da cantora. Antes ou depois, tanto faz, visite a página do New York Times, que pôs on-line uma bela homenagem a ela. Odetta Holmes era a rainha do folk, a intérprete transcendente da alma negra, das atrocidades da escravidão e do segregacionismo, a Rosa Parks da música. Voz poderosa, vocacionada para o bel canto mas visceralmente desviada para o blues e os spirituals, nela misturavam-se a fúria e a frustração com as quais cresceu e os sonhos libertários que a tornaram presença obrigatória em todas as escalas do movimento pelos direitos civis na América. Tinha apenas 7 anos ao estrear num teatro de Los Angeles onde sua mãe cuidava da faxina. Viera do Alabama, no êxodo da Grande Depressão, fez carreira em cafés, palanques, igrejas e onde mais sua mensagem de desafio e sobrevivência precisasse ser ouvida e provocar emoção. Foi a maior influência que Bob Dylan, Joan Baez e Janis Joplin admitiram ter sofrido. Odetta cantou na histórica Marcha de Washington, liderada por Martin Luther King, em agosto de 1963; no Carnegie Hall; no funeral do escritor James Baldwin, em 1987; até na Europa e na Casa Branca. Participou de mais de 60 concertos nos últimos dois anos: o corpo preso a uma cadeira de rodas, a voz solta como um trovão eletrificado por sofrimentos e poesia. Daqui a 50 dias cantaria a capela na posse de Barack Obama, o apogeu de sua exemplar trajetória, a festa que não merecia ter perdido por culpa de um coração que há muito ameaçava fazer o que afinal fez na terça-feira passada, num hospital de Nova York, quando faltava menos de um mês para ela completar, oh, Lord!, 78 anos. A QUESTÃO É: Advogados devem ficar fora do rodízio municipal de veículos? Câmara adia votação Por falta de consenso, a votação do projeto que isenta advogados do rodízio de veículos em São Paulo foi adiada na última terça-feira. O texto, do vereador Edivaldo Estima (PPS), aprovado em primeira discussão, prevê a liberação de um veículo por advogado, para uso exclusivo no exercício da profissão. Se aprovado, o projeto vai para sanção do prefeito Gilberto Kassab. A proposta pode favorecer até 85 mil profissionais. Hoje, a única categoria isenta do rodízio é a dos médicos. Resultado da enquete: Sim> 16% Não> 84% Confira a próxima enquete em www.estadao.com.br

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