EUA criarão empregos duradouros?

Novo presidente vai enfrentar uma fila de governadores, empresários e grupos ávidos por empréstimos

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Por Kenneth Serbin
Atualização:

. À medida que a economia mundial mergulha cada vez mais na pior recessão desde a Grande Depressão, o governo de Barack Obama se dispõe a despender a soma recorde de US$ 850 bilhões num pacote de estímulo econômico, criando um déficit orçamentário recorde. Obama espera assim manter as empresas em atividade, os bancos em posição de emprestar e, sobretudo, as pessoas trabalhando. A perda de mais de meio milhão de empregos em dezembro - elevando a taxa de desemprego para 7,2%, maior nível em 16 anos, o que levou os analistas a levantar a possibilidade de chegarmos a uma taxa de dois dígitos - realça a gravidade da situação. No estado atual, o pacote proposto, que já triplicou desde que Obama anunciou pela primeira vez seu plano, após a eleição de novembro, vai incluir cerca de US$ 300 bilhões em redução de impostos e US$ 550 bilhões, que serão investidos em infraestrutura e gastos emergenciais nas áreas da educação, saúde, seguro desemprego e cupons de alimentação. Do total, metade do financiamento deve ser administrado pelos Estados, que, por seu lado, canalizariam o dinheiro para os municípios. Muitos Estados estão atravessando um período de grandes apuros financeiros e podem precisar da ajuda federal. Só a Califórnia se defronta com um déficit de US$ 42 bilhões e divide com a Louisiana, um Estado bastante pobre, a classificação de risco de Estado mais pobre do país. Não conseguindo resolver o que de fato já pode ter chegado a uma falência, o governador Arnold Schwarzenegger e a assembléia estadual, o Legislativo do Estado, parecem estar paralisados politicamente, embora o governador tenha tido a coragem de propor alternativas difíceis, como o fechamento das escolas estaduais durante uma semana para economizar dinheiro. San Diego, o sexto maior município do país, chamado de "Cidade mais Agradável dos Estados Unidos", passou de 2003 a 2008 com uma classificação de risco suspensa por causa de um déficit de US$ 1 bilhão no seu fundo de pensão, resultado da má administração das finanças do município, que confiou demasiado nas tendências de alta dos mercados financeiros. A cidade projeta um déficit de US$ 54 milhões e se propõe a cortar centenas de postos de trabalho e reduzir alguns serviços prestados, como centros de recreação e bibliotecas públicas, que fazem parte da coluna vertebral da cultura cívica americana. Obama sentirá, sem dúvida, a enorme pressão política dos governadores e prefeitos, presas da recessão que necessitam de uma ajuda adicional, o que vai aumentar um déficit orçamentário já projetado em US$ 1,2 trilhão. Assim, não obstante sua magnitude, o pacote de estímulo parece servir pouco mais do que um pequeno auxílio para a economia, e não se sabe se conseguirá gerar o número suficiente de postos de trabalho para afugentar o desemprego em massa. Obama, inicialmente, falou em criar 2 milhões de postos de trabalho, mas num importante discurso em 8 de janeiro - uma declaração sem precedentes feita por um presidente eleito, fomentada pelo sentimento cada vez mais forte de urgência nacional - ele quase dobrou sua estimativa, para 3,7 milhões de empregos. Mas não há evidências em favor dessa afirmação. Diante das tendências desanimadoras nesse campo, essa meta parece mais destinada a preservar empregos que a criar novos. Enquanto a mídia e os políticos se concentrarem, nos próximos meses, nas políticas e nos detalhes desse pacote de estímulo econômico e criação de empregos, as causas mais profundas da crise econômica continuarão pesando muito sobre o mundo. A equipe de Obama vai empregar como remédio econômico o mesmo comportamento prejudicial que gerou a crise: gastos maciços financiados por empréstimos obtidos junto a credores estrangeiros, que atuam cada vez mais como provedores de fundos. Isso vai impulsionar a economia a curto prazo, mas poderá muito bem corroer a capacidade, a longo prazo, de a economia americana realizar investimentos e gerar empregos bem remunerados e estáveis. Os seguidos empréstimos criam um fardo adicional para a próxima geração de assalariados, que verá uma porcentagem cada vez maior de seus impostos sendo utilizada para pagar os juros da dívida, para não mencionar o montante principal. Essas pessoas podem ter empregos, mas terão cada vez menos dinheiro para gastar e poupar para si e suas famílias. Obama já alertou que o país pode enfrentar "anos" de déficits trilionários. Como tantos outros presidentes anteriores, entre os quais se inclui o presidente George W. Bush, ele está adiando a meta de estabelecer um orçamento equilibrado para o futuro distante - essencialmente criando um problema para ser resolvido pelos líderes do futuro e ser suportado pelas futuras gerações. Tudo isso sem falar na possibilidade da volta da inflação. Outra questão crucial gerada pela simples dimensão do pacote de estímulo está relacionada à responsabilidade. O tamanho da economia americana - com um PIB de US$ 14 trilhões e um orçamento federal de US$ 3 trilhões - facilita solucionar os problemas somente gastando dinheiro, mas ao mesmo tempo torna extremamente difícil controlar os gastos. As estruturas políticas não evoluíram a ponto de tamanho gasto poder ser monitorado de maneira responsável e ter seus detalhes informados ao público. Um excelente exemplo disso surgiu quando a primeira parcela de US$ 350 bilhões do fundo de resgate foi distribuída a partir de outubro principalmente entre os bancos. É possível que nunca antes tal quantia de dinheiro público tenha sido alocada com tanta rapidez e acompanhada de semelhante falta de debate público e planejamento. A supervisão do Congresso sobre o emprego do dinheiro concluiu que, apesar de ter sido evitado um colapso do sistema financeiro, o programa não levou à melhoria esperada no fluxo de crédito. O Departamento do Tesouro, encarregado do resgate, ainda não explicou quais foram os critérios utilizados na distribuição dos fundos aos bancos. Ficou bem evidente que nos Estados Unidos as grandes empresas continuam mamando nas tetas do governo. O sistema de bem-estar corporativo está vivo e saudável nos EUA. O presidente eleito, Barack Obama, e o presidente George W. Bush concordaram que a administração atual deve liberar a segunda parcela de US$ 350 bilhões, mas, novamente, não está claro o que exatamente será feito com esse dinheiro. Assim, emerge o problema de como a administração Obama planeja distribuir e monitorar o programa de estímulo, incluindo a questão da criação de empregos. Como ocorreu com o resgate de outubro, as empresas e os grupos de interesses especiais estão formando fila para fazer lobby junto ao governo em busca de uma parcela do pacote de estímulo. O candidato republicano à presidência, John McCain, propôs um congelamento nos gastos para o orçamento federal, mas a ideia recebeu pouca atenção. Em vez disso, com o novo Congresso e a nova presidência vindos ambos do mesmo partido (o Partido Democrata), o país corre o risco de ver o estímulo ser transformado no maior fisiologismo eleitoreiro de todos os tempos. A não ser que Obama adote mão firme no trato com o próprio partido, será declarada aberta a temporada de solicitações orçamentárias. Setores da economia serão beneficiados, especialmente os interesses que apoiaram Obama durante sua campanha. Mas para que a economia como um todo recupere sua capacidade de geração de postos de trabalho, Obama terá de contar com o setor privado. Veremos se um estímulo de curto prazo pode ganhar tempo o bastante para reverter as tendências de longo prazo que são subjacentes à crise. *Kenneth Serbin é diretor do Departamento de História da Universidade de San Diego e autor de dois premiados livros sobre História do Brasil

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