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EUA mudam a trave de lugar

Turquia e Brasil restauram principais pontos de um acordo com o Irã, mas EUA exigem sanções e acrescentam outra exigência

Por Roger Cohen
Atualização:

Se toda a desconfiança que existe entre Irã e Estados Unidos precisasse de mais um exemplo ilustrativo, ele foi oferecido pelo acordo turco-brasileiro sobre o urânio enriquecido do Irã, a reação mal-humorada dos EUA ao acordo e a aparente determinação das grandes potências, lideradas pelo governo Obama, em aprofundar o fosso do fracasso. Examinemos o que os líderes turco e brasileiro conseguiram em Teerã, qual a relação com um quase acordo americano anterior e o que tudo isso diz sobre um mundo que atravessa importantes mudanças de poder. 

 

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Brasil e Turquia representam o mundo emergente pós-ocidental, que continuará emergindo. A secretária de Estado, Hillary Clinton, deveria, portanto, ser menos rápida em aniquilar, com um vago elogio, os “esforços sinceros” de Brasília e Ancara. 

A capacidade do Ocidente de impor soluções para assuntos globais, como o programa nuclear iraniano, foi desnudada. Os EUA, engajados em duas guerras em países muçulmanos, não podem se permitir uma terceira. A primeira década do século 21 delineou os limites do poder americano: é grande, mas não mais determinante.  

O Irã vem produzindo, sob inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), urânio enriquecido a 5%. É esse urânio que tem de ser transformado em urânio enriquecido acima de 90% se o Irã pretende produzir uma bomba atômica. A ideia por trás do acordo americano em Genebra, em outubro, era tirar uma boa quantidade de urânio enriquecido a 5% do Irã, de modo a estabelecer confiança, criar um espaço para negociação e remover o material que pudesse ser subvertido. Em troca, o Irã obteria barras de combustível para um reator de pesquisa médica. 

O Irã, tentando barganhar como de hábito, disse sim, talvez e não, o que irritou Obama. O país exigia que o combustível enriquecido a 5% ficasse em solo iraniano, sob controle da AIEA, e que houvesse uma troca simultânea de barras de combustível. Esqueçam, respondeu Obama. 

Turquia e Brasil restauraram os elementos principais do acordo de outubro: o armazenamento de 1.200 quilos de urânio enriquecido a 5% num local fora do Irã (Turquia) e o prazo de um ano – essencial para se iniciarem negociações amplas – entre o armazenamento do urânio em custódia e a importação das barras de combustível. 

E qual foi a resposta dos EUA? Vamos persistir na adoção de “sanções severas” (se não mais devastadoras) contra o Irã junto à ONU; e insistir na suspensão antecipada do enriquecimento de urânio, o que não fazia parte do acordo de outubro.  

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Obama poderia, em vez disso, ter dito: “A pressão funciona! O Irã fez um sinal às vésperas de novas sanções. Isolar o Irã só atende aos interesses dos radicais do país”.  

Não surpreende que o chanceler turco, Ahmet Davutoglu, esteja enfurecido: “Eles queriam que criássemos confiança para o Irã fazer a troca. Fizemos nossa parte”. 

Sim, a Turquia fez a sua parte. Sei que 1.200 quilos representam hoje uma proporção bem menor de urânio enriquecido a 5% do que em outubro e não está mais claro que as barras de combustível viriam da conversão desse urânio armazenado em custódia. Mas isso é nada quando você tenta criar uma tênue ponte entre iranianos “mentirosos” e americanos “prepotentes”. 

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As reações francesa e chinesa – dando um apoio cauteloso – têm sentido. Os americanos não fizeram nada, ou fizeram atendendo à forte pressão do Congresso no sentido de sanções “esmagadoras”. Essas novas sanções não vão mudar o comportamento do Irã na questão nuclear; mas negociações, sim. Só posso esperar que a irritação dos EUA tenha sido apenas uma tática. 

No ano passado, na ONU, Obama exortou a iniciar uma nova era de responsabilidades compartilhadas. Turquia e Brasil responderam a esse apelo – e foram desdenhados. Com isso, as palavras iluminadas de Obama parecem vazias de sentido. / Tradução de Terezinha Martino* ROGER COHEN É EDITOR DO INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE

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