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Festival americano valoriza música feita por imigrantes

'Migrations: The Making of America' mostra a importância dos fluxos migratórios para a criação da cultura americana

Por Jon Pareles
Atualização:

NOVA YORK — O que os imigrantes trouxeram com eles? Numa viagem sem volta para uma nova vida desconhecida talveztenham trazido dinheiro, documentos, roupas, algumas pequenas lembranças. E algo invisível e intangível também: suas memórias culturais: as canções de ninar que seus pais cantavam,as danças habituais nos casamentos, a melhor maneira de cozinhar uma galinha. No novo território essas memórias eram um elo com o país natal e, com sorte, algo que compartilhavam com os vizinhos.

A saxofonistaLakecia Benjamin Foto: Motéma Music

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Esta é a história americana, repetida com variações incontáveis a cada nova chegada. É também um assunto polêmico na política em todo o mundo. E é o tema do festival Migrations: The Making of America, que se desenrola por toda a cidade durante todo o fim de semana, tendo o Carnegie Hall como centro junto com mais de 75 organizações parceiras, incluindo a New York Historical Society, o Irish Arts Center, Harlem Stage, o YIVO – Institute for Jewish Research, El Museo del Barrio e o Vietnam Heritage Center. O festival engloba workshops de dança, painéis de discussões e tours pelo Harlem, ao lado de pequenos e grandes concertos.

“São tantas culturas diferentes e tantas etnias distintas que querem contar sua história”, disse Clive Gillinson, diretor artístico e executivo do Carnegie Hall.

Os programas do Carnegie focam em três migrações históricas para e dentro dos Estados Unidos: a vinda de irlandeses e escoceses nos séculos 18 e 19; a dos judeus que chegaram da Rússia e Europa Oriental no final do século 19 até 1924, quando o National Origins Act estabeleceu quotas de imigração; e a Grande Migração de seis milhões de afro-americanos do Sul para as cidades industriais do Norte. Os imigrantes das ilhas britânicas trouxeram consigo um repertório que foi a semente da musica country e dos Apalaches. O contingente judeu trouxe compositores fundamentais para a Tin Pan Alley e a Broadway. E a Grande Migração disseminou o blues, o jazz, o gospel e outras glórias da música afro-americana.

Quando você pensa que “algumas das artes inspiradoras e sublimes que jamais poderia imaginar”, surgiram de situações terríveis, disse Gillinson, “acho que elas nos dizem muito sobre o que os seres humanos conseguem fazer ao transmutar as coisas mais duras e dolorosas da vida em algo que eleva todo o ser humano”.

O pianista de jazz Jason Moran e a mezzo-soprano Alicia Hall Moran, sua mulher, ao lado de outros convidados da música clássica, rock, gospel e do jazz,realizarão um concerto em 30 de março sobre a Grande Migração no Carnegie Hall, intitulado Two Wings. Sua base, disseram Jason e Alicia, é o livroThe Warmth of Other Suns, de Isabel Wilkerson. Músicas do programa como o spiritual Two Wings, e o blues Route 66, por mais alegres que pareçam, falam, contudo, de fuga.

“A raiz é terror puro”, disse Jason. “Pessoas tendo de fugir, tendo de se esconder, reunir os poucos pertences que tinham e partir improvisadamente para alguma outra cidade – para chegar ali e descobrir que teriam de enfrentar outros problemas depois”.

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A herança judaica e sua evolução americana serão tema de um concerto emblemático em 15 de abril. “From Shtetl to Stage: a celebration of Yiddish Music and Culture”, produzido pelo autor Seth Rogovoy, reunirá músicos clássicos (o violinista Gil Shaham e o pianista Evgeny Kissin, de klezmer (o clarinetista David Krakauer e o trumpetista Frank London, diretor musical do show), além de cantores e atores explorando o teatro ídichee sua grande influência.No Zanker Hall, o clarinetista e mandolinista Andy Statman conduzirá seu trio em 14 de março e Michael Feinstein apresentará o The Great American Jewish Songbook: Kern, Berlin, Arlen, Rodgers and More”, em 27 de março.

A faceta escocesa-irlandesa do festival começa no sábado com um segumento do Live From Here, programa de rádio da American Public Media apresentado pelo compositor Chris Thile. “Foi uma decisão bizarra apresentar o espetáculo, visto que sou um sujeito do sul da Califórnia sem nenhuma herança escocesa ou irlandesa”, disse ele. “Mas de outro lado faz sentido porque tem a ver como essas migrações tiveram tanta influência na cultura e na vida americana”.

Em 6 de abril no Zankel irá se apresentar o Gloaming, quinteto de músicos irlandeses e americanos que fundem os tradicionais violinos e canções irlandesas com harmonias e arranjos introspectivos e ousados. Para Martin Hayes, violinista de County Clare, que fundou o grupo, eles continuam um diálogo que data de um século entre a música irlandesa e sua diáspora americana, restaurando algumas sutilezas que foram abandonadas devido àslimitações das primeiras gravações e o entusiasmo pela guitarra quando do ressurgimento da música folk nos anos 1960.

O festival The Migrations incluiu uma série nova no seu quinto ano no Flushing Town Hall, centro de artes: O Global Mashups, que apresenta programas duplos com músicos de tradições diversas para um público que chega para dançar. Os passos de dança são ensinadas antes do espetáculo edepois de cada grupo tocar sua parte, eles se juntam no palco. “No final da noite já não somos estranhos”, disse Ellen Kodadek, diretora artística e executiva do Flushing Town Hall.

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A programação deste ano começa com o Hazmat Modine – grupo de blues que toca desde o jazz tipo brass-band de Nova Orlenans, até ska, ou klezmer – e Falu,cantora nascida em Mumbai que vai interpretar músicas de filmes de Bollywood e do Holi, festival hindu de renovação e perdão.

Falu representa a 11ª geração de uma família de músicos clássicos hindus: ela imigrou para os Estados Unidos há 20 anos e estudou no Berklee College of Music. Seu álbum Falu’s Bazaar foi um dos indicados ao Grammy este ano e “com ele meu objetivo foi manter a tradição viva”, disse ela,“e no caso de todas as pessoas que imigraram, que têm uma cultura diferente à qual se prender, que têm uma história para contar, atestar que a sua música é importante, a sua história é importante”. 

Ela não tem nenhum preconceito quanto a participar de uma jam-session cruzando culturas com o Hazmat Modine. “A música tem o maior poder unificador.Vamos juntar as pessoas”, afirmou. / Tradução de Terezinha Martino 

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