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Coluna quinzenal do jornalista e escritor Sérgio Augusto sobre literatura

Opinião|Fifa do B

Boleiros de regiões separatistas, zonas de conflito, enclaves étnicos e países embrionários disputam divertida ‘copa nanica’

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ARQUIVO 04/07/2014 ALIAS Logo da competição da Copa Conifa. CRÉDITO: DIVULGAÇÃO Foto: Divulgação

Ainda faltavam quatro dias para o início da Copa do Mundo quando outro mundial de futebol chegou ao fim. Na Suécia. E decidido nos pênaltis. Placar final: Condado de Nice 5 x 3 Ellan Vannin. A seleção provençal, portanto, foi a primeira campeã mundial de futebol deste ano. A Fifa nada teve a ver com o peixe. Essa copa, realizada na cidade sueca de Östersund, foi uma iniciativa da Conifa (Confederation of Independent Football Association), a Fifa do B. 

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Com 12 seleções distribuídas em três grupos, não chamou a atenção da mídia, e se não fosse uma pequena reportagem do New York Times desta semana, assinada por James Montague, milhares de aficionados do futebol ao redor do planeta continuariam ignorando a copa nanica da Conifa. Com uma média de seis gols por partida, ao menos divertida ela deve ter sido. 

Entidade criada para agregar boleiros de regiões autônomas, zonas conflituosas, enclaves de minorias étnicas, ilhas e Estados embrionários sem representação em nenhuma das seis confederações da Fifa, a Conifa tem sede em Luleá, capital da Lapônia sueca, mais conhecida por abrigar a armada sueca de quebra-gelos do que aficionados por futebol. Seu presidente, o empresário sueco Per-Anders Blind, já conseguiu a filiação de 19 membros (10 da Europa, 2 da África, 6 da Ásia e 1 da América) e agora se concentra na realização de um torneio europeu, possivelmente com mais de 20 times, no ano que vem. A Uefa que se cuide.

“Não sou um renegado da Fifa, mas um batalhador do futebol radicalmente sem fronteiras.” Assim Blind se autodefine, evitando atritos com a entidade máxima do futebol mundial e procurando sempre destacar o papel cultural de sua instituição alternativa. “Quanto mais amplo e inclusivo um torneio de futebol, maior o intercâmbio entre diferentes culturas, boa parte delas desconhecida no resto do mundo.” Para os participantes, grana é de somenos. Ganhar maior visibilidade no cenário internacional, para lutar com novas armas pela autonomia política e territorial de sua gente, eis o principal fator de adesão aos quadros da Conifa. 

Na copa encerrada no dia 8 de junho, com todos os jogos disputados no estádio, perdão, na Arena de Jämtkrat, com capacidade para pouco mais de 5 mil pessoas, os três grupos estiveram assim divididos: 

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Grupo A

Iraque Curdistão - representando uma região autônoma no norte do Iraque.

Padânia - promovendo a Liga Norte, força secessionista que diz representar oito regiões do norte da Itália, a mesma que apoiou Berlusconi. Como nem na Liga Italiana de Futebol foi aceita, criou a própria Lega Federale Calcio Padana. Já goleou a seleção de Darfur por 20 x 0.

Sapmi - escrete de um território no norte da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia, com uma penca de jogadores noruegueses. Em outro torneio independente, na Occitânia, fez 43 gols em apenas três partidas, e goleou Mônaco, na final, por 21 x 1. Na copa, murchou.

Condado de Nice - ou Countea de Nissa, em niçois castiço, um dos Estados da Savoia. Entrou no lugar de Zanzibar e virou zebra.

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Grupo B

Arameans Suryoye - ou arameus, na língua dos pentacampeões da Fifa. Povo semita que falava aramaico e vivia em Aram (na antiga Síria) e na Mesopotâmia. Conquistou o terceiro lugar.

Nagorno-Karabakh - da República homônima, ao sul do Cáucaso, fronteira com Armênia e Irã, só reconhecida por três países tampouco reconhecidos pela ONU, que a considera parte do Azerbaijão.

Occitânia - daquela região que compreendia o Languedoc e o litoral mediterrâneo da França, e emprestou seu nome a uma cadeia de lojas de sabonetes, perfumes e xampus espalhada pelo mundo inteiro.

Ossétia do Sul - região separatista da Geórgia que substituiu Quebec, o front futebolístico dos autonomistas quebequenses após sua aceitação pela Concacaf, o braço da Fifa na América Central e do Norte. Os sul-ossetianos, derrotados pelos arameus por 4 x 1, ficaram na quarta colocação.

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Grupo C

Abkházia - da homônima república autônoma do Cáucaso, no norte da Geórgia. 

Darfur - aquela região do oeste do Sudão assolada por massacres desde 2003. Seus integrantes vivem em campos de refugiados no Chade e foram arregimentados pelo filantropo global Gabriel Stauring, cofundador da ONG StopGenocideNow e do grupo humanitário i-ACT. Nenhum deles havia jogado antes em gramado, só em terra batida. Sofridos e estoicos pernas de pau, perdem uma atrás da outra. E sempre de goleada. Em apenas quatro partidas, levaram 61 gols.

Ellan Vannin -Isle of Man, em gaélico, entre Grã-Bretanha e Irlanda. 

Tamil Eelam - formada por vítimas da diáspora tamil em Sri Lanka espalhadas pelo Canadá, Reino Unido e Suíça. Só não foi derrotada pela seleção de Darfur, o saco de pancadas do torneio.

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Que chance têm esses times de um dia serem aceitos pela Fifa? A mesma da Palestina: quase nenhuma. A Rússia não permitiria que a Ossétia do Sul e a Abkházia tivessem seus selecionados oficialmente reconhecidos. E o mesmo faria a França (em relação à Occitânia), a Tanzânia (em relação a Zanzibar) e o Azerbaijão (em relação a Nagorno-Karabakh), que foi, aliás, o que a Sérvia fez com o escrete do Kosovo e a Espanha com o de Gibraltar. 

Mas não custa pressionar. Kosovo tanto pressionou que Sepp Blatter, presidente da Fifa, driblando o lobby sérvio, arrumou um jeito de os kosovares disputarem amistosos, por enquanto apenas amistosos, com times da Uefa. Gibraltar conseguiu tornar-se membro da Uefa no ano passado e espera ser em breve aceito pela Fifa. 

Opinião por Sérgio Augusto
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