Físicos e discípulos de Carl Sagan imaginam o futuro em livros

'O Futuro da Humanidade', de Michio Kaku, e 'Crônicas Espaciais', de Neil deGrasse Tyson, têm enfoques distintos sobre viagens interplanetárias e expansão do universo

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Por André Cáceres
Atualização:

“Apesar de todas as aparentes impossibilidades, é bastante provável que se possa inventar um meio de viajar para a Lua; e como ficarão felizes os primeiros a terem sucesso nessa tentativa.” Essa frase não seria tão surpreendente se não tivesse sido escrita em 1638, mais de três séculos antes de se mostrar verdadeira. Seu autor, o clérigo inglês John Wilkins (1614-1672), é prova que desde muito cedo na história a exploração espacial é um sonho humano. Em verdade, uma das mais antigas ficções de que se tem notícia, Uma História Verdadeira, de Luciano de Samósata, versa sobre uma viagem à Lua já no século 2. Agora, 50 anos depois do primeiro pouso na Lua, dois livros chegam ao Brasil para discutir os próximos passos da humanidade em direção ao infinito.

Keir Dullea como o astronauta Dave de '2001, Uma Odisseia no Espaço' Foto: Metro Goldwyn Mayer

O Futuro da Humanidade (Editora Crítica), de Michio Kaku, e Crônicas Espaciais (editora Planeta), de Neil deGrasse Tyson, guardam semelhanças interessantes. Ambos os autores são físicos, divulgadores científicos e ilustres discípulos de Carl Sagan – Tyson, inclusive, apresentou em 2014 o remake da série documental Cosmos, criada em 1980 por Sagan. No entanto, os livros têm enfoques distintos para abordar o tema do universo. Enquanto Crônicas Espaciais é uma compilação de textos antigos de Tyson, muitos deles já desatualizados, a obra de Kaku é um instigante e organizado panorama do que deve acontecer com a humanidade nos próximos anos, décadas, séculos e até mesmo em um futuro incalculavelmente distante, no fim do universo.

O físico Michio Kaku, autor de 'O Futuro da Humanidade': otimismo Foto: Editora Planeta

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O Futuro da Humanidade é um verdadeiro guia de como poderá ser a expansão humana pelo universo. “Poderá ser”, porque a maior parte dos conceitos e tecnologias discutidos por Kaku ainda são parte da física teórica, não tendo sido testados. Por seu caráter especulativo, ainda que com enorme embasamento teórico, o livro é permeado pelas palavras “possível”, “provável” e “improvável” – o termo “impossível” praticamente não aparece. Kaku demonstra, com essa escolha lexical, que conhece muito bem as três leis postuladas pelo escritor de ficção científica Arthur C. Clarke: “Quando um cientista distinto e experiente diz que algo é possível, é quase certeza que tem razão. Quando ele diz que algo é impossível, ele está muito provavelmente errado”, “O único caminho para desvendar os limites do possível é aventurar-se um pouco além dele, adentrando o impossível” e “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”.

Kaku começa narrando uma breve história da engenharia de foguetes desde o século 19, com o russo Konstantin Tsiolkovski (1857-1935), que lançou as bases teóricas e matemáticas das viagens espaciais, passando pelo americano Robert Goddard (1882-1945), pioneiro que enfrentou o ceticismo da imprensa – em 1929, após uma tentativa frustrada de lançamento de um protótipo, ele virou chacota no jornal local: “Foguete para a Lua erra o alvo por 385 mil quilômetros” –, até o alemão Wernher von Braun (1912-1977), que ajudou Hitler a bombardear as cidades dos Aliados com seus foguetes V2, foi cooptado pelos EUA depois da 2ª Guerra Mundial e virou figurai fundamental para a conquista lunar em 1969.

Nas décadas seguintes ao feito de Neil Armstrong, Buzz Aldrin e companhia, o interesse pela exploração espacial decresceu, acidentes como o da Columbia em 1986 ajudaram a minar o apoio da opinião pública aos empreendimentos, e as verbas minguaram. Mas com a entrada de empresas privadas, a possibilidade de mineração de asteroides e o renovado interesse das pessoas pelo espaço nos últimos anos –como se pode verificar pelo cinema hollywoodiano – a humanidade volta a olhar para cima, segundo Kaku. 

Tyson oferece argumentos para apoiar a exploração do universo. A curto prazo, a ciência sempre esbarra por acaso em novas descobertas e tecnologias benéficas para a sociedade enquanto mira em outras coisas; a longuíssimo prazo, se sobrevivermos às ameaças climática e nuclear em que nos metemos, precisaremos, como espécie encontrar um novo lar, uma vez que nosso Sol tem “apenas” mais alguns bilhões de anos de vida antes de esgotar o combustível de seu núcleo e se expandir, engolindo a Terra em suas chamas. Sem falar que o custo dessas empreitadas, por maiores que sejam, são ínfimos em termos de porcentagem do orçamento de um país, e podem se tornar investimentos lucrativos com a exploração mineral dos asteroides, constituídos de ferro, níquel, carbono e cobalto, além de elementos valiosos como metais de terras raras, platina, paládio, ródio, rutênio, irídio e ósmio.

Os próximos anos, com expedições à Marte empreendidas pela Nasa e por empresas privadas como a SpaceX, de Elon Musk, serão cruciais para o futuro. As diferenças entre os projetos são grandes: enquanto a parceria entre Nasa e Boeing é mais cautelosa, planejando primeiro estabelecer uma base na Lua com infraestrutura para lançar, em um segundo momento, uma viagem a Marte, a SpaceX é mais ousada e pretende enviar uma missão tripulada diretamente ao planeta vermelho já em 2022.

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Kaku debate os principais combustíveis utilizados atualmente por foguetes químicos e as apostas mais promissoras para reduzir os custos das viagens ao espaço. Os entraves e as vantagens de tecnologias ainda não disponíveis, como a fissão nuclear, a propulsão iônica, o motor de plasma e até a antimatéria são explicados de forma didática pelo físico. Os obstáculos mais imediatos têm soluções mais próximas e plausíveis, enquanto os passos seguintes trazem desafios que a ciência ainda levará muitas décadas para superar – caso seja mesmo possível, Kaku pondera. 

A velocidade da luz é o limite para se mover pelo universo, e, mesmo com tecnologias ainda em desenvolvimento, qualquer viagem para fora do nosso sistema solar, em direção e outra estrela, seria longa demais para uma pessoa. Kaku fala sobre como a medicina pode nos tornar virtualmente imortais com inovações da nanotecnologia e da engenharia genética, mas ressalta que há questões éticas ainda não resolvidas por trás dessas inovações. Uma solução para os perigos da colonização espacial depende dos avanços na inteligência artificial – robôs autorreplicantes poderiam se espalhar pelo espaço, fincando a bandeira humana e instalando bases para os colonos que chegariam posteriormente, já com as habitações prontas. 

Dessa forma, a humanidade poderia, em algumas centenas de anos, se espalhar pelo espaço como nossos ancestrais outrora se espalharam pelo oceano. “A distância até as estrelas pode parecer imensa”, escreve Kaku. “O físico Freeman Dyson, de Princeton, sugere que, para atingi-las, é preciso aprender algo com as viagens dos polinésios milhares de anos atrás. Em vez de arriscarem-se numa extensa jornada Pacífico afora, que teria todas as chances de acabar em desastre, eles pularam de ilha em ilha, espalhando-se pelas massas de terra do oceano uma de cada vez. Sempre que chegavam a uma, criavam bases permanentes e daí partiam para a ilha seguinte. Ele propõe a criação de colônias intermediárias no espaço profundo, usando a mesma lógica. A chave dessa estratégia estaria nos cometas. Juntamente a planetas órfãos que, de alguma forma, tenham sido ejetados de seus sistemas estelares, eles poderiam criar a trilha para as estrelas.”

Dyson não é o único astro da física consultado por Kaku em O Futuro da Humanidade. A lista de entrevistas feitas por ele nos últimos anos e que embasaram sua investigação para o livro conta com 12 ganhadores do Nobel, cientistas como Stephen Hawking, Ray Kurtzweil, Steven Pinker, celebridades como Stan Lee e Buzz Aldrin, além de uma miríade de citações a obras clássicas da ficção científica, como Fundação, de Isaac Asimov, 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke, e Star Maker, de Olaf Stapledon.

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Toda essa pesquisa fornece o instrumental teórico para Kaku especular sobre campos tão distantes quanto a exobiologia (que estuda as possíveis formas de vida existentes em planetas distantes) e a cosmologia (que se dedica à origem, evolução e fim do universo, ou dos multiversos, se esse for o caso).

Kaku medita de forma surpreendentemente sóbria sobre o que aconteceria caso nos deparássemos com alienígenas — e faz seu palpite mais arriscado em todo o livro ao dizer que acredita em um contato por rádio por iniciativas como o Seti (Search for Extraterrestial Intelligence) nos próximos anos – e sobre a possibilidade de que a física como conhecemos esteja enganada e que seja realmente possível viajar em velocidades maiores que a da luz.  No melhor dos cenários, ele imagina uma humanidade próspera, praticamente imortal, espalhada harmoniosamente por toda a galáxia e pensando em maneiras de impedir ou escapar da morte do universo, em um futuro inimaginavelmente distante.

O FUTURO  DA HUMANIDADE. AUTOR: MICHIO KAKU. EDITORA: CRÍTICA. 368 PÁG., R$ 62,90

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CRÔNICAS ESPACIAIS. AUTOR: NEIL DE GRASSE TYSON. EDITORA: PLANETA. 384 PÁG.,R$ 48,90

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