Flertando com o perigo

Para distrair o povo da crise, Chávez ameaça. O problema é que, numa próxima, a guerra pode acontecer

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Por Gustavo Flores-Macias e Sarah E. Krep
Atualização:

O mundo se acostumou com o presidente venezuelano, Hugo Chávez, xingando os líderes mundiais. Ele chamou George W. Bush de "demônio", o ex-presidente da Espanha de "fascista" e o presidente do México de "fantoche do império americano". E agora chamou o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, de "criminoso e mentiroso". Desta vez, contudo, o insulto veio acompanhado pela mobilização de dez batalhões do Exército ao longo da fronteira da Venezuela com a Colômbia. A iniciativa foi tomada depois da notícia de que 17 membros do grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) haviam sido mortos numa incursão de militares colombianos em território equatoriano. A Venezuela diz que a mobilização de tropas na fronteira é uma medida preventiva para o caso de a Colômbia tentar uma ação similar em solo venezuelano. O país de Chávez também fechou sua embaixada em Bogotá - o que, apesar da tradição de retórica inflamada entre os dois países, representa um corte de relações sem precedentes. Esses eventos levantam pelo menos quatro questões. A primeira: a Colômbia errou ao se envolver em hostilidades em solo equatoriano? A Colômbia violou a soberania do Equador, o que representa tecnicamente uma violação do princípio de não-intervenção das Nações Unidas. No entanto, a fronteira entre o Equador e a Colômbia é altamente permeável. Insurgentes podem cruzá-la livremente, sem monitoração nem regras. Em qualquer perseguição de membros das Farc, seria quase inevitável atravessar fronteiras vizinhas. A atitude da Venezuela de se preparar para o conflito armado porque a Colômbia perseguiu rebeldes através dessa fronteira indefinida é desproporcional. Uma reação diplomática firme teria sido suficiente. Em segundo lugar, por que a Venezuela está envolvida? Apoiando-se nas receitas do petróleo, Chávez fez alianças com Estados que têm afinidade com a Venezuela. Ele fornece ajuda e petróleo subsidiado a Cuba e à Nicarágua, enviou plataformas petrolíferas ao Equador e comprou mais de US$ 5 bilhões da dívida externa argentina. O papel de Chávez de benfeitor regional criou uma lealdade entre os beneficiados e lhe rendeu influência em seus assuntos internos. Mas o problema é que essa conflagração pode conter as sementes de uma versão contemporânea da crise das Falklands. A Argentina invadiu o arquipélago que chama de Malvinas em 1982, pretendendo, ao menos em parte, desviar a atenção das péssimas condições econômicas e da inquietação civil no âmbito doméstico. O que a Argentina não previu foi a reação da Grã-Bretanha. Dois meses e mil mortes depois, a Argentina se rendeu e seu governo caiu. A Venezuela enfrenta hoje muitos dos problemas internos que a Argentina enfrentava na época. Há sinais de que a revolução social de Chávez aumentou a desigualdade econômica, a escassez de alimentos e a inflação. Até mesmo a produção de petróleo diminuiu. No ano passado, a reforma constitucional de Chávez foi claramente rejeitada num referendo. A impressão agora é de que Chávez amplifica uma ameaça externa para distrair os venezuelanos do mal-estar doméstico. Mas seu brandir de espada traz o risco de escalada. O que começou como um estratagema doméstico poderá levar ao conflito aberto se um dos lados cometer um erro de cálculo. Em terceiro lugar, quais seriam as conseqüências da escalada? Um conflito armado nos Andes teria graves conseqüências, entre elas a perda de vidas e dinheiro, um movimento de refugiados e um novo aumento dos preços do petróleo. Seria uma receita para a deterioração das condições de vida já precárias na região andina, com reverberações nos arredores. E o que deve ser feito? Os países com influência regional precisam trabalhar para acalmar a situação. O Brasil é o candidato perfeito ao papel. Tem boas relações tanto com o governo de centro-direita de Uribe quanto com o esquerdista de Chávez e detém o poder regional necessário para mediar os contatos entre os dois. Até agora, os Estados Unidos evitaram responder à retórica hostil de Chávez. Mas o país deveria se preparar para uma abordagem mais ativa no caso de uma escalada. A região poderia opor-se a uma intervenção militar americana direta, mas Washington poderia considerar o aumento discreto do fornecimento de ajuda, treinamento e equipamento à Colômbia. As atitudes recentes de Chávez podem ser mais uma encenação, mas o Hemisfério não pode descartar a possibilidade de conflito. Erros de cálculo já levaram à guerra na região e isso poderia acontecer de novo. * Gustavo Flores-Macias, do Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos, (Universidade Harvard) estuda a ascensão da esquerda na América Latina Sarah E. Kreps é do Centro Belfer de Assuntos Internacionais, de Harvard, e membro do Instituto de Direito e Política Internacionais da Universidade de Georgetown

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