Fotógrafo registra paisagens e belezas naturais do Ártico

Benjamin Hardman tem 23 anos e habilidade intuitiva para clicar imagens que evocam a pintura do romantismo alemão

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Por Celso Filho
Atualização:
O fotógrafo australiano Benjamin Hardman, de 23 anos, trabalha na Islândia e em outras ilhas do ártico Foto: Benjamin Hardman

Em um dia nublado, Benjamin Hardman se equilibra entre pedras encharcadas para alcançar o ponto mais alto de uma cachoeira. Mesmo naquela trilha tortuosa, o fotógrafo não deixa a câmera de lado, registrando em vídeo sua aventura em uma das Ilhas Faroe, arquipélago do Reino da Dinamarca a quase 700 quilômetros da Islândia, onde ele mora desde 2015. Quando nem o 4x4 nem suas pernas conseguem fazer o caminho, ele busca a ajuda de drones para registrar as paisagens selvagens daquela região do Ártico. Outra tecnologia que também faz a vez no cotidiano do australiano é a internet. Ele não somente fotografa, mas também filma sua vida de ‘desbravador’, em uma espécie de diário de bordo virtual.

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Hardman, que concede aqui sua primeira entrevista a um jornal brasileiro, tem apenas 23 anos. Como toda pessoa de sua geração, sua vida pode ser facilmente encontrada online. Aliás, sem a figura de um marchand por trás ou uma galeria que o represente, as redes sociais tornaram-se a principal forma de divulgação de seu trabalho. Seja nos ‘stories’ do Instagram ou em vídeos do YouTube, ele costuma contar tudo sobre suas expedições – das dificuldades pelo clima hostil aos animais que encontra em seu caminho. 

Em sua busca pelo selvagem, Hardman parece ter as tecnologias a seu favor, mas o trunfo de sua arte pode estar mais ligado ao seu olhar para o passado. O aumento recente de turistas na Islândia também resultou em um movimento de fotógrafos, amadores e profissionais, com suas câmeras armadas para descobrir as belezas naturais e o povo daquele país. Em meio a esse turbilhão de imagens, o trabalho de Hardman chama a atenção justamente por conseguir unir questões de seu tempo ao apreço estético da representação da paisagem que tem intrigado gerações de artistas desde os holandeses no século 16. Suas imagens conseguem ir além do registro mecânico, evocando uma carga simbólica.

Benjamin Hardman não tem formação em fotografia, mas sua habilidade é intuitiva Foto: Benjamin Hardman

Pelo menos uma vez por semana, Hardman e sua câmera encaram a estrada ou os céus, em voos de helicópteros e aviões, para explorar regiões isoladas das ilhas do Ártico. Sua rotina tem sido assim há cerca de três anos, quando ele migrou de um extremo ao outro. Com sua namorada, a também artista visual Amy Haslehurst, ele decidiu trocar a luz solar característica de sua terra natal pelo tom crepuscular do Norte. Seus registros de surfistas e das praias do Hemisfério Sul passaram a ser imagens enevoadas de montanhas, geleiras e planícies ermas. 

De maneira autodidata, Hardman começou a fotografar em 2010, trabalhando como assistente de fotografia em casamentos. Com formação acadêmica em Contabilidade e Finanças, muitas de suas habilidades surgiram de experimentações em casa e em viagens à Europa, que o levaram à decisão de se mudar para o outro lado do globo. “A Austrália possui uma paisagem muito dura, com cores saturadas e uma luz solar muito forte. Então, a fotografia pode se tornar incrivelmente difícil. A paisagem lá não possui o sublime e a qualidade extramundana da Islândia”, conta.

A decisão do fotógrafo não foi muito diferente de outros artistas do passado que também buscaram em lugares isolados um propósito para sua arte. Em 1930, por exemplo, o pintor canadense Lawren S. Harris (1885-1970) passaria dois meses no Ártico observando geleiras e icebergs, em uma jornada quase espiritual pelo sentido do fazer artístico. Na mesma década, a norte-americana Georgia O’Keeffe (1887-1986) ficaria obcecada pelo horizonte desértico da região montanhosa do Novo México. Isolada em um sítio, ela buscou retratar incessantemente a paisagem de Black Mesa em pinturas e desenhos. 

No entanto, dos nomes do passado, certamente o romântico alemão Caspar David Friedrich (1774-1840) é um dos que melhor poderiam dialogar com a fotografia de Hardman. Inconscientemente, o australiano propõe, em suas obras, uma resposta parecida de Friedrich ao poder da natureza. Diferentemente de Friedrich, porém, Hardman não se considera religioso, apesar de, em suas imagens, procurar passar ao espectador a experiência do sublime, em encontrar uma ligação quase espiritual com o mundo e com aquilo que não conseguimos compreender.

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Foto de Hardman faz referência inconsciente às obras do romantismo alemão, como telas do pintor Casper Friedrich Foto: Benjamin Hardman

Uma das principais características das pinturas de Friedrich era a presença da Rückenfigur, aquela figura humana sempre de costas. O recurso adotado no romantismo alemão coloca o espectador dentro da perspectiva daquela figura retratada, além da capacidade de convidar para uma experiência emocional de isolamento e contemplação. Retomado por outros movimentos artísticos, inclusive no cinema, esse elemento humano também está nas imagens de Hardman. “Eu uso pequenas figuras humanas para acentuar a escala e a emoção, para mostrar quão pequeno e insignificante o homem é em meio à paisagem. Também representa o relacionamento que temos com a natureza, a reverência e a paz que experimentamos ao estar em contato com ela.”

Em algumas imagens, essa figura humana diminuta parece estar em plena comunhão com a natureza. Carregada de simbologias, uma das imagem desta página, por exemplo, mostra uma mulher, a sua namorada Amy para ser mais exato, deitada em posição fetal entre raízes de uma árvore. O encontro entre as raízes e a figura feminina, que lembram as ilustrações do inglês Arthur Rackham (1867-1939), podem evocar tanto um útero quanto um caixão (as mesmas raízes e corpos nus podem ser vistos em O Anticristo, de Lars von Trier). Em outra fotografia, um homem fica quase imperceptível em meio à neblina e às formações rochosas, enquanto caminha em uma trilha.

Ativismo. Não somente o tempo, entretanto, afastaria Friedrich de Hardman. As preocupações estéticas e simbólicas não são as únicas questões que instigam a fotografia do australiano. Em suas obras, ele também mira o ambiente selvagem com um olhar contemporâneo, levando em consideração o meio ambiente. Ele é doador e trabalha para a Landvernd, uma organização-não-governamental de preservação ambiental da Islândia, principalmente com o aumento no número de pessoas em busca do ecoturismo da região.

“Eu tento educar outros viajantes sobre como respeitar a natureza na Islândia”, explica. Em parceria com outros artistas da região, Hardman também costuma organizar oficinas e expedições de fotografia. Neste mês, inclusive, ele ficará dias na estrada com um grupo de turistas fotografando a ilha em seus longos dias de verão.

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