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Fotógrafos celebram charme masoquista das praias da Inglaterra

Exposição reúne fotos que transmitem as paisagens soturnas do litoral britânico

Por Imogen White
Atualização:

A temperatura era de 24°C quando cheguei a Margate, uma cidade costeira a duas horas de Londres, onde T.S. Eliot escreveu A Terra Árida e, em 2019, os expatriados de Hackney comedores de queijo vegano tentam não irritar seus novos vizinhos. Mas apesar do sol brilhando e da tentativa de mostrar-me corajoso, eu sentia saudades de casa.

'Viajantes de um Dia' (1985), de Colin Thomas Foto: COLIN THOMAS

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Eu sou australiano e mesmo que seja terrivelmente previsível sentir falta do sol e da areia, meu problema não é com os invernos britânicos. Eu me divirto em clima frio, escolhendo um bom casaco quente, sentado em um pub com cães e uma fogueira. Mas quando a temperatura começa a subir, começo a me indagar se não cometi um erro terrível ao me mudar para o outro lado do mundo. Os verões aqui me fazem almejar por um mergulho salgado em uma praia de verdade, com areia dourada, ondas quebrando, sol escaldante e o delicioso risco de encontrar uma água-viva ou mesmo um tubarão. A desolada costa britânica, com seu clima imprevisível, praias de cascalho e mar quase congelante, simplesmente não me satisfazem.

Mas depois de visitar a mostra Seaside Photographed (Litoral Retratado) no Turner Contemporary, encontrei um novo apreço pelo melancólico charme do litoral inglês. A exposição mostra como os fotógrafos capturaram a costa desde os anos 1860 até o presente. Assim como o tempo que você poderá encontrar quando viaja para o litoral, é deliciosamente variado. Há fotos surpreendentemente ousadas de vitorianos deitados uns em cima dos outros na praia. Há um maravilhoso registro de Henri Cartier-Bresson de garotas embonecadas em cardigans fofos com rolos em seus cabelos, debruçadas sobre um jornal em Blackpool na década de 1960. Há sublimes fotografias de ondas, tiradas por Francis Mortimer no início do século 20. Um fotógrafo que persegue esse tipo de cena cultivava de uma “certa dose de imprudência”, disse Mortimer, enfatizando a necessidade de “um companheiro com uma corda forte”.

Para aproveitar ao máximo o litoral britânico, você precisa mandar para o mais fundo de sua mente todos os pensamentos de tomar banhos de sol ou brincar nas ondas. Em vez disso, coloque sua toalha xadrez de piquenique sobre as rochas, vista um suéter de lã, beba um chá morno de uma garrafa térmica e leia seu livro, tentando não pensar no quanto de frio e desconforto você está sentindo. Quando ficar com fome, caminhe ao longo da costa onde tanto venta, até a próxima cidade degradada para comer alguns pesados peixes à milanesa e encharcadas batatas fritas. Se o sol sair, junte-se à fila de mais de um quilômetro para comprar um sorvete muito caro, e delicie-se com a visão de metros e metros de pele acinzentada que lentamente vai ficando cor-de-rosa. Nem pense em entrar na água, a menos que você goste de não poder respirar porque seus pulmões congelaram. E não se preocupe se você não estiver se divertindo. A melhor coisa sobre o litoral britânico é que você pode ser tão mal-humorado quanto você gosta de ser. Ninguém vai se importar.

Três senhoras idosas caminham em direção a um horizonte sinistro na foto Viajantes de Um Dia (1985), de Colin Thomas. Nenhuma alma à vista no litoral e, embora as nuvens pareçam estar prontas para irromper em um temporal, o mar está tão calmo quanto uma piscina, tão plano quanto a estrada. Com suas resistentes capas de chuva, lenços de cabeça e absurdas bolsas, tais pessoas não parecem que se desanimariam com algo tão insignificante quanto um clima inclemente. Se você está se perguntando o que vestir em uma praia britânica, acaba de encontrar.

As fotografias espirituosas e humanitárias de Martin Parr captam o charme tragicômico do litoral britânico, do qual ele se diz “um aficionado”. “Eu não consigo resistir”, ele disse uma vez. “Em Nova York, você tem a rua, no Reino Unido temos a praia.” O humor lascivo desta fotografia – parte de uma série chamada The Last Resort, tirada em uma cidade costeira de operários perto de Liverpool na década de 1980 – é uma reminiscência de antigos cartões postais de beira-mar. Um adolescente está fascinado pelo peito da glamourosa mulher que acaba de lhe servir duas bolas de sorvete. À sua frente, uma casquinha de sorvete aponta para cima, numa sugestão de priapismo, junto a um rastro de baunilha cremosa.

Há algo ligeiramente inquietante em uma fotografia de 1967 de Pat Gwynne, um fotógrafo amador que cresceu em um orfanato de Dublin. No meio, uma mulher de maiô vermelho dedica-se a uma inútil batalha contra a areia que invade sua toalha. À esquerda, a amiga de biquíni azul contorce seu corpo em um esforço para amarrar seu top sem se expor. Seus outros dois amigos estão pacificamente deitados, com os olhos fechados. No canto inferior direito da fotografia, no barco a remo de madeira, podemos apenas ver a sombra do fotógrafo. São amigos? Eles sabem que ele está aí?

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A partir da década de 1970, viagens aéreas mais baratas fizeram com que os turistas começassem a abandonar a costa britânica em favor de lugares mais quentes e belos, como a Espanha e a Grécia. Muitas cidades que já foram movimentadas por turistas são agora marcadas por dificuldades e adversidades. Um toldo listrado de azul e branco em uma marquise que há muito tempo abrigava peixeiros em é um lembrete fantasmagórico de um passado mais animado na foto Vago: A. Hall & Co., de Hannah Blackmore. A justaposição de um cartaz publicitário de alguma forma torna a cena ainda mais deprimente.

Julia Horbaschk tirou fotos de seis esguias palmeiras na West Parade em Worthing, Sussex, durante um período de 11 meses, em 2018. Worthing chegou a ser um próspero resort para os elegantes e ricos. Oscar Wilde escreveu A Importância de Ser Prudente enquanto esteve hospedado lá no verão de 1894; no século 20, outro dramaturgo, Harold Pinter, chamaria esse local de lar. Essas palmeiras de aparência cansada, seu exotismo notavelmente fora de lugar, claramente viram tempos mais felizes. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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