Garth Greenwell se consolida como uma voz potente da literatura LGBT

Com 'Cleanness', novo volume de contos, autor de 'O Que Te Pertence' trilha caminho de Edmund Wilson

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Por Ron Charles
Atualização:

Há quatro anos, Garth Greenwell publicou um romance de estreia sobre um professor americano que se apaixona por um rapaz gay que cobra por sexo, na Bulgária. O livro, O Que te Pertence (Editora Todavia), pode ter passado despercebido no enorme conjunto da ficção literária. Sua trama era limitada, seus personagens, obscuros. Mas nada disso importa. O livro arde de luxúria e arrependimento através de páginas de uma prosa hipnoticamente esplêndida. Os críticos e outros leitores reagiram com assombro à sua visão perturbadora do emaranhado de desejos e traições do coração.

O escritor Garth Greenwell Foto: Oriette D'Angelo

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Agora ele retorna com Cleanness, coleção de histórias retomando a experiência do professor na Bulgária, país que o autor conhece quando passou um período dando aulas no American College de Sofia. Três das nove histórias apareceram na New Yorker, e quase todas elas são extraordinárias. Embora a forma seja menor, o escopo é mais amplo e o efeito geral ainda mais impressionante do que primeiro romance. O estilo de Greenwell continua elegante como sempre, mas está subordinado perfeitamente a uma paleta de eventos e temas mais completa.

O conto que abre o livro, Mentor, traz uma amarga revelação sobre as impressionantes responsabilidades e o fardo impossível de ensinar. Como muitas das histórias, esta tem como cenário Sofia, uma capital outrora gloriosa e hoje repleta de inóspitos edifícios da era soviética. Encontramos o narrador, que, como muitos desses personagens, nunca tem nome, desfrutando de um drinque com um estudante predileto. Como um visitante gay num país homofóbico, o narrador insiste em falar abertamente sobre ele e sua vida, esperando oferecer um oásis de segurança e estímulo para o jovem que esconde sua homossexualidade. 

“Você é a única pessoa que conheço que fala sobre isto, que deixa tão público e não se sente envergonhado”, disse o estudante a ele, e o narrador se enche de orgulho da sua vocação. Mas então, numa mudança tão sutil como a passagem do dia para o crepúsculo, este jovem começa a descrever sua decepção com um colega de classe, “um amigo particular” por quem ele é apaixonado. O que deve fazer? Ele pergunta ao professor. Conseguirá suportar essa dor? De repente, a necessidade do estudante parece demasiadamente crucial. Sua súplica por um conselho, demais relevante. Qualquer bom professor reagiria com sentimentos concomitantes de felicidade e horror, como os dois lados da mesma página: o prazer de ser consultado e o horror de ser arrebatado pelas “paixões e dores desmedidas” de um estudante.

Num momento, a magnanimidade do narrador se converte em ressentimento. “Estava cansado de ouvi-lo, pelo esforço de ouvir naquele espaço ruidoso”, confessa. “Mas também pela obrigação que me foi imposta, não só de ouvir, mas de sentir de uma maneira que não estava acostumado.”

Esse deslizar de sentimentos seguros para sentimentos traiçoeiros também é observado em outras histórias desta coleção. Greenwell repetidamente é atraído para momentos precários de transição emocional, particularmente para a compulsão erótica e o envolvimento romântico. Em Gospodar, uma das várias histórias extremamente explícitas, o narrador busca um parceiro dominante para humilhá-lo durante uma relação de sexo. “Foi para essa excitação que eu vim”, afirmou ele. “Algo para me tirar da dor que ainda sentia.” Mas quase imediatamente esse arrebatamento é ofuscado pelos “primeiros sinais de intranquilidade”. 

Os detalhes físicos íntimos dessa história perturbadora extrapolarão a tolerância de alguns leitores, mas esse é o objetivo do autor. “Não existe prazer compreensível”, escreveu. Mas está bravamente explorando suas dimensões. Ele nos leva por aquelas correntes onde nossos puros ideais se misturam com águas salobras de desejo. Constantemente, ele considera o sentimento incorporado nesse título propositadamente incômodo: Cleanness

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Seu narrador é um homem devotado a encontrar um relacionamento saudável e ao mesmo tempo sedento por destruição. “Sinto um novo temor de quão pouco sentido de mim mesmo eu tenho, como não existe fim para o que eu poderia desejar ou punção pelo que procuro.” 

Somente a demonstração gráfica desse dilema exposto nessas páginas pode nos dar o sentido visceral do que ele quer dizer. Mas o livro não é continuamente lúgubre. Na verdade, a variedade dessas histórias é parte do seu triunfo e parte do que faz sua tristeza existencial tão profunda. Três contos no centro do livro são apresentados sob o título Loving R. E nos dão um relato da relação do narrador com um estudante de Lisboa de 21 anos de idade. 

Tão cinzento é o clima de Sofia e tão prudente é este narrador que sua relação com R parece a chegada da primavera. “Cada vez que ele sorria, me enchia de felicidade como nunca senti antes. Uma felicidade que era particularmente sua.” 

Em seu amor ele encontra “uma espécie de limpeza” pela qual vinha ansiando, alguma coisa para remover “a vergonha, a ansiedade e o temor”, que tomou conta dele desde que seu pai escarneceu dele e o espancou quando criança.

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Como essa complicada relação entre o narrador e seu amante – dois homens de diferentes países em pontos distintos de suas vidas – se desenrola é um dos muitos elementos incomparavelmente agridoces de Cleanness. Felizmente parece tarde demais, ou pelo menos supérfluo, comemorar o fato de que esta formidável coleção não será afastada para a prateleira de trás da livraria, onde é colocada a literatura LGBT.

Em novembro, Edmund White recebeu um prêmio por sua carreira da National Book Foundation pela luz reveladora que representaram suas obras de ficção e autobiográfica, nos últimos 50 anos.

Greenwell, Ocean Vuong, Alexander Chee e outros escritores gays contemporâneos estão trabalhando em campos que White ajudou a abrir nos últimos 50 anos, mas também levando nossa literatura mais para a frente e encontrando um público maior. Naturalmente, parte desse sucesso reflete a maior consideração sociedade para com a comunidade LGBT, mas também é resultado do talento extraordinário desses escritores.

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E para onde irão a partir daqui? Depois do primeiro conto de Greenwell, Mitko, que se desenvolveu no seu romance O que te Pertence, e agora o seu livro Cleanness, estou ansioso para ver o que ele fará além dos confins das suas experiências na Bulgária. Ouvi referências a Yoknapatawpha, mas a esfera ficcional de William Faulkner não é análoga: há um vasto mundo – real e imaginário – fora de Sofia, esperando por este escritor brilhante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

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