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Gilles Lapouge investiga os paraísos na vida real em novo livro

Ficcionista francês e colaborador do 'Estado' compila locais em seu 'Atlas do Paraíso Perdido'

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

A francesa Valérie Dumaige, diretora editorial da Arthaud, concebeu uma coleção original de atlas de todos os gêneros: de países que não existem, cidades perdidas e ilhas abandonadas. Mas, entre os 11 títulos já lançados na França, destaca-se um muito especial, Atlas des Paradis Perdus, do veterano jornalista e premiado ficcionista Gilles Lapouge, correspondente do Estado por mais de seis décadas, desde 1951.

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O poeta, escritor e jornalista francês Gilles Lapouge Foto:

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Aos 95 anos, Gilles, colaborador habitual do Aliás, lança um livro sobre a utopia, sobre os paraísos reais ou inventados pelos homens, sejam eles o lorde inglês Osgood, que no século 18 criou um jardim do Éden muito pessoal, ou o americano Walt Disney, que tentou concretizar uma fantasia infantil inventando a Disneylândia.

Gilles é, antes de tudo, um poeta. No entanto, o espírito curioso de jornalista o fez reviver o paraíso perdido não só de lorde Osgood como os Campos Elísios imaginados por Henri Racine de Monville, também no século 18, uma espécie de parque temático que sucumbiu à Revolução Francesa. Nela, pagodes chineses conviviam com igrejas góticas e as paisagens do mundo inteiro cabiam num jardim paradisíaco (Le Désert de Rez) celebrado com nostalgia pelos surrealistas e finalmente reconstruído por Malraux quando era ministro da Cultura, em 1965. 

O jardim que lorde Osgood plantou no fim do século 18 era mesmo um Éden globalizado, um paraíso (a raiz etimológica persa de paraíso é jardim) destinado a integrar a natureza de vários lugares do mundo. Osgood mandou importar terra da Irlanda, eucaliptos da Tasmânia e essências de todo o planeta. Monville, que também era um homem do mundo, fez do seu deserto de Rez a “soma de todas as paisagens, de todas as civilizações”, como observa Lapouge em seu fascinante livro, que precisa com urgência ser traduzido no Brasil.

Aliás, o Brasil é citado numa das muitas histórias contadas, a da Colônia Cecília, estabelecida no País pelo anarquista Giovanni Rossi a convite de D. Pedro II. Rossi mostrará, segundo Lapouge, que a anarquia seria o regime apropriado para forjar o paraíso sobre a terra: uma comunidade sem opressão nem hierarquia, fundada sobre a liberdade e o respeito. Por que, então, não deu certo? Por que esse desvio de rota, que pretendia ser o antídoto ao veneno da sociedade burguesa, não virou paraíso, mas o purgatório? Conclusão do autor: a cidade totalitária de Rossi não reinventou o Éden, apenas atestou que a família pode ser o inferno responsável pelo fracasso do paraíso.

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O paraíso pode ainda, segundo Lapouge, transformar-se em prisão – às vezes literalmente, como foi o caso de Fontevraud, a maior abadia da Europa no século 11, transformada em cárcere por Napoleão. Em outros casos, o que parece e ser um paraíso real – como foi o Taiti para Gauguin – não passa de um inferno bem maquiado, que de nova Cítera não tem nada. Esse paraíso morreu quando descobriu a lei, a ordem, o pudor, a corrupção e os bancos. O tempo da ingenuidade paradisíaca, conclui Lapouge, acabou. 

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