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Grande farra no mercado de arte

Setor vive dias frenéticos com a cobiça de ricaços russos, chineses, até brasileiros. Mas olha a ?bolha?, pessoal

Por Lúcia Guimarães e lgsamambaias@gmail.com
Atualização:

Os números desafiam as previsões mais otimistas. Marchands americanos trabalhando sozinhos já não se surpreendem com um faturamento anual de US$ 30 milhões. Ninguém sabe ao certo quanto é movimentado fora do circuito de leilões, mas, em 2007, estima-se que cerca de US$ 60 bilhões trocaram de mãos no superaquecido mercado da arte. As grandes feiras internacionais, como Basel (Basiléia), geraram tantos filhotes que um maratonista (ou masoquista) arriscaria passar os 365 dias do ano pulando de stand em stand para ver a arte à venda. Desde que os ventos recessivos começaram a soprar, no final de 2007, os protagonistas do mundo da arte prenderam a respiração e começaram a ter visões bíblicas de Jackson Pollocks sendo trocados por um prato de comida. Exagero, é claro. Afinal, a pintura Nº 5, 1948 da fase de drip painting, o breve período magistral do artista, foi vendida ao financista David Martinez por US$ 140 milhões em 2006 . Mesmo havendo uma desvalorização de 50%, daria para garantir suprimento vitalício de caviar. Os bilionário russos , os xeques do petróleo, os hedge funders que começaram a fazer a barba há menos de dez anos, os indianos enriquecidos pela tecnologia, os chineses (é preciso qualificar?) e , sim, os brazucas, estão a bordo desse trem da alegria. Na virada do milênio os grandes leilões eram freqüentados por compradores de menos de 30 países. Agora cerca de 60 países exportam vorazes colecionadores que fazem lances audaciosos, em carne e osso, on line e pelo telefone. Os caprichosos e imperiais russos como Roman Abramovich, o bilionário da metalurgia e da mineração, devem ficar tiriricas porque foram apelidados de "japoneses do novo milênio". Merecem o epíteto porque estão inflacionando o mercado, mas, ao contrário dos cautelosos japoneses que pipocavam nas manchetes dos anos 80, quebrando os recordes de Van Goghs, atraídos pelo colírio impressionista ou retratos de mulheres, os novos ricos da Rússia têm apetite por arte contemporânea. O tríptico de Francis Bacon que Abramovich arrematou em maio por US$ 86 milhões na Sotheby''s e a felliniana mulher de Lucian Freud (o nome do quadro é Supervisora de Benefícios Dormindo) que ele levou no leilão da Christie''s, na mesma semana, por US$ 34 milhões, são pinturas figurativas, porém longe de ser idílicas. A ironia do comentário da retratada é preciosa. Depois de anos posando para Freud, Sue Tilly, a funcionária pública que ele apelidou de Big Sue, concluiu: "Ele deve ter me escolhido porque conseguiu bom valor pelo que pagou - muita carne". Quem imaginava, há uma década, dar de cara com a família real de Qatar na feira de arte de Basel? Pois hoje o xeque Saud al-Thani está comprando arte no atacado para rechear vários museus em construção no pequeno emirado. O Louvre e o Guggenheim vão ter filiais em Abu Dhabi. Há mais paredes, museus em fase de conclusão e galpões abandonados prontos para se transformar em galerias. Por isso, o recorde de preço para um artista vivo continua a ser superado. O Coração Pendurado (Hanging Heart) de Jeff Koons foi vendido por US$ 17 milhões em janeiro passado, apenas para ser ofuscado pela Big Sue de Freud. Não há um suprimento de grandes mestres que possa remotamente dar conta do apetite do mercado. Do final da Idade Média ao Modernismo, o patrimônio que importa está na mão de museus ou grandes colecionadores que, quando envelhecem, fazem acordos com instituições. A cotação social do patrono das artes está tão alta que Eli Broad, um dos maiores colecionadores do mundo, dono de mais de 2 mil peças de arte moderna e contemporânea, voltou atrás, este ano, na promessa de doar seu acervo a museus. A decisão doeu mais ao Los Angeles County Museum of Art, que inaugurou um prédio - Broad Contemporary Art Museum - projetado por Renzo Piano e financiado pelo bilionário, na esperança de ser o principal beneficiário da coleção. A decisão de Broad reflete o desejo dos colecionadores de influir no destino futuro de suas coleções. A qualquer dado momento, um grande museu exibe apenas uma fração de seu acervo. Broad se diz a favor de obras de arte serem compartilhadas por múltiplas instituições para que não fiquem hibernando em depósitos. O mundo dos colecionadores contemporâneos não se destaca por egos mais inflados do que os patronos da Renascença. Mas é um mundo globalizado, mais populoso e volátil. Esse mundo pode ter vínculos com os dois incidentes de roubo, no Masp e na Pinacoteca de São Paulo. A última vez que o mercado de arte passou da euforia, alimentada pelos japoneses, à depressão, em 1991, continua fresca na memória do publisher da revista que é mais do que um termômetro do mercado. A ArtForum International é a bússola crítica da arte contemporânea. O publisher Anthony Korner lembra-se muito bem de quando, da noite para o dia, a revista passou de 100 páginas de anúncios para 45. No verão de 2007, a ArtForum bateu seu recorde de publicidade, com mais de 300 páginas de anúncios, mas Korner nota que houve uma confluência entre a Art Basel de Miami, a Documenta, de Kassel e a Bienal de Veneza. O número que está nas bancas, embora não seja recordista, continua um tijolo pesado. Korner, que começou a vida no tradicional universo do banco de investimentos Warburg, não vê um crash no horizonte e, sim, uma correção do mercado: "Mesmo o que estamos testemunhando nas bolsas é em parte a chamada profecia que se autoconfirma. De tanto falarem em recessão, o mercado se retraiu". A boa notícia, segundo Korner, é que quando há um período de disparada de preços seguido por uma retracão sóbria, a arte medíocre, promovida por hype, tende a ser esquecida. "Sabe a minha teoria sobre o mundo da arte?", pergunta o publisher. "O mundo da arte é como aqueles personagens de desenho animado que vão andando confiantes até que acaba o chão e eles despencam no abismo. Mas eu não acredito que, neste momento, haja um abismo no caminho que vem pela frente." Korner prefere uma metáfora mais pastoral. As grandes tempestades derrubam árvores fracas. Mas as árvores robustas ficam de pé.

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