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Grandes dias mínimos

Por Mônica Zarattini
Atualização:

A paulistana Adriana Zehbrauskas primeiro estudou jornalismo, inspirada pelo pai, depois linguística na Sorbonne. Queria escrever. “Mas percebi que era pelas imagens que me comunicava melhor”, conta. Então, juntando dois e dois, tornou-se fotojornalista. Há dez anos ela vive na Cidade do México, onde produz e de onde parte para produzir reportagens e projetos de maior fôlego para The New York Times, The Wall Street Journal, The Guardian e outros grandes da imprensa internacional.

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Seu trabalho de documentação em Tepito, o Barrio Bravo onde se encontram as causas e os efeitos da cruenta violência na capital mexicana - narcotráfico, corrupção policial - a alçou à condição de protagonista de um documentário em 2011: Beyond Assignment. Nele, o diretor americano Jim Virga mostra o cotidiano de três fotógrafas de linha de frente: Adriana no México, Gali Tibbon em Israel e Mariella Furrer na África do Sul.

Entre um trabalho e outro, ou mesmo durante, Adriana relaxa fotografando os lugares e as pessoas que estão mais perto, fora da pauta que lhe foi designada. Para isso, usa o telefone celular e as mídias sociais para propagar as imagens. É disso que ela fala e mostra nestas páginas.

Que são essas fotografias?Uma espécie de making off da minha vida. Não sou desses fotógrafos que levam a câmera para todos os lados. Mas fotografo o tempo todo, às vezes apenas com os olhos. A possibilidade de usar o celular para documentar momentos que de outra maneira eu não faria abriu uma nova e rica possibilidade fotográfica para mim: mais livre, mais criativa. Passei a prestar mais atenção nas pequenas cenas da vida cotidiana. Foi aí que descobri o Everyday Latin America.

De que se trata?Na origem, era Everyday Africa, um projeto criado pelos fotógrafos Peter DiCampo e Austin Merrell com o objetivo de mostrar o cotidiano do continente africano através de imagens de celular feitas por fotojornalistas e postadas nas redes sociais. O projeto está no Tumblr, no Facebook e especialmente no Instagram, onde já tem mais de 110 mil seguidores. Um dia DiCampo e Merrell me convidaram para participar do “irmão” Everyday Latin America (6,5 mil seguidores), que passou também a mostrar a “vida normal”, a rotina das pessoas na América Latina.

E as fotos das crianças de rosto pintado?Foram feitas no Estado mexicano de Oaxaca enquanto eu trabalhava numa reportagem para o Wall Street Journal sobre uma greve de professores. Fomos a uma escola no vilarejo de San Lucas Quiavini. Era 31 de outubro, véspera do Dia dos Mortos, umas das mais tradicionais celebrações mexicanas, que, ultimamente, tem se misturado ao Halloween americano. As crianças se preparavam para as festas desse dia, construindo altares com as oferendas aos parentes mortos. Pela tradição, as pessoas vão aos cemitérios, limpam e ordenam os túmulos, levam comida, bebida e flores e passam a noite, com velas acesas para iluminar o caminho dos espíritos.

Também há fotos na Cidade do México?Sim. É a cidade onde vivo há dez anos. Minha relação com ela já passou por diversos estágios: ódio, neutralidade, amor. Acho que agora encontrei um ponto de equilíbrio. Sou feliz aqui, adoro a cidade e sou extremamente grata por tudo que ela me deu e continua dando. Saio todos os dias para caminhar nos parques Gandhi e Chapultepec. Ali há museus, vendedores ambulantes, lago, zoológico, uma infinidade de coisas acontecendo. É aonde vou para descansar, me exercitar, respirar, me reorganizar e reenergizar. E então vou fotografando a cidade como uma maneira de proclamá-la minha também. É como se isso me desse algum direito de posse sobre ela. Porque no fundo eu sei: não importa quanto tempo passe aqui, sempre serei uma estrangeira.

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