Greta Garbo: seu talento, seus relacionamentos complexos – e por que ela ainda nos fascina

Robert Gottlieb escreve sobre os demônios internos da musa de Hollywood

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Por Mary Desjardins
Atualização:

Greta Garbo morreu em 1990. Seu último filme foi produzido oitenta anos atrás. Sua aposentadoria, em grande parte caracterizada por suas recusas a entrevistas e sua propensão a fazer longas caminhadas por Manhattan, durou mais do que sua carreira no cinema.

Ainda assim, estamos no meio de um renascimento (textual) de GarboThe Savvy Sphinx: How Garbo Conquered Hollywood, do historiador do cinema e fotografia Robert Dance, foi publicado em novembro. E no inverno passado saiu The Sun and Her Stars: Salka Viertel and Hitler’s Exiles in the Golden Age of Hollywood, de Donna Rifkind, um estudo do salão de emigrantes europeus (incluindo Garbo) da atriz e roteirista Viertel na Hollywood dos anos 1930 e 1940. O livro chegou logo após a republicação do livro de memórias de Viertel, The Kindness of Strangers, no qual Garbo tem um papel de destaque. E esta temporada nos traz Garbo, uma envolvente e inteligente releitura de Robert Gottlieb sobre sua vida e uma meditação sobre seu poder de fascinar.

Greta Garbo em cena do filme 'A Saga de Gosta Berling' (1924) Foto: The Criterion Collection

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Gottlieb não traz novos fatos sobre a estrela. Ele confia substancialmente – e cita generosamente – em evidências e opiniões descobertas ou sugeridas por biógrafos e historiadores anteriores, como Barry Paris, Karen Swenson e Mark Vieira. Garbo também não justifica sua existência com aquele tipo de revelação que impulsiona tantas biografias de astros. Você não vai encontrar aqui realidades socialmente inaceitáveis, muitas vezes escondidas ou minimizadas pelas máquinas publicitárias de Hollywood – como abuso infantil, casamentos múltiplos, abuso de drogas ou álcool, exploração econômica, doenças mentais, comportamentos sexuais perversos, reveses na carreira. Nada disso fez parte da vida de Garbo. Na verdade, a suspeita é que, se essas realidades fizessem parte da narrativa de Garbo, Gottlieb não ficaria interessado em escrever um livro sobre ela.

Gottlieb, conhecido por sua carreira editando livros de celebridades (Katharine Hepburn, Lauren Bacall, Bob Dylan) e escritores premiados (Joseph Heller, Toni Morrison, Doris Lessing, Salman Rushdie) como editor-chefe das editoras Simon & Schuster e Alfred A. Knopf e como editor da New Yorker, também é um escritor que há muito fala sobre música, dança e artistas performáticos. Assim como suas biografias da atriz Sarah Bernhardt e do coreógrafo George Balanchine, seu Garbo investe na complicada mistura de temperamento, talento, inconformismo e expectativas desproporcionais do público que é responsável proporcionar a fama do famoso. Mas Gottlieb não põe a infâmia – potencial ou efetiva – acima das contribuições de um artista para a cultura.

Garbo também se debruça sobre os relacionamentos da estrela. Alguns foram prejudicados pelo que só se pode descrever como seu desamparo (e mesquinhez) em relação a dinheiro e sua dependência em relação a outras pessoas para cuidar de uma variedade de assuntos práticos em seu nome. Outras amizades e casos amorosos foram desfeitos pelo medo da estrela (muitas vezes, mas nem sempre justificado) de que sua privacidade fosse violada por amigos e amantes em busca de recompensas econômicas ou de status. No entanto, Gottlieb enfatiza que seus relacionamentos se caracterizaram principalmente pelo comportamento excêntrico de Garbo – ainda que ela fosse genuinamente divertida e tivesse uma afetuosa necessidade de estar com as pessoas.

Outros biógrafos deram atenção a seus relacionamentos, mas talvez seja o talento editorial de Gottlieb que nos poupou das minúcias de suas trajetórias. Ele retrata com perspicácia o paradoxo da sociabilidade e reserva de Garbo: sua necessidade de ser controlada (por seu diretor-mentor Mauritz Stiller e, mais tarde, por seu possível amante George Schlee) e de ser deixada em paz (pela máquina de publicidade do estúdio, pelo público, por amantes ou amigos que a entediavam ou desagradavam).

A abordagem de Gottlieb à natureza sexual dos relacionamentos de Garbo e sua identidade de gênero evita o “lascivo do subjuntivo”, expressão que a acadêmica Marjorie Garber forjou para descrever aqueles cenários especulativos das biografias de celebridades que tentam sugerir quem pode ter dormido com quem. Gottlieb reconhece a grande probabilidade de que entre os amantes de Garbo se encontrassem homens e mulheres e de que ela geralmente se referisse a si mesma como “menino” ou “velho”, mas não aplica rótulos ao que ele sabe que é só especulação.

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O último quarto do livro de Gottlieb é composto por uma galeria de retratos fotográficos e um “guia de leituras sobre Garbo” – ensaios e anedotas escritos ou contados por outros escritores que conheceram, encontraram ou ficaram tão encantados por Garbo quanto Gottlieb. Essas seções oferecem algumas respostas para a pergunta “Por que Garbo?”, com a qual ele dá nome tanto ao primeiro quanto ao último capítulo do livro.

Talvez a voz de Garbo venha de longe para nos falar como a “nova mulher” da modernidade – com suas identidades sexuais e de gênero fluidas, sua recusa em ser explorada e seu desinteresse pela domesticidade como destino da mulher. Gottlieb descarta muitos dos filmes de Garbo como bobos ou “lixo”, mas o gosto talvez fique irrelevante quando encontramos em seu trabalho a audácia dessa “nova mulher”.

Nesse caso, podemos voltar nossa atenção para os retratos fotográficos de Garbo que continuam circulando depois de décadas, preservando sua estatura icônica mesmo quando seus filmes são difíceis de encontrar. E podemos pensar mais seriamente do que Gottlieb nos figurinos de Garbo (do estilista Adrian), que em filmes ambientados em sua contemporaneidade a alinhavam com a noção de uma mulher moderna andrógina e móvel e em filmes de época ressaltavam seu romantismo trágico.

Gottlieb se concentra na contribuição de suas performances na tela – uma mistura de habilidade e intuição – para sua persona. Suas observações sobre a forma como as atuações de Garbo trouxeram a linguagem gestual codificada do cinema mudo para o cinema sonoro sugere sua raridade entre seus contemporâneos. Seu estilo de atuação serviu de ponte para o que havia de melhor nas performances dos filmes mudos e sonoros; sua projeção de reserva e aparente indiferença ao amor fez com que sua eventual submissão a sentimentos intensos ficasse ainda mais comovente. Assim, para Gottlieb, o filme era um veículo para Garbo revelar sua humanidade, um lembrete da dor e do valor de viver. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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Mary Desjardins, autora de Recycled Stars: Female Film Stardom in the Age of Television and Video e coorganizadora de Dietrich Icon, é professora de estudos de cinema e mídia no Dartmouth College.

Garbo

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Robert Gottlieb

Farrar, Straus and Giroux - 448 páginas - USS $40

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