Guia de vigilância multimídia

Assim é visto o documento oficial que baliza a cobertura de imprensa da Olímpíada de Pequim, em 2008

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Por John Hughes
Atualização:

A China vê a Olimpíada de 2008 como uma oportunidade de apresentar ao mundo sua face mais positiva e sorridente. De fato, o país lançou um concurso internacional de fotos de crianças sorrindo sem indicar, como de costume, que uso fará das imagens. Tudo isso é um tremendo desafio para um regime que usa técnicas ocidentais para administrar a economia de mercado aberto enquanto mantém o controle político com todo o aparato repressor de um governo comunista. No congresso partidário concluído recentemente em Pequim o líder do Partido Comunista e presidente da China, Hu Jintao - que, para alguns no Ocidente, poderia traçar um rumo político mais moderado para o país -, usou a palavra "democracia" mais de 60 vezes no discurso de abertura. No entanto, como a revista Economist observou secamente, "pouca coisa mudou". Até porque a democracia requer, entre tantos outros elementos de infra-estrutura, uma imprensa livre capaz de representar os governados e vigiar os governantes sempre e quando necessário. É um conceito estranho ao regime de Pequim, assim como à maioria dos governos comunistas. Certamente com os dentes cerrados, o governo chinês, acusado por críticos estrangeiros de não merecer sediar a Olimpíada enquanto prende e persegue jornalistas, prometeu afrouxar as rédeas na reta final para os jogos e mesmo durante o evento - num período que vai de meados de 2007 a outubro de 2008. É o que informam documentos oficiais: a meu lado, enquanto escrevo, está uma cópia de 263 páginas, impressas no computador, do Guia de Serviço para a Cobertura da Mídia Estrangeira da Olimpíada de Pequim. Pois bem, embora o guia prometa liberdade de movimento em lugares "abertos a estrangeiros segundo designação do governo chinês" e afirme que os jornalistas do exterior serão livres para informar sobre a política, a sociedade, a cultura e a economia do país, observadores da mídia avisam que Pequim já quebrou promessas anteriores de abertura aos meios de comunicação e nenhum dos supostos relaxamentos deverá diminuir a pressão sobre os jornalistas chineses. Entre os assuntos não-olímpicos que o governo gostaria de ver retratados em coberturas está o website oficial dos Jogos de 2008. Ele sugere uma visita à Estação de Tratamento de Esgoto do Rio Qinghe, em Pequim. Sem dúvida, uma história que dificilmente será disputada por jornalistas famosos da TV americana. Já em websites fora da China, grupos de defesa da liberdade de imprensa conclamam o Comitê Olímpico Internacional (COI) e organizações esportivas mundiais a se pronunciarem em favor de sua causa e dos direitos humanos de maneira geral. Por exemplo, o instituto Repórteres sem Fronteiras, sediado na França e ativo em cinco continentes, é abertamente contra a realização da Olimpíada em Pequim. Em uma das manifestações públicas a respeito do tema, a organização argumenta que as autoridades chinesas prometeram avanços concretos no campo dos direitos humanos para ganhar o direito de sediar os jogos, "porém mudaram o tom depois de conseguir o que queriam". Pelo menos 30 jornalistas e 50 internautas estão detidos atualmente, afirma o grupo. Agências de propaganda, segurança pública e policiamento da internet dedicam-se a silenciar os críticos. Quanto à mídia internacional, os repórteres não podem se movimentar livremente no Tibete ou em Xinjiang. Para sublinhar o posicionamento crítico, os Repórteres sem Fronteiras estão vendendo camisetas com os dizeres Pequim 2008 e os cinco anéis olímpicos substituídos por algemas. Em outubro, a diretoria do Comitê de Proteção aos Jornalistas, baseado nos EUA, manifestou "séria preocupação" com a autonomia de trabalho da imprensa na China, dez meses antes do início dos jogos. A diretoria do comitê, formada por 35 jornalistas proeminentes, disse que os líderes chineses não cumpriram os compromissos pró-liberdade de imprensa assumidos durante a campanha para sediar a Olimpíada. O grupo pediu que a China ponha fim à censura, ao elaborado sistema de controles da mídia e às regras para a punição de jornalistas. E conclamou o COI, os patrocinadores dos jogos e as organizações de mídia que participarão da cobertura a exigir que a China cumpra suas promessas nesse campo. Em seu último relatório sobre liberdade de imprensa, a respeitada Freedom House, de Nova York, afirma que os jornalistas chineses, para não ter problemas com o Departamento Central de Propaganda, "muitas vezes praticam a autocensura, um costume reforçado pela doutrinação ideológica freqüente e por um sistema de remuneração que só paga os profissionais depois que suas reportagens são publicadas ou transmitidas. Quando um jornalista escreve uma matéria considerada controvertida demais, o pagamento é suspenso". Em artigo publicado em agosto no Wall Street Journal, Sophie Richardson, da organização Human Rights Watch, afirmou que os jogos, como um rito de passagem para a China, haviam alimentado esperanças de que o país cumprisse as promessas de liberdade de imprensa. "Contudo, na reta final para o evento, as perspectivas para a mídia definitivamente não são boas." O presidente Bush anunciou que visitará a China durante a Olimpíada. Seria bom se ele se lembrasse de lembrar Hu que um discurso mencionando a palavra "democracia" 60 vezes deveria motivar uma imprensa mais livre que a que se vê na China hoje.

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